Surf & Aventura

Sobre Bali, juízes e backsides

Alex Gutenberg reflete sobre as vitórias brasileiras durante a passagem do Championship Tour por Bali.

Italo mostrou um surfe absolutamente agressivo, bonito e seguro para vencer em Keramas.

Agora que a Brazilian Storm começou, segura que eu quero ver. Antes era só um sinal, as primeiras brisas de uma tempestade. Cinco etapas finalizadas do Championship Tour em 2018 e quatro vitórias brasileiras. Duas de Italo Ferreira, uma de Willian “Panda” Cardoso e outra de Filipe Toledo.

E vem mais por aí – Gabriel Medina não passa o ano em branco, alguém apenas jogou algum feitiço nele para ir mal em começo de campeonatos. Depois ele deslancha. Mineirinho sempre deixa sua marca. E os outros precisam aprender a fazer o que os juízes querem. Ou tentar adivinhar o que os juízes querem. Vamos falar disso? Sim, vamos, mas primeiro, Gabriel Medina.

Essa etapa nas direitas de Keramas foi excelente para explicar o meu ponto de vista da coluna passada. Se Gabriel Medina quiser ser um surfista bom pra caramba, e é o que eu quero, torço por ele em cada etapa, enfim, Medina que é respeitado por todos os surfistas do primeiro time, se quiser ser excepcional, em termos de competições, chegar ao nível de Mick Fanning, por exemplo, tricampeão mundial, ele precisa e deve melhorar o seu backside. Volto a afirmar. Muita gente reclamou, disse que ele precisa do carve, que o backside dele é o melhor do circuito, etc. Não é. Explico.

Claro que asssiti a bateria contra Michael February. Mas era um heat sossegado, passou com tranquilidade, sem pressão. Contra os grandes, a coisa fica mais difícil. Veja bem – na bateria que ele foi eliminado em Keramas, ao lado de Jordy Smith e Jeremy Flores, Medina, em sua primeira onda tirou nota 5.83. Estou assistindo aqui agora. Gabby meteu duas pauladas de back, e na terceira…. caiu. Se não tivesse caído, se o backside dele fosse excepcional, seguro, ele teria levado um 8.83, fácil. Esse é o problema.

O back de Medina é aquele que a gente fica torcendo para ele não cair. Não é seguro. Quer a prova? Só comparar com os backsides do Italo no mesmo evento. Em quase todas as baterias e, principalmente, na semifinal e final, Italo mostrou um surfe absolutamente agressivo, bonito e seguro. Na final, Italo foi escandaloso – o homem é uma máquina de dar batidas verticais, firmes, radicais, sem erro, com uma linha perfeita.

Gabriel Medina não costuma passar o ano sem vitórias.

Por isso eu falo que Medina, para ser excepcional, precisa ter um backside excepcional, seguro acima de tudo, para vencer em Bells, em Keramas, em Jeffrey’s Bay. Ele já está com 24 anos e tem só um título mundial. Acho que ainda vai ajustar o peso e musculatura novos com a uma prancha apropriada, encontrar um centro de gravidade para flexionar bem os joelhos e treinar muito, acertar os aéreos que fizeram falta. Aí sim, espero que Gabriel Medina vença mais uns cinco campeonatos mundiais. Talento para as outras manobras ele tem.

Repito, o backside do Medina é bom, mas precisa ser excepcional e seguro. Como foram os backs de Italo em Keramas 2018 e Mineirinho em Saquarema 2017. Aí ele pode entrar para história no nível de um Tom Curren, de um Mark Richards de um Mick Fanning. (Kelly não conta, 11 é muita coisa, apesar do Gabby ter dado umas surras nele, agora no final de carreira).

Voltando ao Italo, o garoto de Baía Formosa que tem um back cabuloso, passou a vida treinando a manobra ali no litoral do Rio Grande do Norte. Além do talento natural, parece que existe mais uma combinação interessante sobre o potiguar – achou a prancha mágica (no aéreo da nota 10, os pés dele não se mexem no ar e nem quando a prancha acerta a água, aliás, nem os dedos dele se mexem, parecem que estavam fixados com cola e pregos) – , enfim, Ítalo está no auge do preparo físico (após quase 40 minutos de bateria na final ele ainda remava com força, e pegava onda com uma gana impressionante), Ítalo precisa apenas agora vencer uma das grandes – Teahupoo ou Pipeline – e vai ganhar o respeito de toda turma do circuito. Já ganhou em Bells, etapa mais tradicional do circuito. Já ganhou na legendária Bali, restam apenas os dois monstros – Pipe e Tahiti.

Juízes

Eles estavam indo bem, contavam com um novo head judge, a nova regra com uma bateria a menos é boa e descansa todo mundo, as primeiras três etapas e meia foram ótimas, julgamentos decentes, pouquíssimos erros, mas, de repente, apareceu Keramas.

O mundo do imprevisível, do sobrenatural colocou seis brasileiros entre os 12 finalistas. Os gringos não podem e não querem engolir isso. Logo no começo do campeonato Miguel Pupo foi injustiçado – os juízes decidiram dar a vitória para o Adrian Buchan. Falei com uns seis ou sete amigos. Todos foram unânimes.

Na bateria do Filipinho, os juízes utilizaram um recurso que vem sendo padrão nos últimos anos. Para favorecer um atleta, no caso Jordy Smith, na primeira onda do cara eles já dão uma nota lá em cima – 9.57 – e o adversário fica sem saída. Fica desesperado. Nessa primeira onda, acabaram com o Filipinho como se tivessem dado uma martelada na cabeça dele.

Mikey Wright derrotou Willian Cardoso em bateria polêmica em Keramas.

E o mais importante, critério de julgamento era outro. Desde o começo da temporada a ordem era não dar notas altas, principalmente no início das baterias. E assim foi durante três etapas e meia – ondas bem surfadas, bem trabalhadas, ondas grandes, as notas giravam em torno de 7 e 8.50. Aí veio essa bateria e deram um notão para o Jordy Smith. E o Filipinho, com muita garra ia lá e surfava, surfava, tirava leite de pedra, mas nada passava do 6. Filipe ainda mandou bem numa onda, mas os juízes acharam que era 7.57. Os juízes foram contra seus próprios critérios.

Na bateria do Willian Cardoso outro erro de julgamento gravíssimo, pois, os juízes repetiram a dose e foram novamente contra seus próprios critérios. A onda do Willian foi maior, ele surfou na parte mais radical, mas, por alguma razão a vitória acabou com o australiano. O 14.93 a 14.86 em favor de Mikey foi injusto demais.

Uluwatu, nasce um monstro do surfe!

Bem, esse foi um campeonato à parte. O mar não estava bom, as ondas não foram aquelas majestosas de Uluwatu, grandes, tubulares. Mas foi Uluwatu, Bali! E, mesmo assim, foi possível assistir ótimos espetáculos de primeira qualidade. A nova geração: Medina, Filipinho, Italo, Panda, Colapinto, Ansing, Coffin, Andino, Carmichael, Igarashi, enfim, todos estes estão substituindo a geração que se foi, sem a gente perceber eles ficarem velhos e cansados da maratona do Tour – Taj Burrow, Mick Fanning, Josh Kerr, C.J. Hobgood, Kelly Slater (?). E o surfe está bonito e emocionante. Dá gosto de ver as disputas nas baterias.

Agora sobre o Willian Cardoso. Nem vou falar da luta de 10 anos que ele enfrentou para chegar ao CT. Nem os problemas familiares. Nem vou falar que, entre todos que disputam o Mundial, ele era o que mais merecia vencer uma etapa. Mas vou falar tecnicamente. Desde a etapa anterior, em Keramas, Panda estava surpreendendo e chamando atenção de todos por causa do surfe rápido e consistente. Ele não merecia ter perdido em Keramas, deveria ter ido à final. Mas aconteceu e, humilde, aceitou e foi para a próxima com mais gana.

Isso que eu chamo de competitividade, coisa que americano, europeus em geral possuem e os brasileiros, em qualquer esporte são carentes. O brasileiro quando perde, ora lamenta, chora, briga com os juízes, reclama no palanque, é suspenso e assim por diante. O americano e o europeu esquecem imediatamente a derrota e já pensam na próxima etapa, em melhorar, se superar e derrotar seus adversários.

Panda surpreendeu a todos com surfe rápido e consistente.

Foi o que aconteceu com Willian Cardoso. Ele foi perfeito do começo ao fim em Uluwatu, esqueceu Keramas e como havia sido injustiçado. E o backside seguro do catarinense valeu mesmo. Vou comentar só algo que aconteceu na final e que deixou Ícaro Cavalheiro, comentarista oficial da WSL, também impressionado. Geralmente, um surfista quando dropa a onda, digamos uma boa onda, faz o bottom e já vai pro tudo ou nada, com uma batida violenta, no lip, vertical, cabeça para baixo. Em seguida, o surfista faz outra manobra, mas não tão agressiva como a primeira. E assim sucessivamente, chega no inside e diminui o ritmo. Isso é normal e lógico, pois o atleta vai cansando a cada manobra e não tem tempo de respirar direito e se recuperar.

Não foi o que aconteceu com o monstro Panda – na melhor onda dele na bateria quando tirou nota 8 e pouco, Willian bateu forte na primeira manobra – e na próxima mais forte ainda, e na seguinte mais forte ainda e até na última foi vertical e violento, mesmo com a onda já bem menor. Foi algo que nunca tinha visto. Ainda mais considerando que se trata de um surfista de quase 100 quilos – manobrar com aquela agressividade, sem medo de ser feliz, puro surfe em plena Bali, chamou a atenção de todo mundo. Não teve como dar a virada para o Julian Wilson.

Isso precisa ser estudado. Como um surfista pesado como o Panda, ataca as ondas médias, e consegue tanta energia e força para bottom/batida, bottom/batida cada vez mais fortes? Subindo e descendo, um trabalho de pernas excepcional, uma cintura afiada para fazer o ‘swing’, total controle sobre a prancha, dominando o mar como ninguém o fez em Uluwatu. Willian Panda Cardoso – perigoso, inteligente, robusto e complexo! Mais uma vitória num local clássico – Jeffrey’s ou Teahupoo e o Panda se torna favorito ao titulo.

Notas

Alguém do circuito perguntou: “Esse tal de Brazilian Storm é pra valer mesmo, né?”. A outra pessoa respondeu: “Já não é mais um Brazilian Storm, agora trata-se de uma Grande Mudança Climática!

O surfe nas Olimpíadas será disputado mesmo no Oceano. Nada de piscina de ondas. Será em um mar de ondinhas mexidas perto de Tóquio. Não tem mais verba e tempo para construir uma piscina nos padrões japoneses. A praia é Tsurigasaki.

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