Desde de que comecei a surfar e a brincar no mar, um dos meus maiores medos era ser atacado por um grande tubarão branco. Muito provavelmente fui influenciado por filmes e desenhos animados da época. Mas até hoje ainda fico desconfiado quando surfo num local desconhecido, vazio e de água turva; admito que muitas vezes recolho o pé da água quando vou remando de volta para o pico.
Depois desta série de incidentes ocorridos na região Nordeste, o tema volta ser noticiado pela imprensa e mídias sociais, e infelizmente muita desinformação é transmitida. Nesse texto da coluna, vou esclarecer, do ponto de vista da saúde, como os meus “cuidados” em relação ao tubarão podem estar um pouco equivocados.
Para esta missão eu convido um amigo médico expert na área, doutor Gabriel Ganme, autor do livro Sobre Homens e Tubarões.
Segundo Gabriel Ganme, “ataques de tubarão são eventos raros, estimam-se que menos de 100 eventos por ano, porém eles ainda acontecem. A população surfista é a que mais sofre com esses ataques. Primeiramente por questões óbvias de exposição no mar e segundo por uma alteração do microambiente, que é a zona de surfe, com ondas quebrando na costa e produz um ambiente peculiar. O turbilhonamento da água provoca alterações do ambiente que confundem a interpretação dos estímulos captadas pelo tubarão”, afirma.
Bioeletromagnetismo – Ainda segundo Ganme, O turbilhão da água produz uma dispersão das ondas eletromagnéticas de forma caótica, atrapalhando a captação dessas pelo animal.
Visão – O turbilhão da água associado à sombra projetada pelo surfista contra o sol promove uma perda da nitidez dos objetos.
Audição – A movimentação da água nesta zona promove uma dispersão do som de forma irregular.
Olfato – O turbilhão promove uma mistura de cheiros. Por isso acreditamos que o ataque ao surfista acontece devido a uma grande confusão do tubarão. Portanto, os surfistas devem:
1) Evitar regiões habitadas por espécies agressivas;
2) Evitar áreas de pescas e próximas a portos pesqueiros;
3) Evitar surfar em períodos de baixa intensidade de luz, muito cedo ou muito tarde nesses locais de maior risco;
4) Evitar surfar em águas turvas;
5) Conhecer a atividade natural dos peixes na região: período de reprodução, migração etc.
Muito ainda se discute em relação à coloração da prancha e do wetsuit. Os mergulhadores evitam cores claras de equipamento para camuflar a visão do tubarão, mas a mesma regra não se aplica aos surfistas, pois o seu ataque, em sua maioria, acontece da profundidade para a superfície (contra o sol) e a coloração da prancha e/ou wetsuit possuem uma menor influência.
Mas o que fazer no caso de presenciar um ataque a uma pessoa próxima?
“O objetivo maior é retirar a vítima da água o mais rápido possível, pois o risco de afogamento é muito alto nestas situações. Por isso, caso você sinta-se seguro para prestar este socorro, é vital que tenha em mão um objeto de flutuação / prancha. Tente comunicar o máximo de pessoas ao redor sobre o evento e tente manter o animal no seu campo de visão. As pessoas ficam com medo de serem atacadas na tentativa de ajudar, mas isso raramente acontece. O tubarão não frequentemente perpetua seu ataque ao perceber que se trata de um humano, o animal desiste da caça. Além disso, as espécies agressivas, não caçam as presas em cardumes, sendo assim, o risco de um outro tubarão atacar é menor. O que precisa ficar claro é que o ataque feito pelo tubarão é um grande engano que ele faz, o animal confunde o humano com uma presa da sua cadeia alimentar num ambiente caótico como expliquei anteriormente.”
E após um ataque, quais são os primeiros socorros que devemos fazer?
“A prioridade é a remoção da vítima o mais breve possível para o hospital. Então devemos:
1) Comunicar e solicitar o resgate, informando a sua localização e a necessidade de unidade avançada de resgate;
2) Avaliação da vítima. É muito importante lembrar que em muitas vezes a vítima pode rapidamente evoluir de um estado estável para um quadro instável hemodinamicamente e entrar em choque. Quando possível, conter o sangramento com compressão vigorosa na região do ferimento que apresenta sangramento ativo. A realização do garrote deve ser reservada para aqueles indivíduos treinados a realizar;
3) A liberação da via para acesso do resgate avançado. Infelizmente um ataque atrai a curiosidade de muitas pessoas que podem atrapalhar o acesso à praia. Se conseguir adotar os três ítens, terá ajudado muito.”
E a minha atitude de recolher o pé quando estou remando?
“Na verdade, isso não ajuda muito, uma vez que você já está produzindo bastante estímulo sonoro remando em cima da prancha. O tubarão capta esse tipo de atividade a uma grande distância. Logicamente que quanto mais estímulo, mais facilmente ele vai localizar. Surfar é saudável, siga as dicas simples de comportamento e as chances de ataque serão muito pequenas.”
Dr. Gabriel Ganme é médico especialista em medicina do esporte, chefe do setor de medicina em áreas extremas do CETE Unifesp Pro diver, estudioso de tubarão e ambiente marinho. É autor do livro Sobre Homens e Tubarões.
Sendo assim, não temos que encarar o tubarão como um inimigo, uma vez que o verdadeiro “intruso”, somos nós. Atitudes como as descritas pelo doutor Gabriel ajudam na prevenção de muitos eventos.
Países como a Australia, onde a presença do animal é maior, possuem uma infra estrutura costeira de monitoramento e de alarme na praia, e assim é possível alarmar facilmente a população praiana. Surfar é estar em contato com a natureza e o tubarão faz parte dela. Portanto, manter a praia limpa e respeitar o mar são as melhores recomendações.