Seguimos o curso da pandemia, enquanto em alguns países a situação parece incontrolável, em outros está mais administrável. Aqui no Brasil, dado a inúmeros fatores regionais, há locais com saturação do sistema de saúde e outros onde o sistema tem dado conta; locais onde a disseminação apresenta números esperados, outros onde está acelerada.
Dezenas de pesquisas para o desejado tratamento estão em desenvolvimento, mas nenhuma é consenso; alguns testes de vacina parecem promissores, mas esta alternativa será a última a estar à disposição.
O poder público, em seus três níveis, divergindo sobre qual linha de pensamento seguir, ora alinhado com o pensamento mundial, ora na contramão, torna ainda mais difíceis as decisões pessoais.
Enquanto isso, o surfe se encontra em meio a um dilema entre ser um esporte de baixo risco à contaminação e a ser um fator importante de deslocamento e aglomeração de pessoas, fatos contrários às recomendações mais aceitas.
A despeito de alguns estudos tentando demonstrar que há risco por conta de fatores ambientais e outros que não confirmam isso, seguimos com restrições à prática. Esse fato se tornou a principal fonte de stress para atletas e praticantes, gerando ansiedade acima da vista em outros esportes, além de cenas que remetem há décadas passadas, onde o surfe era criminalizado, e o surfista um fora da lei.
Associações e patrocinadores adotaram postura punitiva em um primeiro momento, colaborando com decretos do poder público de não se frequentar a praia, decisão acertada para as primeiras semanas. Mas os mesmos tiveram que assumir o poder fiscalizatório, sem autoridade para tal, sobre surfistas não-associados, criando ainda mais celeuma sobre o esporte. Passadas as primeiras semanas estão revendo seus posicionamentos, exigindo perícia de seus dirigentes.
O localismo, adormecido até então e sem lugar neste tempo, ressurge com novo propósito, com os locais se esquecendo de que isso tudo vai passar e a recomposição de vários aspectos passará pela presença desses mesmos hostilizados.
Teremos que ter muita atenção com nossas atitudes nos próximos dias, o surfista está ficando doente, impedido de praticar seu esporte, isto é fato, mas corre o risco de ser marginalizado ou acusado de não colaborar, todos assustados com os primeiros casos, que existirão inevitavelmente, prontos para apontar culpados.
Como médico, continuo a afirmar que o surfe como esporte é de baixo risco, mas também continuo a afirmar que medidas de distanciamento social são necessárias por mais algumas semanas. Equação difícil.
Dr. Marcelo Baboghluian é diretor clínico do Instituto Marazul, especialista em medicina esportiva, diretor clínico do aplicativo Surf Injury Data e colaborador do Waves há muitos anos.