A mãe, Maria, é mineira de Montes Claros e o pai, Carmelino Gonçalves de Lima, baiano de
Feira de Santana. Carmelino trabalhava na fazenda de Luciano Mendes Vieira, pai de Maria, em Montes Claros. O fazendeiro faleceu jovem, aos 32 anos, e a avó, Angélica Soares dos Reis, mãe de cinco filhos, vendo-se em apuros para sustentar as crianças, vendeu a fazenda para o irmão e mudou-se para Jacarezinho, onde Carmelino e o filho mais velho de Angélica receberam uma proposta para trabalhar na colheita de café, uma das mais importantes fontes de riqueza da região.
O pequeno município paranaense aproximou o casal Carmelino e Maria, filha de Angélica, uma jovem de apenas 14 anos. Os dois tiveram o apoio da família, casaram e foram morar no Guarujá, em 1958. No início de 1964, aos sete meses de gestação do terceiro filho, outra reviravolta.
Angélica adoeceu e os pais correram para Jacarezinho, mudando o curso de Carlos Gonçalves de Lima, o Tinguinha, nascido caipira de alma caiçara, em 9 de fevereiro de 1964.
Tinga, “espírito puro” em tupi-guarani, foi o apelido dado por Angélica, descendente indígena, ao genro Carmelino. Filho mais velho, Carlos acabou herdando o apelido ao andar ao lado do pai: “Lá vem o Tinga e o Tinguinha”, era o que diziam os amigos.
Vivendo no Guarujá, entre as praias das Astúrias e do Tombo, Tinguinha passou uma infância invejável no canto das Astúrias, local de pescadores e caiçaras. O menino mergulhava, pescava, coletava ostras e ajudava a desenroscar os anzóis dos turistas. Um desses turistas virou amigo de Tinguinha.
A família de Alfio Lagnado viajava muito ao Guarujá, onde passava as férias e os finais de semana. Anos depois, numa viagem para o Havaí, Alfio teve contato com a lendária tradição do Shaka Brah, famoso cumprimento havaiano, e assim, na criação de sua marca
própria no Brasil, surgiu a Hang Loose, em 1982. O amigo Tinguinha, revelado um dos maiores surfistas brasileiros, acabaria patrocinado pela Hang Loose de Alfio.
Seria no surfe a grande mudança na sua vida. Depois de passar a infância brincando na
pranchinha de isopor da Planonda, quando completou 11 anos, Tinguinha ganhou uma prancha de fibra de vidro do Zé Roberto, um grande amigo, um verdadeiro anjo que apareceu na sua vida.
Ele estranhou e demorou bastante para coordenar os movimentos à nova prancha, rápida e
manobrável. Zé Roberto acompanhou a evolução do persistente surfista e apostando na jovem promessa, inscreveu Tinguinha no Campeonato Paulista, pela disputa da categoria júnior.
Tinguinha terminou em quinto lugar, com sua prancha Robson, e no ano seguinte (1978) em nova disputa pelo Paulista, no Canto do Maluf, sagrou-se campeão com uma Joset Robert, frente aos surfistas Rosulo Mahe Lequinho Salazar e Daniel Alves. A primeira colocação lhe rendeu o prêmio de Cr$ 5000,00. Tinguinha chegou em casa com o cheque, mas apanhou do pai que achou tratar-se de um roubo, lhe obrigando a devolver o cheque ao dono.
O menino procurou Ruy Gonzalez, vereador à época, e organizador do campeonato para cumprir a ordem do pai. Ruy, entendendo a situação, colocou Tinguinha no carro e foram juntos até a casa dos Lima explicar ao “seo” Carmelino que o cheque era resultado de uma premiação e que o jovem surfista tinha futuro no esporte.
Os bons resultados viriam acompanhados do seu primeiro patrocínio. Tinguinha fechou um
patrocínio com a Costa Norte, de Ubatuba, por Cr$ 1000,00. Depois veio o patrocínio da OP
Surfwear, de Sidão Tenucci, pelo valor de Cr$ 10.000,00 mensais. Na época o salário do pai era de Cr$ 500,00.
A vida começava a mudar para o menino do Guarujá e sua relação genuína com o mar, passou a ser rentável para ele e toda a família Lima.
Campeão Paulista em 1978 e de contrato fechado com a OP Surfwear e a Costa Norte
Surfboards, a carreira de Tinguinha tinha dado uma guinada. Em 1979 foi vice-campeão no Rocky Point, com premiação de Cr$ 20 mil para o primeiro lugar e Cr$ 10 mil para o 2º, o que atraiu surfistas do Brasil inteiro. Tinguinha fez a final e perdeu para Paulo Rabello. O ano ainda seguiu com nova vitória pelo Paulista. Em 1980, Tinguinha foi vice no Campeonato Nacional na praia do Tombo, perdendo para o Paulo Tendas.
Tinguinha ganhava títulos e novos hábitos. O atleta tinha acabado de trocar uma prancha pela moto Garelli do amigo Ronaldo Serapião. Ele estava com a motocicleta parada nas Astúrias e resolveu dar uma volta no Sobre as Ondas, cruzou a contramão e pegou o ônibus de frente. Era a interrupção de um sonho. Entre março de julho de 1981 o atleta entrou em coma.
Tinguinha achou que tinha dormido de um dia para o outro quando despertou do sono profundo. Mas já tinham se passado três meses desde que bateu com sua moto no ônibus.
Sem entender o que estava acontecendo, soube do ocorrido pelos médicos, preocupados com o seu retorno à vida consciente. Ele tentou se levantar, as pernas bambas, o corpo não respondia. O desespero bateu. O tempo passou e um dos amigos foi contundente pelo agravo da situação: “Você nunca mais vai surfar do jeito que você surfava!”. Essa frase ficou gravada na sua cabeça e funcionou como um efeito reverso.
Foi o incentivo para ser o que ele jamais deixaria de ser. Um atleta determinado a
ganhar títulos, muitos títulos.
A retomada com muita fisioterapia e perseverança aconteceu em menos de um ano.
Determinado, a carreira explodiu em 1982. Tinguinha correu 24 campeonatos, alcançou 15
vitórias, quatro segundos lugares, dois terceiros, um quarto e quinto colocado. O surfista foi campeão brasileiro pela Associação de Surf de Ubatuba, feito que repetiria nos dois anos
seguintes, competindo no Campeonato Nacional, organizado pela Prefeitura de Ubatuba (1983) e no Festival Brasileiro Cidade de Ubatuba (1984).
Durante sua trajetória de sucesso Tinguinha se aproximou e fez grandes amigos, verdadeiros mentores de sua carreira, como Paulo Rabello e Cisco Araña. Os dois surfistas foram grandes mestres orientadores na carreira do atleta. Paulo e Cisco alertaram Tinguinha em relação a alguns vícios no mar, dicas para competições, como marcação em baterias, e os caminhos para alcançar melhores resultados.
Outro anjo na sua vida foi o Rafael da Costa Norte. Além de patrocinador, Rafael participava ativamente da preparação do atleta. Muitas vezes ele deixava seus afazeres profissionais e levava Tinguinha para surfar em Itamambuca. Entre 1978 e 85, Tinguinha morou em Ubatuba, reduto da Costa Norte. Ele alternava alguns dias para visitar a mãe no Guarujá e nas viagens para competir pelo Brasil, na Bahia, Saquarema, Santa Catarina, colecionando títulos e mais títulos.
Em 1985 Tinguinha fechou contrato com a Hang Loose e foi disputar o Match Bali, no Recife. No ano seguinte, viveu o inesquecível Hang Loose Pro Contest, na praia da Joaquina, com a presença de grandes campeões mundiais que vieram prestigiar o campeonato, a exemplo de Mark Richards, convidado da Hang Loose.
Tinguinha disputou uma bateria pau a pau com Robbie Page e impressionou Richards. O australiano ofereceu a Tinguinha patrocínio e treinamento para disputar o World Cup na Austrália. Apesar de tudo acertado entre Alfio da Hang Loose e Mark Richards, Tinguinha acabou declinando ao convite. A chance de disputar o Circuito Mundial só voltaria em 1989, já sob o patrocínio da Sundek.
Tinguinha é considerado um precursores do surfe moderno. O estilo arrojado acompanhou a trajetória do atleta durante sua carreira. Em 1990 ele voltaria a conquistar o título brasileiro, o Circuito Nacional pela Abrasp, feito que repetiria em 1993, quando se tornou o surfista mais velho a conquistar o título, aos 29 anos. No ano seguinte integrou a elite mundial do surfe, os Top 44 da ASP (Association of Surfing Professionals).
Aos 60 anos de idade, Tinguinha vive em Camburi com sua esposa Marcela, companheira há 29 anos. Os dois se conheceram no campeonato Reef Brasil, em 1996 e se casaram dois anos depois. Tinguinha e Marcela são proprietários das lojas Saíra, em Boiçucanga e Camburizinho.
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Coordenador de pesquisas históricas do surfe @diniziozzi – o Pardhal