Até o início da década de 90 era improvável imaginar um brasileiro no topo do pódio de uma etapa da elite mundial no Havaí. Mas, em dezembro de 1991, essa história mudou quando o jovem paraibano Fabio Gouveia surpreendeu o mundo ao vencer a Hard Rock Cafe World Cup, em Sunset Beach, tornando-se o primeiro atleta do País a conquistar um evento da elite profissional no arquipélago.
Na época com 22 anos e em sua terceira temporada no circuito mundial, Fabinho – que poucos meses antes já havia triunfado em Biarritz, França, e obtido a primeira vitória brasileira em um evento da ASP no exterior – dominou as ações do dia decisivo em Sunset em uma final contra o californiano Richie Collins (2º), o havaiano Hans Hedemann (3º) e o aussie Matt Hoy (4º).
Apesar das séries pequenas para os padrões de Sunset, a inédita vitória teve pitadas de drama e emoção, como uma semifinal contra três havaianos bastante respeitados no North Shore de Oahu (Hans Hedemann, Sunny Garcia e Michael Ho), e o fato de Gouveia usar uma prancha usada de Victor Ribas durante todo o campeonato.
“Estava surfando com uma prancha 6’6” do shaper Ricardo Martins. Ela era do Victor Ribas e consegui comprá-la por US$ 50 mais um colete da Mormaii (risos). Não sei se a prancha já estava velha e ele não queria mais… O que sei é que fizemos esse rolo e ganhei o campeonato com ela. Outra curiosidade também é que hoje em dia, naquelas mesmas condições de mar, eu estaria usando uma 5’6” ou 5’4′”, relembra Fia, que com a vitória no Havaí abriu novas portas para o surfe brasileiro.
“Naquela época era um pouco diferente dos dias de hoje. A gente chegava no Havaí já com um clima de intimidação. E aquele evento era a minha última chance de entrar no Top 16 do ranking, o que contava bastante. Fui passando as baterias sem me preocupar com o lance de título, apenas focado neste objetivo do Top 16. E deu certo”, conta Fabinho.
Em um período do circuito mundial em que ainda não existia a regra de prioridade, Gouveia optou pela mesma tática de competição do início ao fim do campeonato: pegar uma da série no pico e depois esperar uma onda salvadora de Oeste já próximo ao canal de Sunset.
“Não ficava muito ali com os caras brigando pelas ondas e com essa tática fui até o final. Na decisão, o Richie Collins estava em primeiro, mas nos minutos finais consegui achar uma onda com dois tubos rápidos – mas muito bons para aquele dia – e ainda dei uma rasgada no final. O campeonato acabou e deu tudo certo. Já no dia seguinte o mar amanheceu com 30 pés, aí acho que não teria nem como ter competição (risos)”, detalha o paraibano.
Fabinho conversou com a reportagem do Waves pouco antes de a WSL cancelar a etapa do Championship Tour de 2021 em Sunset por causa da pandemia de Covid-19. Seria a volta da icônica direita havaiana ao calendário da elite mundial depois de 18 anos. Em 2003, a Rip Curl Cup foi vencida pelo australiano Jake Paterson no pico.
Apesar de ter integrado a elite mundial em poucas ocasiões, Sunset Beach tem muita relevância na história do surfe profissional. Foi lá onde rolou o primeiro campeonato no North Shore de Oahu, o lendário Duke Classic de 1965, vencido por ninguém menos que Jeff Hakman. Já a partir dos anos 70, o local também passou a receber as edições do Smirnoff Pro.
Além de Fabio Gouveia, nomes como Eddie Aikau, Dane Kealoha, Tom Carroll, Gary Elkerton, Hans Hedemann, Michael Ho, Andy Irons, Clyde Aikau, Larry Bertlemann e Cheyne Horan já sentiram o gosto de conquistar um evento em Sunset. Por outro lado, Kelly Slater e Tom Curren são alguns dos que nunca triunfaram na direita havaiana. Pelo Brasil, Raoni Monteiro fez bonito ao vencer a etapa Prime do WQS em Sunset em 2010. Já Christiano Spirro (1998), Leo Neves (2007) e Jessé Mendes (2018) bateram na trave do mesmo evento da divisão de acesso no local.
Ansioso para ver a ação do Tops do Championship Tour na sua onda favorita do Havaí, Fabio Gouveia lamentou a saída de Sunset do calendário de 2021. O ídolo do surfe brasileiro já havia apontado até os seus favoritos para vencer o campeonato.
“Tinha achado muito legal esta volta do CT para Sunset. É importante diversificar um pouco as etapas do CT ali no Havaí. Vários Tops são excelentes em Pipe, só caem ali, mas tem outros caras que gostam muito de Sunset e não têm a oportunidade de competir pelo Championship Tour naquela onda”, opina Fabinho.
“Jordy Smith, por exemplo, surfa muito em Sunset. Ele seria um dos favoritos para mim ao lado de John John Florence. Entre os brasileiros, acho que Medina tem uma pegada forte e a prancha volumosa no pé, ingredientes que são necessários em Sunset. Mas gostaria muito de ver a atitude do Italo também. Sem falar de Jadson, que já vi pegando altas em Sunset. Yago também é outro que poderia surpreender… Enfim, a galera brasileira treinando forte lá ia fazer bonito”, diz.
Vídeo da vitória de Fabio Gouveia em Sunset:
De volta a 1991 – Sobre a vitória inesquecível na Hard Rock Cafe World Cup, Fabinho lembra com carinho da repercussão e também ressalta a importância do paulista Taiu Bueno para a sua evolução no Havaí. Poucas semanas antes da conquista de Fia, Taiu sofreu o acidente em Paúba que o deixou tetraplégico. Com isso, o paraibano doou parte da sua premiação de Sunset para ajudar nas despesas do amigo no hospital.
“Mesmo tendo sido em ondas menores, existia o fato da competitividade. Depois da vitória você passa a ser visto com outros olhos pela galera local. Os brasileiros também ficaram amarradões na época”, conta Fabinho, que terminou aquela temporada do circuito mundial na 13ª posição, sendo o primeiro brasileiro a integrar o Top 16 da elite.
“Naquela época dificilmente eu pensaria em ganhar um evento em Sunset. Já tinha obtido ótimos resultados ali, vencendo baterias contra caras como Ronnie Burns e Brock Little, mas não tinha a mesma experiência em ondas grandes. Foi uma sensação bem legal: esposa e filho pequeno na praia, dia chuvoso, e a galera na torcida. No dia seguinte fui parar em todos os noticiários locais, mas não falava quase nada de inglês. Devo ter dado um trabalho extra pros caras (risos)”, recorda.
“O Taiu foi um cara muito importante para mim no Havaí, é um dos grandes ídolos que tenho no surfe e na vida. Ele me incentivou muito nos meus primeiros anos no North Shore, sempre puxando meus limites e me orientando, já que botava pra baixo em mares grandes em Sunset e Pipeline”, revela Gouveia.
“O acidente dele foi uma parada sinistra, pegou todo mundo de surpresa. Mas, além de ser um exemplo no surfe, ele também deu um exemplo como ser humano. Nem imaginamos as dificuldades que ele enfrenta, e apesar disso continua sempre firme e forte. É um verdadeiro ídolo”, completa o paraibano.