Elisa Kozasa

Neurociência aplicada no surfe

Em conversa exclusiva ao Waves, Elisa Kozasa, neurocientista do Hospital Hospital Israelita Albert Einstein, revela importância de técnicas que auxiliam no desenvolvimento de atletas.

Riviera de São Lourenço, Bertioga.

Riviera de São Lourenço, Bertioga.

Grande referência Elisa Kozasa, neurocientista do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo, coordenadora da pós-graduação em Gestão Emocional nas Organizações: Cultivating Emotional Balance e também surfista, faz trabalhos de treinamento mental, onde auxilia os atletas de alto rendimento do surfe e skate a desenvolverem melhor seu foco, presença e atenção. Em entrevista exclusiva ao Waves, fala sobre sua experiência e a importância do seu trabalho na vida dos atletas e nas competições.

A neurocientista foca seu trabalho principalmente em fomentar a ideia de saúde, felicidade e bem-estar como primeiro lugar na vida de um atleta e que isso precisa ser preservado no dia a dia. Mas como ela mesma diz: “caso contrário, o surfe que era a fonte de grande alegria, pode se tornar uma obrigação sem sentido”.

Para Elisa um dos seus propósitos com esse trabalho é “trazer a importância de se cuidar através do treinamento mental além do físico”.

Elisa deu entrevista exclusiva ao Waves e conta sua história no surfe, a relação do seu trabalho com a modalidade, como funciona e a relevância da Neurociência e do treinamento de foco, presença e atenção na vida dos atletas.

Qual sua história com o surfe? Como começou?

Eu sempre gostei do contato com a água, desde criança, mas morava
em São Paulo e minhas idas para a praia eram raras.

Na adolescência, adorava comprar a Fluir e “viajava” naquelas matérias. Foi depois dos 30
anos que frequentando a academia vi que tinham aulas de surfe na piscina, mas logo percebi que não ia aprender muita coisa ali. Resolvi então comprar uma prancha (era uma funboard) e ganhei uma aula grátis na Escola Riviera. Desde então me apaixonei pelos treinos e sinto que sempre é possível aprender uma coisa nova com o surfe, seja algo
técnico, mental ou até mesmo espiritual.

O mar, me lembra meu pai, um japonês que nadava, remava e pescava com maestria, um waterman, como seria chamado hoje em dia.

O surfe trouxe amigos que tem a espontaneidade que gosto de ver nas pessoas, a oportunidade de buscar me adaptar a condições adversas e tomar decisões rápidas (algo
que conheci também no Aikido, arte marcial) e colocar as práticas meditativas em um ambiente dinâmico. E talvez o mais importante: entender que a vida nem sempre é como queremos e que as oportunidades podem ser trazidas de forma inesperada.

De onde veio a ideia de unir seu trabalho com o surfe?

Veio de uma destas formas inesperadas: o Eduardo Takeuchi da Personal Boards, na época preparador físico e coach do Filipe Toledo, no final de 2017, estava procurando alguém que desse uma assessoria de treinamento mental e regulação emocional para ele, que não estava tendo um bom ano (teve até aquela suspensão por um gesto considerado “inadequado” para os juízes).

O Eduardo estava vasculhando a internet, viu informações minhas em um congresso do
Hospital Israelita Albert Einstein onde sou neurocientista, a pós- graduação que coordeno em Gestão Emocional nas Organizações: Cultivating Emotional Balance, meu perfil no Facebook e lá estava uma foto em destaque em que eu estava surfando, então ele decidiu que me queria na equipe.

Os jornalistas começaram a perceber a diferença no comportamento do Filipe já na primeira etapa de 2018 e ele começou a falar sobre o treinamento mental . Desde então entrei para a equipe da Personal Boards ajudando atletas a ficarem mais focados,
manejarem suas emoções e tomarem melhores decisões.

Além do Filipe Toledo, passaram pelo meu treinamento Samuel Pupo, Silvana Lima, Ian Gouveia e Kaue Germano do surfe e do skate o Lucas Xaparral e Pedro Quintas um dos nossos atleta das Olimpíadas de Tokyo. Cada atleta tem sua demanda, e as sessões são totalmente personalizadas, onde trago práticas que extraio de diferentes experiências e treinamentos que tive em minha vida.

Como a Neurociência pode atuar nessa modalidade?

Os conhecimentos que temos hoje na Neurociência e áreas correlatas sobre estresse, atenção, tomada de decisão, reconhecimento e manejo emocional, bem como dos estudos de movimento são muito importantes no surfe. Estamos com projetos sobre a fisiologia dos surfistas, um deles em colaboração com a Universidade de Marburg da Alemanha.

Como funciona seu projeto com os atletas do profissional?

A assessoria aos atletas acontece através da Personal Boards, onde conversamos de forma interdisciplinar sobre as necessidades de cada um. Podemos incluir a família do atleta no processo, quando ela é atuante em sua carreira, pois o alinhamento é algo fundamental. Temos que ser um mesmo time.

Como enxerga a importância da Neurociência e do Mindfulness na vida
dos atletas?

A Neurociência e áreas do conhecimento sobre o comportamento, podem trazer uma compreensão do porquê um atleta age de determinada maneira, mas o mais importante é o conhecimento prático de como ajudá-lo, a percepção e experiência de vida diversificada e
profunda que tive oportunidade de vivenciar, fazendo toda diferença.

Muitas vezes o que trago no treino é a experiência que tive como quinto grau faixa-preta em Aikido, como instrutora do Cultivating Emotional Balance, coordenadora de projetos inovadores ou como instrutora de meditação e yoga. Acho que o termo Mindfulness pode criar confusão se não for devidamente colocado em contexto, portanto prefiro falar sobre treinamentos de foco, presença ou atenção.

Como funciona a preparação para competições com esse trabalho?

São sessões geralmente à distância pela internet porque os atletas viajam bastante, mas também ao vivo no mar ou na pista de skate. Estas últimas me permitem aprimorar pequenos detalhes que fazem toda a diferença, como em quais momentos trabalhar com a respiração.

Qual seu maior propósito com o seu trabalho?

No meu trabalho como neurocientista procuro avaliar intervenções que podem trazer maior saúde mental e bem-estar para as pessoas, inclusive em situações de vulnerabilidade.

Temos projetos em comunidades e em escolas públicas, além dos projetos com pilotos de
aeronave e surfistas.

No trabalho de assessoria aos atletas, é lembra-los de que em primeiro lugar, está sua felicidade e bem-estar, e que isto precisa estar protegido no dia-a-dia dos treinamentos e viagens, caso contrário, o surfe que era a fonte de grande alegria, pode se tornar uma obrigação sem sentido.

Trazer a importância de se cuidar no treinamento mental além do físico, é algo que busco também. Existem outros profissionais na área, mas acredito que trago mais uma contribuição nesse sentido e também da relevância de a gente trazer um pouco mais da ciência, da pesquisa científica para toda essa área.

A gente precisa conhecer mais sobre a fisiologia e treinamento do surfe e e isso se torna cada vez mais relevante, a medida que vamos tendo mais pessoas praticando, de diferentes idades, gêneros e considerando que é um esporte olímpico.

O atleta Ian Gouveia que faz esse trabalho com a Elisa desde 2019, fala sobre essa experiência e a importância do treinamento mental na vida de um atleta de alto rendimento.

“Assim como o treino físico, nutrição e treinamento na água, o treinamento mental veio para ficar no nosso esporte, no surfe, acredito que não só no surfe, mas também em outros esportes. Atleta de alto rendimento tem que ter um treinamento mental na sua equipe. Quem não tem, está ficando para trás”, comenta Ian Gouveia.

“Hoje em dia acredito que uma grande porcentagem da importância do seu treinamento, o mental morde uma grande fatia do bolo dessa porcentagem. O surfe está num nível muito alto e muitas das vezes, o diferencial é o mental. Quem está com a mente mais forte, trabalhando mais isso tem mais vantagem, é o que está fazendo a diferença para as pessoas que se qualificam para o WCT,CS, campeões mundiais. Então hoje em dia quem não está fazendo o treino mental, está ficando para trás”, revela Ian.

“Comecei a fazer um trabalho com a Elisa desde 2019 e de lá para cá, tem sido um trabalho muito legal, aprendi bastante com ela. Desde 2019 até agora em 2024 foram muitos momentos que passei, de lesões, de baixas e altas de campeonato, tanto passando momentos difíceis, quanto momentos bons. E Sempre pude aplicar as técnicas que venho aprendendo com ela, que são de total importância. Realmente ajuda você a controlar suas emoções, todos os seus pensamentos, ajuda a ter uma visão maior em tudo que está a sua volta”, conta.

“Esse trabalha ajuda a ter uma autoanálise também, que é super importante para você decidir os seus próximos planos para as próximas competições, lidar com a derrota, que foi algo que trabalhamos bastante nesses últimos anos. Aprender a lidar com a derrota é super importante para um atleta para  quando passar por isso, já estar preparado para o próximo evento. Porque no surfe o calendário é recheado de eventos, então você tem que estar sempre preparado”, complementa.

“Agora a gente está em um momento bom de competição e vamos continuar trabalhando bastante o mental para ficar com ele mais forte do que nunca”, finaliza.

Elisa Kozasa vem  desenvolvendo um ótimo trabalho e fazendo grande diferença na vida dos atletas de alto rendimento, os ajudando a se concentrar melhor nas competições, dando mais atenção e controlando suas emoções e focando mais em suas metas e objetivos.

A neurocientista participará como palestrante do IX Simpósio Brasileiro de Medicina do Surfe que acontecerá em Itamambuca, Ubatuba (SP) no dias 7 a 9 de junho abordando o tema Stress e Burnout.

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