Desde muito jovem quando comecei a surfar, a minha curtição era acordar bem cedo para ser o primeiro a chegar à praia e poder surfar algumas horas sozinho. Eu jantava bem cedo, vestia a bermuda do surfe e colocava o despertador para as 05:00 da manhã.
Quando ele tocava, eu ainda sonado, só comia uma única bolacha de chocolate e corria para praia com o céu ainda escuro. Surfava por umas quatro horas até o corpo não aguentar mais, ou até tomar uma vaca muito “sinistra”, e normalmente as duas coisas aconteciam ao mesmo tempo.
Muito tempo passou e a minha vontade ainda é a mesma, mas certamente essa rotina nutricional não é saudável nem para mim, hoje de 40 anos e nem para mim daquela época, de 15 anos.
Para me ajudar nessa coluna, convido uma amiga nutricionista e surfista Juliana Batista, que terá a difícil tarefa de nos mostrar a importância de uma dieta e de uma hidratação adequada na vida do surfista. Ela também vai nos esclarecer o quanto lesões e as “vacas” podem estarem relacionadas a desidratação e a má alimentação.
Juliana Batista é nutricionista graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, com Pós-graduação em nutrição esportiva funcional com enfoque em surfe. Atuando no mundo do esporte, ela se dedica às surfistas crianças e adolescentes de Matinhos (PR).
Ju, o que você recomenda para aquele surfe bem cedo?
Muitos surfistas não têm fome ou têm preguiça de preparar algo para comer antes do surfe cedo. Para estes, vai a dica de tomar um copo de 350ml de suco de uva integral ou suco de laranja ou duas colheres de sopa de mel seguidas de água que já adianta. Para aqueles que se dispõem a preparar comida: tapioca ou sanduíche de pão com ovos. Vitamina com frutas e farinha de aveia. Banana é uma fruta que faz muito bem para a prática do surfe.
O que devemos comer no dia anterior a um dia de surf intenso?
Devemos comer normal como uma alimentação saudável deve ser. Devemos caprichar bem nos carboidratos na parte da noite para carregar bem os estoques de energia: o glicogênio muscular. São eles: pão integral, arroz integral, macarrão, batata doce, tapioca, aveia, frutas, açaí, geleia de frutas, mel e até aquele chocolatinho “esperto” e glorioso da noite.
Como você orienta aqueles surfistas que pretendem surfar muitas vezes no mesmo dia?
Alimentar-se a cada três horas de refeições leves: evitar gorduras saturadas como carnes vermelhas, frituras no geral, manteiga, pois possuem difícil digestão. Almoçar arroz sem feijão (pode dar indigestão), macarrão, batata com peixinho ou frango grelhado e saladinha temperada com limão e pouco de azeite de oliva. E lanchar pão com ovo, crepioca, tapioca com mel ou geléia de frutas, frutas, açaí.
Se você surfar em alta intensidade, é bom levar um melzinho ou carbo gel na bermuda ou wetsuit ou sair para comer uma fruta ou suplemento maltodextrina.
Você acredita que aqueles “carbogel” que os ciclistas usam pode ser uma boa para os surfistas?
Uma ótima, muito carboidrato para reposição junto com eletrólitos e muitas vezes cafeína, este muito bom para concentração e dá um gás extra. Pelos eletrólitos não há tanta necessidade de reposição, pois nós surfistas não gastamos tanta energia como triatletas, ciclistas. Tudo depende da intensidade da perda de eletrólitos, mas dificilmente surfistas precisam, só em caso de surfe o dia inteiro e muito gasto de energia.
O que devemos comer após um dia longo de surfe?
Muito carboidrato simples como arroz branco, pão branco, batata baroa ou inglesa e outros descritos acima. Este é um processo para paralisar o catabolismo que acontece durante o surfe, o corpo se alimenta das proteínas do músculo. Um processo para também recuperar os estoques de energia do corpo rapidamente. Após o dia longo de surfe também se alimentar de proteína para realizar a síntese proteica que é o crescimento dos músculos.
A partir de quanto tempo na água a desidratação começa a ser danosa?
Não tem tempo, mas sim intensidade do surfe. Ela já é danosa quando começa. Se você sentir sede é um sinal que seu corpo dá que ele está prestes a desidratar. Então, observe a sensação de sede e cor da urina que deve ser amarela bem clarinha. Não deixe ter sede para tomar água.
Qual a repercussão que a desidratação e a má ingesta calórica podem ter na performance durante a sessão de surfe?
Ambas estão associadas à má performance durante a session podendo levar as vacas e lesões. Tudo isso é complexo explicar por aqui o que acontece fisiologicamente no organismo, mas uma dieta de má qualidade afeta muito a performance, além disso, baixa a imunidade, interfere na recuperação muscular e transformação de energia para o músculo, podendo diminuir a força.
A baixa quantidade calórica e desidratação causam fraqueza, cansaço e falta da potência para remada e manobras. Elas podem influenciar também na maior facilidade de lesões na aterrissagem de aéreos e das junções.
A desidratação acarreta dor de cabeça, capacidade de raciocinar que onda pegar, que manobra dar, leitura da onda comprometida. Com menos água no corpo, menor volume de sangue circulando no organismo, menos nutrientes e oxigênio vão para os músculos, menos energia para performar.
Assim como a má ingesta calórica, vão faltar nutrientes para os órgãos, especialmente músculos e cérebro acontecendo os mesmos sintomas. Então, as lesões e vacas estão muito associadas à incapacidade motora e mental que a má alimentação e desidratação podem causar.
Vamos deixar claro uma coisa: a bolacha que você comia, te dava energia, não o suficiente porque era uma só, deveria ser mais (rs). Ela te dava energia para seu músculo. É a forma mais saudável? Não, e as vacas que você tomava no final da sua sessão podem SIM estar relacionado à desidratação!
Depois dessas orientações, acredito que não só eu, mas muitos aqui vão se preparar melhor antes de sair correndo para o mar. Você é feito daquilo que se alimenta, preste muito atenção nessas dicas! Manter o corpo saudável é a melhor forma de prevenção de lesões e de uma maior longevidade no surfe.