Nada aconteceu na quinta-feira… Nada de competição, nada de ver, novamente, “A Onda” (Waimea) quebrar. Por onde andei, vi apenas algum treino em Haleiwa, onde me aventurei mais uma vez. Direitas longas lutavam contra um vento cruel… Às vezes dava certo, às vezes não… Sem contar com a maldita correnteza. Se já ouviram alguma coisa a respeito, saibam que ela, hoje, foi bem pior do que qualquer relato pregresso. Como podem ver, o Litoral Norte, por vezes, pode tornar-se, apenas, um acúmulo de histórias pessoais, com ondas questionáveis e nada capaz de alterar a ordem dos acontecimentos…
O único fato, com força para resistir ao vento, foi a queda dos irmãos Florence durante o período de On Hold. Por cerca de uma hora, os camaradas enfrentaram um mar que; embora estivesse muito mais alinhado do que aquele visto, por mim, às sete horas da manhã, não parecia nada amigável. A ondulação era irregular, predominantemente de norte, com um vento misturado, meio de lado, meio terral, meio onshore (maral)… Como isso era possível? Não sei, mas assim estava aquela maldita condição.
Cheguei no Ehukai Beach Park, às nove horas. Poucos veículos estavam estacionados e, até mesmo o famoso furgão de açaí não anunciava qualquer viva alma, seja para vender, seja para comprar. Ainda que tenha ficado animado com aquilo que acabara de ver em Sunset, isto é, um mar que parecia muitíssimo mais organizado do que aquele das primeiras horas da manhã, achei que o adiamento seria inevitável…
Quando piso na areia, uma surpresa. Cerca de trezentas pessoas encontravam-se sentadas ao redor do palanque. Olhavam atentas para o mar… Na arrebentação, duas cabeças. Logo pergunto para alguém que estava ao meu lado: quem eram aqueles? Disse-me o camarada: J.J. Pouco importava para ele ou qualquer um na praia, naquele momento, a identidade do comparsa… Florence estava na água, novamente, depois de arriscar uma queda em Waimea no meio da tarde de ontem…
A cena não fazia qualquer sentido, embora eu tenha criado uma narrativa pessoal e rocambolesca que ele estava, na verdade, a mando do comissário para atestar, com segurança, a qualidade das condições. Delírio, confesso… Entretanto, o meu delírio não parecia tão distante do delírio que envolvia aquela cena e os acontecimentos precedentes…
Vamos à sequência: 1) O líder do circuito surfa em casa e, segundo todos os comentaristas, ele sente-se pressionado porque o segundo colocado no ranking é Gabriel Medina; 2) O campeonato é adiado na terça-feira, mas todos, no Litoral Norte, dizem que Waimea vai quebrar no dia seguinte; 3) Waimea quebra e a ondulação ganha corpo e densidade com o decorrer do dia. Muitos “anônimos” no lineup; 4) O rapaz, então, não resiste às recomendações de todos ao seu redor, assim suponho, e vai curtir 20 pés havaianos na baía; 5) No dia seguinte, com condições bastante difíceis e ondas incapazes de decidir o que, de fato, desejam; Florence cai no mar e… destrói…
Considerações sobre o talento
Está bem… Eu vim para o Hawaii a fim de assistir a “vitória” de Gabriel Medina, quem, por inúmeros motivos, é o camarada que concentra toda a minha torcida e toda minha admiração. Para ele torci, para ele torço e, suspeito, continuarei a torcer. Entretanto, no meio do caminho havia uma pedra… e essa pedra não é pequena sequer insignificante… Confesso, que sempre gostei do J.J.. O talento dele é inquestionável. Entretanto, comovo-me, de fato, com o amor do primogênito da família Florence pelo surfe. Somente vi algo similar com Irons, Curren e Lopes.
Não há uma regra para definir como isso ocorre. Às vezes, é a linha harmônica na onda que nos oferece uma pista; em outras tantas, pode ser o deslumbramento frente à coragem de desafiar a natureza em condições extremas; ou, ainda, constatar que os camaradas são movidos por um desejo incontrolável de estar, sempre que possível, na água salgada…
Florence parece ser tudo isso junto. Um monstro. A despeito de quem ganhe a etapa e, consequentemente, o Circuito; eu sou-lhe muito grato por ter despertado em mim, nesses dias no Litoral Norte, aquele sentimento que, ainda adolescente, tantas vezes animou-me a entrar em qualquer condição – boa ou ruim – apenas para estar no mar… Isso porque, sejamos francos: se uma coisa vale nessa vida, é estar no mar à espera da próxima série… Menos do que isso é miséria; mais do que isso, ambição.
Quem sabe não foi exatamente esse sentimento que uniu aquelas pessoas na areia enquanto o camarada desafiava a buraqueira, meio sem sucesso. Independente do tamanho ou do grau de dificuldade, ele não tirava o bico… Algumas ondas malsucedidas ocorreram enquanto eu pensava, cá com meus botões: “com essa ondulação, somente Pipeline irá funcionar… Isso é ótimo para Gabriel.” Naquele momento, achava que poderia haver uma possibilidade de o campeonato acontecer… Julgamento equivocado somado ao desejo bruto resulta, inevitavelmente, em ilusão.
Nessa hora, olho para o mar… entra uma onda que, para qualquer um, seria mais uma esquerda contra o vento… Florence rema… O drop é limpo. Sem mais, ele aponta o bico em direção de Off The Wall… Uma placa cai inteiriça… Ele, então, atravessa o tubo e sai, com tranquilidade, para mais uma… A praia bate palma em uníssono. Eu olho para aquilo, estupefato, e tento entender como aconteceu… Backdoor? Jura? Naquelas condições?
Vinte minutos depois, Florence sai… Vou até ele e pergunto o que ele achou do mar…. “não está bom, mas eu me diverti”… Enquanto outras pessoas chegavam para tirar foto e receber alguns autógrafos, eu disse-lhe: “que bom que você se divertiu…” Ele sorriu e seguiu para casa… No meu caso, espero que Pipeline ainda seja capaz de estar em boa forma no restante dessa etapa… Há dúvidas, saibam… Afinal, nós temos quatro surfistas talentosos, independente das chances de cada um, na disputa. Eles merecem decidir o título em boas condições… e nós também merecemos isso… A minha torcida é toda para o Gabriel, mas, se o caneco não vier, o título de 2017 estará em boas mãos… Creiam-me… Ele estará em boas mãos…