Museu do Surfe

Fábio Gouveia, o Fabuloso

Coluna Museu do Surfe, de Gabriel Pierin, apresenta história de Fábio Fabuloso Gouveia, primeiro campeão mundial do Brasil.

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A história de um dos surfistas mais queridos do Brasil é tão fabulosa, quanto ele, Fábio Fabuloso. Filho da professora de Areias, Inácia Martins, e do agrônomo de Campina Grande, Marcos Lúcio Gouveia, nascia em Bananeiras, município do estado da Paraíba, no dia 26 de agosto de 1969, o primeiro surfista brasileiro campeão do mundo, Fábio Martins Gouveia.

No seu primeiro ano de vida, o bananeirense já estava morando na capital, João Pessoa. Foi na Praia de Tambaú, de areias finas e mar verde azulado, que Fábio cruzou o olhar algumas vezes com a monoquilha amarela do vizinho e se encantou. Vidrado pela nave e pela cabeleira loira do jovem, Fabinho ficava na areia acompanhando o movimento do surfista sobre as ondas. Nessa época ele apenas pegava jacaré e deslizava com seu sonrisal de madeirite.

A relação com o mar foi interrompida com a transferência do pai para Belo Horizonte. A família voltaria a morar em João Pessoa, somente em 1982. No primeiro dia de volta à praia, Fábio caiu direto num pico do surfe da Praia do Bessa. Ele pirou quando viu a galera pegando onda e ganhou de presente do pai uma prancha de isopor Guarujá comprada na loja Mesbla.

De tanto insistir em ficar de pé, Fábio quebrou a pranchinha logo na segunda semana. O pai acompanhando o drama do garoto comprou uma prancha de fibra usada da marca Girassol e a fissura pelo surfe só aumentou. Com ela Fábio disputou e venceu seu primeiro campeonato local, na Praia do Bessa.

No ano seguinte, em 1983, ele foi vice-campeão da Copa Honda Motomar com uma monoquilha da GR Surfboards, dos shapers Germano e Ronaldo, sendo superado pelo talentoso Nilson Santos, um paraibano promissor. A Paraíba reunia grandes surfistas como Paulo Bala, Badeco, os irmãos Cleirot e Santos, Longarina, Nicolau e Beto Chupeta.

Fábio terminou o Ensino Fundamental no Colégio Marista e cursou o Médio aos trancos e barrancos. Nessa época o surfe já tinha tomado conta da vida dele. Em 1985, aos 16 anos, venceu a Copa IV Centenário da Paraíba, em Bahia da Traição. Esse grande evento contou com a participação de vários surfistas profissionais do Nordeste e lhe rendeu uma passagem para o Peru.

Fábio preferiu trocar o prêmio por duas passagens para Floripa. Com ela o surfista saiu pela primeira vez do Nordeste para correr o OP Pro na Praia da Joaquina, onde terminou na quinta colocação.

O costume da galera do surfe de João Pessoa era chamar uns aos outros de fia, que vem de fio, gíria pra filho. Quando viajou para Santa Catarina e Fábio ficou na Praia da Joaquina, com os santistas Rogério Alemão e Daniel Miranda, era fia pra cá e pra lá. Os dois começaram então a devolver o chamado para o paraibano e Fábio virou Fia entre os surfistas.

Com os resultados, Fábio Gouveia conquistou seus primeiros patrocinadores de pranchas, a Swell Lines, do shaper Paulo Bala, seguido pela Radical de Ronaldo Barreto. Em 1987 o surfe se organizava pelo Brasil, com a criação da Abrasp (Associação Brasil de Surf Profissional) e Abrasa (Associação Brasileira de Surf Amador). No segundo semestre desse mesmo ano, Fábio Gouveia foi para a Custom, do shaper Rogério Bastos, ganhou o apoio da Mormaii, da Star Fin Surf Shop e da Occy Surfwear, do Rio.

Em 1988 foi o ano mágico. Fábio Gouveia conquistou o mundo pela primeira vez na história do surfe brasileiro. O título mundial amador, em Porto Rico, foi um grande marco para Fábio Gouveia e para a história do surfe nacional. O evento era considerado muito importante para os atletas que desejavam ingressar na ASP, hoje WSL.

Fábio Gouveia foi para esse evento com o objetivo de ganhar experiência e voltar ao Brasil como um surfista profissional, afinal o surfista conquistou o direito de disputar esse título máximo ao vencer o Campeonato Brasileiro Amador de 1987. Porém, ao contrário das suas expectativas, ele foi passando as baterias até a consagração da Grande Final, contra Daren Magee, Rodrigo Resende e Steve Pugh. O título fez nascer um mito.

A partir daí, muita gente apoiou a entrada dele para correr o Circuito Profissional. Surgiu o convite de Diniz Iozzi, o Pardhal, então técnico do Wagner Pupo, Renan Rocha e Zé Paulo, para comandar o novo campeão pelo mundo. Nessa época, Fábio já tinha o patrocínio da Mormaii e da Hang Loose e viajou pela Austrália e Indonésia para treinar e competir nas melhores ondas do planeta.

Em maio de 1988 ele embarcou para a Europa para disputar as etapas do WT e alcançou bons resultados. No final do ano Fabio voltou para a Austrália e conquistou vários eventos locais, campeonatos de triagem, vencendo competidores de alto nível como Tom Carroll, bicampeão mundial. Os australianos ficaram alarmados com a performance dos brasileiros Fábio Gouveia e Teco Padaratz, ambos patrocinados pela Hang Loose e Mormaii, e pelas marcas de pranchas Custom e Tropical Brasil Surfboards, respectivamente. Eles se tornaram inspiração para o título The boys from Brazil, repercutindo na Tracks Magazine, jornal australiano especializado em surfe.

Ao longo de sua carreira, Fábio venceu quatro etapas do Circuito Mundial de Surfe (WSL): o Hang Loose Pro Contest, no Guarujá (Brasil), em 1990; o Hard Rock Café, em Sunset (Hawaii), em 1991; a Arena Surf Masters, em Biarritz (França), em 1991, e o Marui Pro, em Hebara Beach (Japão), em 1992. Sua melhor temporada pelo Circuito foi a quinta colocação, em 1992.

Fábio foi ainda Bicampeão Brasileiro Profissional (1998 e 2005), Campeão Mundial WQS e Sul-americano, em 1998. Aos 42 anos, terminou em segundo lugar no Mundial Master, em 2011. Ele também conquistou o Bicampeonato Mundial em Piscinas de Ondas, sancionado pela WSL, na Ocean Dome, Japão (1993/1994), disputado contra os consagrados Kelly Slater, Sunny Garcia, entre outros.

Além da alta performance que acompanhou o atleta nas competições, Fábio tinha o hobby de filmar e documentar as baterias em sua própria câmera. O acervo pessoal é parte do conteúdo que transformou o surfista em protagonista do filme biográfico, Fábio Fabuloso. Os produtores Pedro Cezar, Ricardo Bocão e Antônio Ricardo uniram esforços com o proprietário da Hang Loose, Alfio Lagnado.

Em 2004, o filme ganhou as telas do cinema e o surfista saiu em turnê pelo Brasil, Europa e Estados Unidos, transformando-se num marco e abrindo as portas para outras produções do gênero. Pepê Cezar e Fábio Gouveia criaram, com isso, a identidade do surfista brasileiro.

Aposentado das competições pelas sucessivas lesões, Fábio conduziu o programa Rái Êite 100 Triplé, no canal de TV por assinatura, Woohoo. Atualmente, ele produz o Barca do Fia, pelo YouTube, com viagens pelos diversos paraísos do surfe.

Fábio foi pioneiro no mundo ao incluir a família nas viagens de competições. Para ele a presença familiar era um estímulo e uma forma de acompanhar o crescimento dos filhos e desfrutar da companhia da esposa Elka Roichman Gouveia. Além dos três filhos, Igor, Ian e Ilana Roichman Gouveia, frutos da relação de mais de três décadas, uma feliz coincidência une o casal: ambos nasceram no dia 26 de agosto de 1969. Portanto, uma dupla comemoração para o primeiro surfista brasileiro campeão do mundo.

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Coordenador de pesquisas históricas do surfe @diniziozzi – o Pardhal