Sou fã das competições na máquina de expressos longos e poderosos no lago do tio Kelly. Curti os vídeos do teste que foi show de surfe com a vitória de Gabriel Medina e o vice-campeonato de Filipe Toledo.
Torci muito pela equipe brasileira na Founders Cup, que apesar de não ter valorizado os melhores somatórios de cada atleta no critério da final, foi uma disputa intensa e adrenal por equipes.
Os relatos de quem surfou a onda são sempre empolgantes. Depoimentos unânimes de que é rápida, forte e desafiadora, independente da habilidade do surfista.
Uma das coisas que estavam me incomodando desde que anunciaram o formato dessa etapa válida para o ranking de 2018, era não ter informação de como seria o critério das colocações para efeito de ranking. Esse mistério acabou de ser desvendado oficialmente pela WSL na última terça-feira (4).
Porém, o mais importante para mim é a grande oportunidade para estabelecimento de um novo critério de pontuação, que na minha visão deveria ser mais próximo dos critérios da ginástica olímpica, skate e snowboard. Seria um critério mais adaptado para a versão olímpica e capaz de minimizar a subjetividade de julgamento do Esporte dos Reis.
O valor da onda poderia partir de 10 e de acordo com a rotina apresentada pelo atleta, os juízes vão procurando “pelo em ovo” e tirando nota, como acontece na ginástica de solo, por exemplo. Vamos considerar a avaliação da onda que rolava para a direita nas competições já realizadas nessa locação.
Parece que tem novidades e mudanças na onda, mas vamos analisar o que temos visto no modo de onda mais divulgado, que é uma direita de 1 metro sólido e voraz.
A onda começa com uma primeira seção que possibilita de três a quatro manobras, seção longa de tubo, depois mais espaço para umas três ou quatro manobras, finalmente uma seção de tubo onde os mais ousados usam a rampa da turbina para voar e aquele bônus com a onda amansando para uma manobra de finalização.
Existe um padrão na quantidade de execuções possíveis no percurso da onda, o que permite um primeiro critério: o aproveitamento da pista.
Considerando essa média no número de manobras possíveis, aí que vem o desafio para o segundo critério que vai elevar o patamar do jogo. Quem fica mais profundo no tubo, quem realiza diferentes manobras com nítida variação e na parte mais crítica, deve definir esse segundo critério: variação e radicalidade.
E já que se trata de uma onda que em teoria se repete e o atleta terá apenas três apresentações para a direita e três para a esquerda na classificação e depois três para cada lado na final, vem o grande desafio e aumento na adrenalina.
Sabendo que você tem um número limitado de ondas, a pressão para completar a onda inteira é enorme, pois não existe aquela remada de volta pra pegar a prioridade e escolher a próxima boa dentro de determinado tempo. Aí que pra mim vem um critério que deve transcender os outros dois anteriores para compor uma nota 10: risco.
Sim, eu sei que a radicalidade envolve risco, mas se você radicalizar numa batida no pocket seguida de um layback, qual será o risco de um top 10 cair, perder a onda e se lesionar? Agora, se essa batida no pocket vier seguida de uma manobra aérea e depois um layback colocando o surfista no ponto certo da rampa pra pegar o tubo, você já tem variação, radicalidade e um enorme aumento no risco do atleta cair, perder a onda e se lesionar.
Se você entubar ficando com o bico da prancha para trás do lip que bate na base da onda, isso é alto risco, pois a chance do foam ball te pegar é enorme e poucos conseguem ficar bastante tempo lá no fundo e saírem ilesos.
Vários surfistas ficam com o bico na frente do lip na maior parte do percurso, o que gera zero risco de ser sugado para dentro da turbina e cair. Lembrando que, além de perder a onda, o atleta pode bater no fundo ou na prancha.
Então acredito que sim, os juízes deveriam dividir a onda em trechos para avaliar e poder comparar as notas de uma forma mais justa. Tem surfista que precisa dar umas duas passadas pra mandar um aéreo, já outros são base lip o tempo todo independente do repertório que usarem e isso conta muito nesse estado de suprema excelência em que se encontra o surfe da elite.
A onda estará lá esperando a execução das “rotinas”. Quem realizar o maior número de manobras, as mais variadas, radicais e com o maior fator de risco deve ter a maior nota.
Na teoria o julgamento no circuito já é assim, mas agora chegou a hora de ver isso na prática, comparando mínimos detalhes em ondas praticamente idênticas. Jogo em reais condições de igualdade para todos se apresentarem
Acredito que essa etapa será incrível. Não teremos as disputas de prioridade, nem as surpresas do oceano como foi na final do Taiti, quando as boas eram as primeiras da série e o campeão Gabriel Medina foi presenteado com uma mágica segunda da série.
Porém, teremos a oportunidade de presenciar uma disputa totalmente focada na qualidade do surfe apresentado pelos atletas. Será o primeiro campeonato do circuito mundial onde a avaliação será 100% em cima da performance com a prancha nos pés, sem fatores extra surfe e com chances iguais para todos mostrarem serviço.
Lembrando que existem alterações possíveis na velocidade de deslocamento do trem que empurra o foil e parece que ele tem possibilidade de variação nas suas angulações. Se colocarem à disposição essa variação, o fator “monotonia” pode ser quebrado.
Como os atletas vão surfar três direitas e três esquerdas em cada fase, é possível disponibilizar um modelo de onda para cada apresentação. Na primeira um modelo de direita e esquerda para todos os atletas, na segunda apresentação outro modelo e na terceira outro. Não sei se farão isso, mas existem modelos de onda diferentes.
A proposta de formato sem baterias homem a homem e sem aquela pirâmide de chaveamento pode tirar a emoção da disputa como estamos acostumados, mas na hora que cada atleta tiver duas ondas no somatório é que vai começar a adrenalina pra sabermos quem vai ficar entre os maiores somatórios e avançar à final.
Depois, meus camaradas, a final será um novo campeonato. Uma batalha de nervos entre o talento e aqueles que conseguirem lidar melhor com a expectativa, tensão e adrenalina de uma forma diferente das outras etapas, o que torna o circuito ainda mais difícil e variado.
Sangue frio, repertório, radicalidade e risco farão dessa etapa mais um show de surfe a ser proporcionado pelos melhores do mundo.
A competição do Surf Ranch, na minha opinião, servirá como o novo gabarito para o surfe moderno. Estou otimista. Não vejo a hora de ver o trem acelerando e mais uma apresentação histórica dos brasileiros nessa temporada de 2018.
Flávio Carvalho Oliveira, o Boca, é surfista, publicitário, radialista e comentarista.