Nunca antes na história deste esporte, desde que eu acompanho os campeonatos de surfe, lembro de tamanha supremacia de uma nação como está sendo o ataque do esquadrão brasileiro na primeira divisão do surfe profissional da WSL.
Realizadas dez etapas, temos oito vitórias conquistadas por atletas brasileiros. São atuais 80% de aproveitamento. O maior vitorioso do ano é Ítalo Ferreira, que destruiu em Bells, Keramas e recentemente aniquilou a etapa de Portugal.
O atleta do Rio Grande do Norte comprovou este ano o que todos nós já sabíamos, mas faltavam as merecidas vitórias para confirmar: Ítalo Ferreira é um dos cinco melhores surfistas do mundo, sem dúvidas. Conquistou no surfe e atitude, zero favorecimento.
Em Bells surfou com maestria em todas as condições. Destruiu as ondas de 6 a 8 pés no último dia com um surfe limpo, forte, bem desenhado e de puro ataque nas massas de água naquela direita volumosa australiana. Fez a festa na principal arena australiana e na tão anunciada última participação do astro, três vezes campeão mundial, Mick Fanning.
Em Keramas ele trucidou as pistas com o ataque e repertório incansável e inalcançável de batidas, rasgadas, floaters e aéreos full rotation, levando 10 unânime na semifinal e traumatizando Jordy Smith. Na final acabou deixando o Michel Bourez completamente atordoado.
Agora, com essa vitória em Portugal, ele mostrou o verdadeiro monstro que se tornou. Não deu chances para ninguém e foi atropelando desde a primeira fase. Na estreia já derrubou duas pedreiras: o local português Frederico Morais e o brasileiro Wiggolly Dantas.
Na sequência, no round 3, ele venceu Jessé na única bateria em que foi ameaçado. Amassou Wilko e Zeke Lau no round 4. Nas quartas a vítima foi Michel Bourez, que teve agravamento no trauma psicológico sofrido na final em Keramas. Ítalo somou 16.10 contra 5.20 do taitiano, que deve ter saído direto do mar para o psiquiatra.
Na semi, a bateria entre as duas maiores estrelas do evento, o duelo entre Ítalo e Gabriel Medina foi de acordo com o roteiro combinado pelos dois: air show nas ondas de meio metrão, que mais pareciam um Maresias nos dias de valinha enroscando até a beira.
Duelo limpo, sem disputas de remada. As disputas ficaram nos ataques aos coopings das rampas, para ver quem voava mais alto e invertia mais a rotação lá em cima. Dessa vez Ítalo levou a melhor sobre Gabriel, que acabou ficando em terceiro lugar e deixou a disputa do título mundial para Pipeline.
Na final não teve aliviada para o francês Joan Duru. Seu surfe limpo e encolhido não teve condições de fazer frente ao frenesi estratosférico de Ítalo Ferreira, que avisou que queria vencer a etapa. Desde a final em 2015 com Filipe Toledo que ele queria vencer a etapa portuguesa, foi lá onde mostrou pela primeira vez a que veio ao mundo.
Nesse ano de 2018 Ítalo teve a sua primeira vitória na elite e é o atleta que mais venceu na temporada. Apesar de não ter chances matemáticas para disputar o título, pode aprontar no Havaí e fazer um belo estrago na Tríplice Coroa.
Filipe Toledo não conseguiu passar pelo campeão da etapa, o francês Joan Duru, numa bateria apertada no terceiro round e acabou saindo da perna europeia psicologicamente abalado com a derrota e viu suas chances de voltar a vestir a camiseta amarela evaporarem.
Filipe aparece empatado no ranking com Julian Wilson e os dois estão à 4.740 pontos do líder, Gabriel Medina.
Filipe teve um ano sólido, consolidou sua expertise nos tubos para a direita na Barrinha em Saquarema, onde deu show nas finais e venceu o evento com uma energia muito forte no surfe e na atitude.
Em Jeffrey’s Bay, mostrou que independente da condição é atualmente o melhor regular footer naquela máquina de direitas espetaculares. Numa condição longe da ideal para J-Bay, Filipe cravou mais uma vitória sólida para seu currículo, sua segunda esse ano e a 7ª na primeira divisão.
Agora vamos falar do queridinho australiano, o aparentemente “good boy” Julian Wilson, que está empatado com Filipe na segunda colocação.
Venceu o evento de estreia na Gold Coast e veio trazendo resultados bons e regulares em sua jornada. Ele foi favorecido na sua bateria contra February no round 3 em Snapper, o sul africano surfou a onda mais longa e com mais manobras, mas o juizes deram 3,0 pontos por uma onda nos 20 segundos finais com quatro manobras bem executadas. Não sei de onde conseguiram 0,20 pontos a mais para Julian. Nos descartes se livra de uma derrota no round 2 no Taiti. A impressão que seus resultados apertados passam é a de um certo favorecimento às notas ofertadas ao australiano. Em caso de dúvidas, ele avançou. Na bateria contra February não existe dúvidas, ele perdeu no surfe, mas ganhou nas notas.
A vitória na França trouxe Julian de volta à briga pelo título, que estava fria pra ele depois da sequência de resultados. Desastre com o 25º.lugar no Taiti e a amarelada do 5o. lugar nas finais da piscina. Mesmo assim ele teve uma onda excelente na sua primeira bateria na França, onde ele pegou um tubo longo, mandou um aley oop e atacou a junção. Eu daria um 9,0 fácil. Ele tem o repertório de voadoras bem interessantes e sabe entubar bem, mas jamais pode ser igualado ao Gabriel Medina, Filipe, Ítalo ou John John. Reafirmo… Não vejo nada de mais no surfe de Julian. Nem nos ataques e nem nos desenhos dele nas paredes das ondas. Julian Wilson, pra mim, é um burocrata que voa.
No meio de toda a batalha entre Ítalo, Julian, Filipe e Gabriel aparece um personagem que deve ser lembrado pelo seu feito nesse ano de estreia no tour. Willian Cardoso venceu e convenceu na etapa de Margaret/Uluwatu. Graças à sua vitória naquela final, o Julian somou 8.000 e não 10.000 pontos, o que teria deixado a disputa pelo título mais apertada para Gabriel, e atrasaria bem o lado do o Filipe nas chances matemáticas do lutar pelo título.
Chegou a hora de falarmos sobre uma das maiores estrelas que o surfe mundial já produziu. Gabriel Medina é sem dúvida o verdadeiro ciborgue de Maresias. Programado para não se abalar quando está sob pressão intensa, ele se alimenta da energia desafiadora dos seus oponentes.
Quanto mais tentam apertar Gabriel mais forte ele reage. Essa característica na sua inteligência emocional é arma fundamental na grande chance de conquistar o título mundial de 2018 em Pipeline.
A vitória em um evento complicadíssimo na piscina, com dinâmica única, foco e repertório poderoso não deixou dúvidas já nas suas primeiras apresentações, nas eliminatórias e nem nas finais. Venceu e convenceu, fazendo o melhor somatório nas eliminatórias e na final.
Falar o que do kerrupt voltando no flat da onda. Os tubos profundos de backside naquele funil traiçoeiro, as patadas de ataque acima do lip de front e backside, os board slides estendendo suas batidas… Gabriel deu um verdadeiro show na piscina.
O evento no Taiti teve limite no tamanho das ondas, mas não teve limite nas disputas e na emoção. Em uma final Gabriel conseguiu mais uma vez mostrar o talento e a frieza para uma virada histórica nos minutos finais em cima de Owen Wright.
Sim, Gabriel é o favorito para vencer o título em Pipeline. O retrospecto de finais, a conquista da Triple Crown, o declarado e visível conforto dele nos largos tubos para a esquerda de Pipe e nos longos e desafiadores canudos de Backdoor, o credenciam para para o topo do pódio na etapa final do Championship Tour.
Torcida máxima para os brasileiros, principalmente para os que estão em situação delicada. Espero que eles possam se recuperar, pois a nossa renovação este ano é provável com Peterson Crisanto e Deivid Silva. Eles aparecem com reais chances de estrearem no Tour em 2019 e podem ser acompanhados de Jadson André e Alejo Muniz. A briga também está boa no top-10 do QS.
Boa sorte ao Filipe Toledo e ao Gabriel Medina. E pelo amor de Deus, não deixem Julian respirar. Sabemos que se o mar estiver daquele jeito em Pipeline, o show é garantido e Gabriel é o favorito. Vai Brasil, vai Medina, vai Filipe!
Flávio Carvalho Oliveira, o Boca, é surfista, publicitário, radialista e comentarista.