Surf & Aventura

O futuro do rancho

Colunista Alex Gutenberg fala sobre o campeonato no Surf Ranch e defende a utilização das piscinas de ondas no futuro.

John John Florence fez cara feia, mas a Founder’s Cup é apenas o começo.

Muito bem, o surfe andou nas páginas dos jornais mundiais. E a CBS, uma das três maiores empresas de televisão do mundo, transmitiu o surfe ao vivo nos EUA pela primeira vez na história. O esporte está crescendo. Isso é bom?

A piscina de ondas veio para ficar. Isso é bom ou é ruim? Muita gente vai ganhar muito dinheiro com o surfe, isso é bom? O Brasil, apesar do segundo lugar no Rancho do Kelly, é o país a ser batido, pois o World Team é uma mistura de atletas de vários países, isso é bom? O surfe raiz vai perder espaço para o surfe Nutella das piscinas? O campeonato no Rancho de Kelly foi bom mesmo?

A piscina de Kelly Slater é o futuro e o mundo do surfe deu um pulo para lá. Lembre-se ninguém é obrigado a surfar em piscinas, mas a opção existe e é bem-vinda. O surfe e os surfistas jamais vão abandonar o mar. Mas coloque da seguinte maneira. Uns preferem futebol de campo e outros futebol de salão. Cada um na sua (aliás, o futebol de salão ou futsal é o esporte mais praticado no Brasil, diga-se de passagem).

Vamos lá, por partes…

O surfe na piscina do Kelly. Algumas pessoas gostaram, outras odiaram ou ainda não formaram opinião, querem ver mais (ou surfar nela, se possível, por enquanto os preços são criminosos, 10 mil dólares por um dia de treino). Eu andei lendo jornais e revistas de surfe do mundo inteiro.

O público gostou do que viu durante o final de semana no Ranch.

O jornalista da Surfer ficou em cima do muro. Acho que ele não gostou, disse que queria ter surfado lá. Colocou alguns defeitos, foi desmentido pelos torcedores presentes, e só não fez críticas mais fortes porque estava lá como convidado e não quis se queimar com Kelly Slater.

Eu acho que o povo se divertiu muito. Passar um fim de semana na piscina gigantesca de quase 700 metros, com churrasco entre amigos é uma ótima opção de lazer.

Nos comentários dos surfistas, fóruns em geral, o povo está dividido. Muitos odeiam fortemente. Muitos gostam e muitos não estão nem aí, acham tedioso, chato, tudo igual. Não foi o que se viu no final de semana passado. O campeonato foi bem animado e as ondas não são tão iguais assim e, além disso, obrigam os surfistas a se arriscarem.

Veja o que aconteceu com Matt Wilkinson, por exemplo. O JJ Florence nascido e criado no mar do North Shore, odiou com todas as forças. O povo do World Team se divertiu a beça. Michel Bourez, criado em ilhas também como JJ, divertiu-se muito. Curtiu. Os brasileiros deitaram e rolaram. Filipinho, Mineirinho e Medina, mais a Silvana, mostraram que formam o time mais forte do mundo (World Team vencedor é formado por gente de vários lugares, repito, que fique claro) e o segundo lugar foi honroso, considerando-se que tínhamos uma menina de apenas 14 anos no elenco.

Equipe brasileira fez bonito e é favorita para Tóquio.

Quando a Tatiana Weston-Webb entrar, a equipe será muito sólida. Nas Olimpíadas de Tóquio, se for em piscina (duvido muito porque o orçamento por lá estourou) ou se for no mar, com ondas pequenas, o Brasil será imbatível.

As ondas, embora iguais, permitem tubos diferentes, approaches diferentes, e mesmo aéreos bem diferentes, tanto que as notas variaram muito. Filipinho foi ousado, mostrou o que se pode fazer e acabar com os outros. Medina também destruiu as ondas e arriscou muito. Surfe de competição não é isso, arriscar? Isso é só o começo, uma grande mudança, como foi das pranchas de madeira para as de espuma nos anos 50.

A verdade é a seguinte. O software e a engenharia da piscina do Kelly vão mudar, vão se aprimorar e conseguir em breve, muito breve que as ondas sejam diferentes, com variáveis, maiores, com outside e inside mais definidos, com backwashes erráticos.

A anfitrião Kelly investiu dez anos de sua vida no Ranch.

A evolução tecnológica é inevitável. Em 10 anos todo mundo vai rir dessa piscina do Kelly de hoje, porque haverá piscinas muito, mas muito diferentes, com os surfistas podendo apertar botões e escolher que tipo de onda eles vão querer: modelo Sunset, Pipeline, Tahiti, J-Bay, e assim por diante. Viva e verás.

Em segundo lugar, quem odeia piscina de ondas, deve ficar tranquilo. Quanto mais delas aparecerem, mais surfistas deixarão o mar para se especializarem em piscinas. E o crowd tende a diminuir. Muitos pais vão enfatizar seus filhos pequenos a surfarem em piscinas, por questões de segurança (tubarões, corais, mares perigosos) e isso é uma tendência mundial. Logo, o surfista soul – o que ama o mar, não deve se incomodar e nem odiar a piscina de ondas. Cada um na sua.

Claro que vai ter muita gente talentosa que vai passar dias treinando na piscina para depois ir ao mar no final de semana e arrebentar. Faz parte. O esporte vai crescer e há espaço para gente nas piscinas. O que não estava acontecendo no mar – crowds e crowds no mundo inteiro.

Acredito que as piscinas vão dar um alívio para os oceanos de surfistas amontoados e brigando por ondas. Eu como amo o mar (mergulho, velejo, nado, surfo, corro na areia) não quero muito saber de piscina, mas aprovo a ideia com todas as minhas forças. E torço para que todo mundo frequente piscinas de ondas e se tornem os surfistas Nutellas do futuro.

E muita gente vai ganhar dinheiro com isso. Kelly cobrou uma fortuna pelos ingressos e o direito de surfar na piscina dele. Mas é assim mesmo. Ele investiu dez anos de sua vida e um caminhão de dinheiro para construir o rancho. Merece vender para Michelob, Quiksilver, Banco Wells Fargo. E as imagens para a poderosa CBS Television. Deixa o cara. Tudo no surfe é dinheiro – campeonatos, WSL, premiação, viagens, patrocínios, salários, etc. Faz parte, meu amigo surfista.

Em 10 anos todo mundo vai rir dessa piscina, pois haverá modelos muito, mas muito diferentes, com os surfistas podendo apertar botões e escolher que tipo de onda eles vão querer: Sunset, Pipeline, Tahiti, J-Bay, e assim por diante.

Cada um na sua, sem se preocupar com a vida dos outros. Mind your own business, surf and forget everything else. Os veteranos, experientes, como Fred Hemmings, Mark Richards, Tom Curren, Shaun Tomson acharam sensacional a piscina de Kelly.

Notas

O mundo inteiro, imprensa e surfistas estão tirando uma onda dos brasileiros por causa do cancelamento de Margaret River. Ora, foi o Italo e o Medina que lideraram esse movimento de acabar com o campeonato por causa dos tubarões. A revista Surfer declara que sempre haverá tubarões no oceano e que os brasileiros foram sissies, ou seja, viadinhos. Bem, quando é a vida dos outros, é fácil criticar. Quero ver se o campeonato continuasse, alguém morresse, o que eles falariam.

É complicado mesmo. Os defensores da continuação de Margaret River alegam que o surfe é um esporte perigoso, que existe ondas violentas, recifes de corais bem rasos, tudo isso é tão complicado e difícil quanto os tubarões. Não é verdade. Isso é mentira. Surfistas profissionais, bem treinados, bem preparados sabem evitar corais, sabem surfar em qualquer fundo e qualquer mar. Agora não existe treinamento eficiente para evitar ser comido por tubarão. Ponto final.

Saquarema vem aí. Esperamos boas ondas. Boto fé no Medina nessa etapa.

Vai Brasil!

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