Todos nós guardamos nossos talentos. Algumas vezes, pessoas, lugares ou coisas os revelam. No caso dos irmãos gêmeos Eduardo e Carlos Argento, um filme marcou e mudou suas vidas para sempre.
O ano era 1964 e o Cine Brasília, conhecido cinema da avenida Pedro Lessa, próximo ao Canal 6, Santos (SP), exibia o filme Mar Raivoso (Ride the Wild Surf, em inglês). Ao contrário do que a tradução equivocada do título sugere, o filme conta a história de um grupo de jovens universitários americanos que passam as férias no Havaí, curtindo muito rock’n’roll, praias paradisíacas, ondas enormes e lindas garotas.
Os irmãos Argento e seus amigos sacaram logo a magia do mundo do surfe. A curtição da Praia do Itararé não ficaria mais no sonrisal (prancha de madeira em formato circular), frescobol ou nas quedas de jacaré. A partir daí, o surfe acompanharia a trajetória vitoriosa dos dois irmãos dentro e fora d’água. No mar “papavam” os campeonatos e nos negócios faturavam com as vendas de artigos de surfe.
As escolhas dos irmãos, contudo, já se desenhara muito tempo antes desse episódio. O avô de Eduardo e Carlos, o maestro Luiz Érico Argento, vivia em uma enorme casa em frente à Praia do Itararé. Pai de sete filhos, Luiz Érico viu na oferta de uma construtora a chance de manter a família unida. A troca da antiga casa se deu por dez apartamentos do novo prédio no mesmo local.
“Nossa infância passamos toda ali. Foi lindo, de frente pro mar, a família toda, um monte de primos… Foi uma loucura!”, conta, com nostalgia, Eduardo Argento.
Aos 13 anos, logo depois da memorável sessão de cinema, os irmãos realizaram sua primeira proeza: a construção de uma prancha, com o auxílio de uma famosa publicação da época, a revista Manchete. O desafio: construir uma prancha de madeirite com uma quilha.
“Não dava nem pra remar. Arremessávamos a prancha para pegar a onda”, conta Eduardo. A empolgação com o novo esporte os levou a novas investidas. “O primeiro cara que eu vi cortar onda foi o Cocó, filho do seu Geraldo. Quando eu vi ele passou de lado, cortando… ‘shhhhhh’. Eu estava voltando e pensei: ‘tenho que fazer isso também”.
Aliás, foi o seu Geraldo que ajudou os irmãos a aprimorar a fabricação das pranchas. “Aprendemos a fazer prancha de fibra de vidro com a revista Mecânica Popular e com a ajuda do seu Geraldo, pai do Cocó. Foi ótimo. O barato era que ela flutuava. Aí todo mundo começou a se interessar e encomendar. O nome da marca era Irmãos Argento”, relembra Eduardo. O que eles não desconfiavam é que essa primeira “remada” era o início da maior manobra de suas vidas.
Alguns pensadores e empreendedores sustentam que as grandes sacadas são concebidas intuitivamente. Com Eduardo funcionou assim. “Eu queria fazer 360º na onda e não conseguia. Aí, um pranchão meu quebrou. Me deu uma intuição. Sabe como é artista, né? Pensei: vou fazer duas metades de prancha. Ela ganhou vários apelidos: batprancha, prancha da bunda, porque a rabeta ficou com duas partes arredondadas, cada uma com uma quilha e o bico era bem pontudo”.
Nascia assim a prancha biquilha dos Irmãos Argento. No início dos anos 70, um shaper californiano lançou a revolucionária prancha biquilha (twin fin), já conhecida, todavia, na Praia do Itararé, desde 1967. Algum tempo depois, os irmãos se aventuraram noutro produto: camisetas. Eles compravam camisetas lisas da Hering no Rio de Janeiro e depois estampavam o logotipo da nova marca: Twin.
“Peguei um livro de letras, escolhi o tipo e fiz a logomarca”, lembra Eduardo. A escolha do nome não poderia ser diferente: Twin, na língua inglesa, gêmeos. A camiseta surgiu antes da ideia de montar uma loja. Vendíamos no apartamento”, conta Eduardo.
As estampas eram feitas na casa de uma holandesa, no bairro da Aparecida, onde funcionava uma estamparia. Ela não só estampou, como ensinou o ofício aos jovens empreendedores. Após um tempo viajando ao Rio, os irmãos conheceram uma senhora em São Paulo que fabricava camisetas. “Foi a melhor coisa que aconteceu. A mulher era gente fina, tinha dois filhos. Eles cresceram e um deles foi até gerente de nossa loja”.
O surgimento da primeira loja foi um processo natural. “Sentimos necessidade de ter um local. Nos fins de semana vinha o pessoal de veraneio que procurava artigos de surfe”. Aliás, a Twin foi a primeira surf shop do Brasil, ou seja, a primeira loja genuinamente voltada ao surfe.
“Abrimos como Twin Surf Shop”, atesta Eduardo. De certa forma, os irmãos Argento começaram antes mesmo dos fabricantes. “A cordinha fazíamos com extensor. Tirávamos o gancho e emendávamos o velcro”. Era o ano de 1971 e a primeira loja Twin foi aberta em uma casa em frente ao prédio onde a família morava. O apoio dos pais foi fundamental. Na época, com menos de 21 anos, os jovens foram emancipados. “Nossos pais sempre nos apoiaram”, confirma.
Para vencer as dificuldades da sazonalidade santista, os irmãos subiram a serra e em 1977 inauguraram uma filial em São Paulo. No ano de 1982, inauguraram a primeira loja em shopping, no Parque Balneário, em Santos. A propaganda sempre foi a equipe na água. Essa era a diferença da marca: a equipe entrava na água e ganhava os campeonatos. A Twin prosperou. A profissionalização do surfe e a internacionalização e multiplicação das marcas também. Em 1994, os Irmãos Argento encerraram suas atividades com lojas. A marca Twin ainda vive nas camisetas que fabricam. Aos mais saudosistas vestir a marca é um resgate dos bons tempos.
Além do surfe, Carlos e Eduardo têm outros amores: seus filhos. Carlos é pai de Gabriella, Carlos Argento Neto e Camila. Eduardo é pai de João Pedro e Edunes. O olhar e o carinho dos pais aos filhos é uma volta ao passado: dos irmãos criados na praia, livres e cheios de sonhos.
Os depoimentos acima foram concedidos por Eduardo Argento para o autor, em 2013. Infelizmente, pouco tempo depois de revelar toda essa história, Eduardo deixou esse plano, mas o seu legado continuará sempre vivo.
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