Para conseguir registrar de perto as maiores ondas do mundo é preciso colocar-se entre as pedras e o canhão em Nazaré, em Portugal. O desafio foi aceito pela fotógrafa carioca Yana Vaz, que agora integra um seleto grupo de profissionais da fotografia, aptos a encarar as maiores bombas da Europa de dentro do mar.
Pela quinta vez em Nazaré, Yana finalmente conseguiu realizar o sonho de entrar com sua caixa-estanque no pico. A carioca fez parceria com o experiente big rider e recordista mundial Rodrigo Koxa, que deu todo o respaldo necessário para ela ter acesso ao seleto line up do Canhão, em um dia com mais de 12 metros de onda.
Lá é preciso respeitar a hierarquia não apenas das ondas, mas também dos mestres que conquistaram suas cadeiras há mais tempo. É um lugar para poucos, onde você precisa entender as regras e ter muita coragem para ser respeitado.
E coragem nunca faltou para Yana, que tem em seu currículo horas de fotografia dentro d’água, no braço, em picos como Pipeline, Waimea, Jaws, Puerto Escondido, dentre muitos outros. A experiência e o preparo físico da brasileira abriram as portas. Ela foi aceita e conquistou seu espaço entre a vanguarda do big surf em Nazaré.
“De fora assusta, de dentro encanta”, define ela, que se considera viciada em adrenalina e garante que não vai parar por aqui. “Feliz de ser a única filmmaker mulher no mundo que tem imagens em Nazaré com mais de 12 metros de onda. Uma brasileira quebrando barreiras”.
De volta ao Brasil após passar um mês em Portugal (15/11 a 15/12), Yana contou com exclusividade ao Waves tudo sobre essa experiência, com direito a fotos especulares do dia 11 de dezembro.
Confira a seguir o relato da nossa big rider das câmeras, com histórias dos bastidores e também do grande momento dentro d’água. Voa, Yana!
Conheça o trabalho de Yana Vaz em seu Instagram: @yana_vaz_imagens.
Como surgiu a ideia de fotografar Nazaré de dentro d’água? Você contou com a parceria de algum surfista brasileiro?
Já fui para lá em quatro temporadas e levei uma caixa-estanque só para passear, porque eu não tinha o apoio de ninguém. Eu pedia para um monte de gente, mas não tive a oportunidade. Desta vez eu já tinha desistido, achei que a caixa iria somente passear novamente. Estava triste, voltaria ao Brasil em 5 de dezembro. Mas entrou este swell do dia 12 e mudei minha passagem.
Foi bem caro, mas pensei: “se eu realizar o meu sonho, que é ir pra água, vou ficar feliz”. Acho que o Koxa escutou. Quando chego em casa ele me telefona e diz que tinha uma oportunidade de ir para água, com um jet-ski pilotado pelo Trevor Carlson.
Muito importante dizer, a Michaela Fregonese me emprestou a roupa. Sem ela eu não teria condições de entrar. Gorrinho do Koxa, Botinha do Koxa… Colete o Eric Rebiere me emprestou, colocou o dele próprio em mim. E lógico, contando sempre com a segurança do resgate do Alemão de Maresias, que estava em outro jet.
É difícil garantir o seu lugar no line up de Nazaré? Existe uma hierarquia dentro d’água?
O mercado lá conta com os melhores do mundo. Tim Bonython, Laurent Pujol e Luis Ben de Sá são os que entram em dias assim. Ser mulher, brasileira e conseguir estar lado a lado no dia em que os masters Laurent e Luis estão lá não tem preço. Eles são watermen pesados.
Eu fico muito feliz de ter sido bem recebida lá dentro. Em dias como aquele pode sair a imagem de um grande prêmio Ride of The Year da WSL, por exemplo.
Como você conseguiu conquistar o seu espaço?
O Laurent já me conhece de Pipeline, já fiquei atrás dele lá para não atrapalhar as imagens. Não atrapalho o trabalho de ninguém. Teve uma hora que o Trevor ficou na frente e o Laurent reclamou. Pediu para irmos ao outro lado, e por isso até perdi algumas ondas para a esquerda.
Além disso ele me conhece, sabe que eu entro em Puerto Escondido grande, Waimea. Mas não é qualquer pessoa que chega lá e faz isso, ainda mais sendo brasileira. Nao sou p… das galáxias, sou a simples Yana Vaz com uma Sony.
Consegui esse espaço porque estou com o Rodrigo Koxa. Quem vai falar do câmera que o Koxa está levando para registrar ele? Ninguém, ainda mais em Nazaré, que ele é recordista mundial. Não falou-se nada, fui bem recebida por todos.
Algum outro fotógrafo, homem ou mulher, já se colocou em posição dentro d’água em Nazaré gigante?
Dentro da água com mais de 40 pés (12 metros) não vi , quando fica assim somente de cima do jet. No dia da remada que tinha uns 25 pés (7,5 metros) havia um de Portugal.
Quem são os fotógrafos e cinegrafistas que você mais admira o trabalho?
Minhas maiores referências são Bruno Lemos, Henrique Pinguim, Gustavo Marcolini e Paulo Barcellos.
Quais são as maiores dificuldades para conseguir uma boa foto nestas condições extremas? Foi necessário usar algum equipamento especial?
Em relação ao frio eu contava com a equipe do resgate rápido para não congelar (risos). O que mais me assustava era ter hipotermia. Eu só estava com medo do frio, de ter que pedir para ir embora e atrapalhar o surfe da galera. E se eu tomasse uma onda gelada daquela, provavelmente não iria suportar.
Quanto ao equipamento, usei minha Sony A7 III com a lente 24-105 mm, que é capaz de mostrar o tamanho da onda.
Quais foram os surfistas que mais te impressionaram em Nazaré? Além dos consagrados, algum nome da nova geração ou que a mídia em geral não esteja dando tanta atenção, mas que te impressionou?
Eu fiquei muito impressionada com um atleta jovem do Sul, o Luiz Henrique de Garopaba (SC). No maior dia na remada ele pegou uma bomba e a performance dele em todos os dias me impressionou.
Ele ainda não é tão conhecido, mas seu nível deixou abismados muitos surfistas estrangeiros consagrados. Logo na primeira temporada já estar nesse nível é algo que vale a pena ser destacado. O Willyam Santana também está fazendo uma performance incrível.
Você tomou onda na cabeça, passou por algum perrengue? Conta para a gente como foram os seus momentos de maior tensão.
Perrengue zero. Primeiro pilotou o Trevor, depois o Koxa e por último o Lucas Fink. Mas a hora que me deu medo foi quando o Fink assumiu a pilotagem e me levou em baixo do Canhão. Sabia que se caíssemos do jet ali era morte.
Deu muito medo. O Fink tinha recém-capotado com o jet. A pilotagem do Fink é bem kamikaze (risos) e ele foi o que me colocou mais perto das pedras, naquele lugar onde não tem resgate. Quando eu olhei para trás vi que estava muito perto das pedras e falei “Lucas me tira daqui, o que você está fazendo aqui comigo? Se a gente capotar esse jet eu morro” (risos).
Quando olhei para trás vi que eu estava há uns cem metros da pedra, onde rola aquelas explosões gigantescas bem perto do farol. É um drive adrenalizante. É tipo o Lucas Chumbo, eles arriscam mais na pilotagem.
De todas as imagens que você registrou, tem alguma favorita? Conte para a gente a história por trás dessa foto e qual foi a sua sensação no momento?
Minhas favoritas são a do Koxa, da Maya e do Eric Rebiere.
Parece que eu estou pegando a onda junto com eles. É emocionante, adrenalizante estar ali dentro. Você vê onda gigante quebrando na sua frente, tubos enormes quebrando na sua frente.
Você consegue até ver o farol por dentro da onda. O visual é incrível, indescritível. Nazaré de fora assusta, de dentro encanta.
Poucos teriam coragem colocar o pé na água durante um swell em Nazaré, ou até mesmo fotografar do jet. De onde você tira tanta coragem, autoconfiança?
Meu trabalho é esse, eu gosto de pegar onda grande, sempre gostei de registrar swells gigantes pelo mundo. Isso é uma paixão, meu vício.
Sou viciada em adrenalina, amante do mar. A forma com que em cada swell e cada luz entra na imagem me faz querer voltar e testar novos ângulos.
Como se preparou para isso?
A minha preparação é baseada em corrida, natação, surfe de bodyboard. Sempre gostei de pegar onda, de mares revoltos aqui no Rio. Na parte psicológica traz bastante calma para esses momentos, porque já estou acostumada pelo surfe.
Também pratico mergulho livre, caça submarina. Durante a vida inteira sou professora de educação física, então preparo o meu próprio treino funcional em casa, para fortalecer braço, pescoço…
Fiz um curso de apneia com Ricardo Taveira no Havaí (Hawaii Eco Divers) e aprendi técnicas de respiração que ventilam mais a minha capacidade vascular. No mar o que te mata é o pânico. Você tem que ter calma e tranquilidade sabendo que tem pulmão para aguentar aquilo. Quando você conhece a sua capacidade pulmonar, confia em estar ali e se acalma até chegar o resgate.
Além de Nazaré, conte também os picos mais desafiadores que você já esteve.
A situação mais sinistra que eu vivi foi quando entrei em Jaws pelas pedras. Fiquei com muito medo de quebrar minha câmera na explosão do mar contra as pedras, que foi por onde eu entrei.
A segunda pior foi em Waimea. Fotografei uma série com o Mark Healey. Quando a onda passou por mim vi que ela fechou a baía inteira. Fiquei com muito medo, pensei “não olha para trás, porque não tem mais passagem. A onda fechou o canal e não sei como vou sair do mar, deus me ajude”.
Foram suas situações em que eu não sabia como sair do mar sem correr um grande risco de me machucar. Mas consegui contornar.
Você pretende voltar a Nazaré, ou então continuar fotografando outros picos do big surf? Quais? Conta qual é o seu próximo desafio.
Agora eu quero registrar The Right na Austrália, mas acho que estou sonhando alto demais (risos). Também quero fotografar o Chile. Nadando quero ir ao Grower, Indonésia. Desert Point e sua luz me fazem sonhar que um dia ainda vou nadar por lá.
Qual a sensação de ter em seu portfólio o Canhão de Nazaré em um dia de big swell?
Foi a realização de um sonho de longa data, muito importante para mim. Feliz de ser a única filmmaker mulher no mundo que tem imagens em Nazaré com mais de 40 pés. Uma brasileira quebrando barreiras!