Surf & Aventura

Salve-se quem puder

Alex Gutenberg fala sobre as exageradas tentativas de aéreo nos minutos finais de bateria.

0
Jordy Smith é um dos surfistas que vem apostando nos aéreos salvadores do último minuto.

Bem, estamos em época de Copa do Mundo e vou desenhar uma ilustração. Existe uma jogada no futebol que é muito peculiar. Acontece de vez em quando. Na verdade, não é uma jogada propriamente dita, é uma apelação, é o desespero, é o que os americanos chamam de “Hail Mary” (uma espécie de “Nossa Senhora, me ajude”). No Brasil poderíamos chamar de “seja o que Deus quiser”. Raramente funciona, mas é uma última tentativa, se o jogador não fizer, ele sabe que vai ser derrotado. O goleiro Neuer, da Alemanha, tentou a jogada contra a Coréia do Sul. E se ferrou. Explico.

Imagine uma partida assim. Mata-mata. Um time precisando de empate, para passar a outra fase, mas está perdendo por 1 a 0. Final do segundo tempo, coisa de 45 minutos passados. Escanteio para o time desesperado. Aí é que acontece o nosso Hail Mary – o goleiro, por ser mais alto que todo mundo, vai para área a fim de cabecear e fazer o gol de empate. Já vi isso acontecer muitas vezes na vida. É até normal em várias lugares do mundo. Mas muito raramente o goleiro marca o gol.

Conto isso por causa dos aéreos no surfe. Antes de mais nada, eu sou a favor deles. São muito bonitos, é necessário uma técnica e domínio da manobra para tudo dar certo, o surfista precisa estar bem preparado fisicamente para impor velocidade na linha, enfim, os aéreos vieram para ficar e são muito bem-vindos. Mas veja só, andei assistindo baterias desde o começo da temporada e algumas vezes eles funcionam para tirar o surfista do fundo e virar a bateria. E os surfistas tentam várias vezes os aéreos para se livrar de uma situação “combination” ou para passar o oponente no último minuto. Tem alguma coisa errada aí. Explico novamente.

Alguns surfistas estão fazendo disso, desse “seja o que Deus quiser” um padrão em seu repertório. Muitos até ficam boiando até faltar 10 ou 15 minutos para o término da bateria e já começam a tentar aéreos a torto e a direito. Não está certo isso. Até porque os surfistas do circuito mundial “séries A e B” possuem um excelente repertório de manobras e deveriam investir nelas, ou seja, batidas, cutbacks, tubos, floaters, tudo usado, na parte mais crítica da onda, arriscando (é a exigência dos juízes, para esse ano eles avisaram que não querem surfe conservador e seguro) mesmo, enfim, é preferível esse trabalho na água do que esperar pela “boa” e depois partir para aéreo de qualquer maneira.

Etapa de Jeffrey’s Bay promete ser a mais disputada do ano.© WSL / Cestari
Etapa de Jeffrey’s Bay promete ser a mais disputada do ano.

Não funciona. Bem, de vez em quando, claro que funciona. O Jordy Smith já deu uma dessas este ano. O Julian Wilson também. Mas me preocupo mais com surfistas brasileiros que partem para o aéreo logo de cara, no desespero e esquecem de surfar o clássico tradicional. É como se o goleiro do time que está perdendo começasse a ir para área adversária toda vez que acontecesse um escanteio já logo aos 20 minutos do segundo tempo. Negativo.

Vou repetir várias vezes. Não sou contra o aéreo, não sou contra o surfista tentar o aéreo no desespero nos minutos finais das baterias. Sou contra usar isso como padrão. Os bons surfistas utilizam o aéreo como uma arma em diversas situações. Até porque, quando ele está bem na bateria, está seguro, o competidor fica mais tranquilo para tentar a manobra. Sim, eu sei que o pessoal vai citar exemplos de aéreos, do Medina no Havaí, de fulano aqui e ali. Funcionou, beleza. Mas tentar seis ou sete aéreos, todos perdidos, na mesma bateria é loucura e burrice. Está faltando técnico com mais pulso e melhor orientação.

Outro dia fui em um campeonato de garotos aqui perto de casa. Poxa, a molecada, apitou a corneta do começo da bateria, eles já estão dando aéreos, um atrás do outro, sem parar. Que Mané batida, bottom, cutback, floater – “cai fora coroa, aqui é só aéreo mesmo”. Se continuarem assim, em breve, não teremos mais campeonato de surfe e sim campeonatos de aéreos.

Para o próprio bem do competidor, seus técnicos deveriam tirar da cabeça dos atletas essa história, na emergência vai dando aéreos até dar certo. Olha, vai dar certo em, no máximo, 20% das tentativas. Garanto que uma onda mais bem trabalhada, mesmo pequena, ele terá muito mais chances. Goleiro indo para cabecear no escanteio no começo do segundo tempo é uma aberração. Surfista competidor que começa a tentar aéreos desesperados, com o mar não oferecendo condições para isso, depois de 15 minutos de bateria, também estão apelando. Mais devagar.

Apesar do litoral pequeno, Israel tem uma cena do surfe forte.Alex Gutenberg
Apesar do litoral pequeno, Israel tem uma cena do surfe forte.

Notas

– Estive recentemente em Israel. Não era uma temporada de ondas. Onda lá é em dezembro e janeiro, no inverno, claro. O Mar Mediterrâneo é maravilhoso e o pessoal me recebeu muito bem. Brinquei de SUP, e dei uma caidinha de long, mas pelas fotos, dá para ver que as merrecas não tinham condição alguma.

Pelo menos me diverti muito e percebi que existem várias escolinhas de surfe, muitos meninos levando o esporte a sério, conheci um shaper muito bom e um israelense que mora em Olga Beach que passou um tempo em Saquarema aprimorando o surfe.

Não tem crowd, todo mundo é educado, nada de rabear ondas. As lojas de surfe e aluguel de pranchas ficam na praia mesmo – uma em Tel Aviv, numa praia em frente o Hilton Hotel – fácil de achar. Ali você pode alugar qualquer tipo de prancha. Os preços são os mesmo do Brasil. Coisa de 30 a 50 reais pelo dia inteiro com a prancha.

Onda em hebraico, idioma local, é galin. A loja se chama galin. Não isso não é propaganda barata para eles. Até porque eu paguei pelo aluguel do SUP. Apenas estou dando a dica se um dia alguém resolver ir ao Oriente Médio. Não tem bombas, não tem terrorismo (só na faixa de Gaza) Israel é muito bonito, aliás um país maravilhoso, todo mundo educado, honesto e gentil. Os brasileiros são bem tratados por lá.

Água quente e ondas receptivas do Mar Mediterrâneo.Alex Gutenberg
Água quente e ondas receptivas do Mar Mediterrâneo.

O litoral é pequeno, mas as praias são belíssimas. A água é quente, tranquila, como no Nordeste. E embora não tivesse ondas quando eu fui, no inverno já é bem legal. Estive em Israel por três meses. Fui fazer a famosa Israel National Trail, que é a trilha de mil quilômetros de Israel – sim, andei de norte, na divisa com o Líbano e a Síria, até o Sul do país, bem no Mar Vermelho, passando por montanhas, florestas maravilhosas, o litoral sensacional e o deserto que é mais espetacular ainda. Não foi fácil, mas consegui fazer em 63 dias, passando por cidades históricas – Nazaré onde Jesus Cristo cresceu e viveu, Jerusalém, Belém, Mar Morto, Mar Vermelho, Monte Sinai (já no Egito).

Israel foi onde tudo começou – o inicio da sociedade, da economia, da organização das cidades, das leis, das principais religiões do mundo. Aprende-se muito visitando o país, os museus, os sítios históricos e arqueológicos.

– Acredito que a etapa de Jeffrey’s Bay vai ser a mais disputada do ano. Como se diz em inglês, será um ‘blood battle’. Primeiro porque entre os cinco primeiros surfistas temos quatro brasileiros, todos querendo ser campões. Segundo porque o Julian Wilson é a última e única esperança dos gringos para o titulo não cair nas mãos dos brazucas novamente. Julian vai com tudo e ele surfa bem nas direitas africanas. Terceiro porque os outros surfistas gringos não querem deixar os brasileiros com todos os lugares no inicio do ranking.

Jordy Smith, que vem surfando bem o ano inteiro, certamente não está contente com a posição dele. Quarto porque os novatos querem mostrar que merecem estar no WSL, série A. E por último Jeffrey’s é sempre o sonho dos goofys vencerem por lá. Desde Mark Occhillupo nenhum goffy ganhou alguma coisa. E o Gabriel Medina vai com a faca nos dentes para tentar a vitória. Italo Ferreira não se conforma com o mau resultado e a perda da camiseta amarela em Uluwatu.

Jeffrey’s Bay vai ser um sucesso.

“Respeitamos a liberdade editorial de todos os nossos colunistas. As ideias expressadas no texto acima nem sempre refletem a opinião do site Waves”.