A chegada de Hitler ao poder intensificou a perseguição aos judeus. O antissemitismo se tornou uma política de Estado. Aos poucos, os judeus começaram a sofrer restrições e perder prestígio.
Com a indústria cinematográfica não foi diferente. A partir de março de 1933, ocorreu a “nazificação” das atividades artísticas e culturais. O governo passou a interferir nas produções cinematográficas.
O judeu tchecoslovaco, Frederick Kohner, trabalhava como roteirista para o cinema alemão, quando decidiu que era hora de se mudar para a América. Em 1936, Kohner, sua esposa Fritzi e sua filha mais velha, Ruth, emigraram para os Estados Unidos e se estabeleceram em Hollywood.
Kathy Kohner, a filha mais nova do casal, cresceu em Brentwood, Los Angeles, mas passou grande parte da infância nas praias do rancho Malibu. Assim como outros adolescentes, gostava da praia e da moda que se espalhava e conquistava a costa californiana: o surfe.
Aos 15 anos, diferente das garotas da sua idade, Kathy não queria apenas olhar e ser vista pelos meninos que se exibiam com suas pranchas e manobras. Ela desejava participar da turma e do surfe. Kathy queria ser um deles. O esporte se tornou um desafio pessoal. Viver novas experiências e derrubar preconceitos e tabus fazia parte da sua personalidade e da sua geração.
A jovem surfista curtia a praia e se apaixonou pelo mar ao admirar as lendas do surfe Miki Dora, Tom Morey, Dewey Weber, Kemp Amberg e Mickey Munoz. Com eles, Kathy viveu a cultura do surfe.
A vida e o comportamento de Kathy e dos amigos encantaram seu pai. O roteirista Oscar Frederick Kohner resolveu escrever um romance com as peripécias e aventuras da filha. O livro “Gidget: A garotinha com grandes ideias”, escrito em apenas seis semanas, foi publicado em 1957.
O sucesso da publicação superou o clássico de Jack Kerouac, “On the Road”, lançado no mesmo ano. Kohner transformou Gidget em uma série de cinco romances e dois filmes.
O primeiro livro gerou o filme Gidget. A Columbia Pictures, onde Frederick trabalhava, adaptou o roteiro. No ano passado, a produção comemorou seu 60º aniversário. O filme icônico estrelou Sandra Dee como a protagonista Francine Lawrence, uma garota que ingressa em uma tribo de surfistas de Malibu. Seu pequeno tamanho inspirou o apelido de Gidget pelos garotos.
Ela se apaixona por um deles, Moondoggie (James Darren), que está decidido a se tornar um “homem do mar” em tempo integral, assim como o carismático líder da gangue, Kahuna (Cliff Robertson).
Na época, o New York Times chamou o filme de “brincadeira” e “uma forma ideal de inaugurar a temporada de praia”. A repercussão gerou uma onda de filmes de praia americanos ocupando o espaço deixado pelos filmes de delinquência juvenil, como “The Blackboard Jungle”. Gidget atraiu mais pessoas para o mar do que o assustador Jaws (Tubarão) afastaria na década seguinte.
Gidget é mais do que uma mera diversão de verão. O filme continua desempenhando sua função social. Em 2018, depois que o incêndio de Woolsey devastou o balneário, a Malibu Film Society ajudou no processo de recuperação.
Para levantar fundos da comunidade, a instituição partiu para o filme Gidget de 1959. Uma exibição especial lotou a casa. E no centro do evento estava Kathy Kohner – agora Kathy Zuckerman. O diretor executivo da sociedade cinematográfica, Scott Talall, observou: “Pela primeira vez desde o incêndio, finalmente parecia que estávamos começando a recuperar nossa comunidade”.
Gidget deu a volta ao mundo nas sequências “Gidget Goes Hawaiian” (1961), estrelado por Deborah Walley, e o sem praia “Gidget Goes to Rome” (1963), estrelado por Cindy Carol. Como estrela da série de TV “Gidget”, que estreou em 1965 e durou uma temporada, a atriz Sally Field se tornou a intérprete mais conhecida desde Sandra Dee.
Houve um filme feito para a TV, “Gidget Grows Up”, em 1969, e as sequências e transmissões continuaram durante os anos 1980, mas o filme original continua sendo o mais impactante, porque a base da história é verdadeira.
Kathy não marcou uma participação especial no filme, mas passou um tempo com Sandra Dee. Ela estava no que hoje é a Oregon State University quando Gidget foi lançado e lembra como foi surreal assistir ao filme baseado em sua vida no teatro do campus que estudava. Gidget era um estado de espírito para ela. A estudante andava pelo campus dizendo “aloha” para seus colegas.
Kathy é uma heroína para as mulheres encorajadas por ela a experimentar o esporte dominado pelos homens. A Surfer Magazine a classificou em sétimo lugar em sua lista das 25 pessoas mais influentes no surfe. Em 2011, ela foi introduzida na Caminhada da Fama do Surf em Huntington Beach.
O filme, que recebeu uma indicação ao prêmio, não só inspirou vários filmes de sequência, uma série de televisão e filmes para a televisão, mas também é considerado o início de todo o gênero “filme de praia”. Gidget é creditado por várias fontes ( Stoked! A History of Surf Culture de Drew Kampion; The Encyclopedia of Surfing de Matt Warshaw ; e Riding Giants, um documentário de Stacy Peralta – para citar apenas três) como o fator mais importante na disseminação da cultura do surfe nos Estados Unidos.
Quanto à vida real de Gidget, o sol continua brilhando sobre Kathy. Em entrevista recente ao Los Angeles Times, ela disse ao jornalista Donald Liebenson: “Sou saudável, posso ver as estrelas, estou a cerca de dois segundos da praia. Uma vez surfista, sempre surfista. Eu ainda estou aqui e sou Gidget”.
Fonte: Los Angeles Times