O site Surfer Today fez uma lista sobre as várias modalidades de surfe relacionadas à cultura havaiana. Curtimos a ideia e decidimos dar uma topicalizada no enredo, sem perder as ótimas referências e pesquisa elaboradas pelo site. A lista começa falando sobre o surfe tradicional como um todo, depois releva a importância da tradição das canoas Outrigger, passeia pelo início do surfe de peito, jacaré, ou bodysurf, como você preferir, segue para as pequenas pranchas que originaram o que conhecemos como bodyboard; em seguida explica a diversão do chamado He’e One, atualmente conhecido como skimboard, e finaliza com a magia do surfe nos rios dando como exemplo o Waimea River.
(No filme acima, de Thomas Edison, sim, o inventor da lâmpada, imagens que remontam a 1906)
Em nossa versão você vai perceber que acrescentamos informações relacionadas ao cotidiano do Brasil e suas nuances.
Sigamos com os seis…
1 – He’e nalu, ou board surfing;
2 – Pākākā nalu, ou outrigger canoe surfing;
3 – Kaha nalu, ou bodysurfing;
4 – Pae po’o, ou bodyboarding;
5 – He’e one, ou sand sliding;
6 – He’e pu’e wai, ou river surfing;
1 – He’e nalu, ou board surfing – Nenhum esporte havaiano conseguiu capturar a atenção dos não-havaianos de maneira tão intensa quanto a arte do surfe. Através de sua obra Pacific Passages, Patrick Moser reuniu as primeiras observações europeias desse esporte no Havaí, sintetizando as variadas reações de forma concisa.
Os sentimentos provocados abrangiam desde o medo e o choque até o espanto e a admiração, todos entrelaçados nas primeiras descrições do surfe no mundo ocidental.No ano de 1778, a chegada do Capitão James Cook ao Havaí marcou um momento significativo.
(Documentário sobre Duke Kahanamoku traz o havaiano Duane De Sotto como Duke)
Ao retornar em 1779 para Big Island, Cook e sua tripulação tornaram-se os primeiros ocidentais a testemunhar e registrar o surfe tradicional havaiano. Eles observaram surfistas na Baía de Kealakekua e meticulosamente documentaram a impressionante exibição. Dentro da comunidade de surfe havaiano, pelo menos quatro distintas variações de pranchas, conhecidas como papa he’e nalu, eram empregadas:
Papa olo: Estas eram pranchas estreitas, densas e pesadas, com contornos arredondados na parte superior e inferior, medindo entre 14 e 16 pés de comprimento.
Papa kiko’o: Semelhantes às de olo, porém menos volumosas. Tinham o topo plano e a parte inferior arredondada, variando entre 9 e 16 pés.
(Acima a construção de uma alaia tradicional)
Papa alaia: Esta variedade era a mais comum e se destacava por ser mais fina, leve, curta e larga, variando de 6 a 9 pés de comprimento.
Papa li’ili’i: Eram as pranchas mais compactas, com menos de 6 pés de comprimento.
À medida que o século XX avançava, os surfistas havaianos em Waikiki passaram a se referir às papa li’ili’i como pae po’o ou pranchas pae pō. Essa terminologia evoluiu gradualmente para o termo amplamente reconhecido hoje em dia: pranchas paipo.
2 – Pākākā nalu, ou outrigger canoe surfing – Waikiki é o epicentro mundial para as Canoas Outrigger, uma tradição centenária praticada até hoje. Waikiki se destaca com orgulho como o único lugar no Havaí onde canoas outrigger deslizam elegantemente sobre as ondas dia após dia, mantendo uma prática ancestral que floresceu por séculos.
Nas páginas de The Hawaiian Canoe, uma obra envolvente escrita por Tommy Holmes, emerge uma observação impactante: o ato de surfar com canoas era um costume “distinto e reverenciado pelos antigos havaianos”, um sentimento que ecoa com respeito intocado até os dias atuais.
Um dos principais nomes da história das canoas são os chamados beachboys de Waikiki, que proporcionam passeios de canoa comerciais. Para aqueles que ainda não pegaram umas ondinhas nem mesmo para brincar na beirinha, surfar de canoa pode ser uma ótima oportunidade para sentir a vibe do surfe.
3 – Kaha nalu, ou bodysurfing; Domando as Ondas Havaianas em Sintonia com o Corpo – O bodysurfing, reconhecido como kaha nalu em língua havaiana, compartilhou dos holofotes de popularidade entre os havaianos, lado a lado com o surfe. No entanto, sua notoriedade junto aos escritores ocidentais nunca alcançou os mesmos patamares.
Uma das primeiras referências conhecidas ao bodysurfing emerge nas páginas de The Epic Tale of Hi’iakaikapoliopele. Nessa narrativa épica, a deusa Hi’iaka e seu irmão, Kānemilohae, adentram no mundo do surfe ao lado do líder de Kauai, Lohi’au, numa busca mística pela restauração de sua vida.
(Kalani Lattanzi extrapolou os limites do bodysurf ao surfar ondas como Jaws)
Sob a orientação de Hi’iaka, a deusa habilmente transforma seu pā’u, espécie de sarongue, em uma prancha de surfe para Lohi’au usar. Juntos, eles desafiam as águas em uma onda imponente, com Lohi’au surfando a prancha e Hi’iaka demonstrando toda sua maestria no bodysurfing. Na mesma onda, Kānemilohae se une à saga, exibindo suas habilidades em uma prancha de concha.
Essa representação mítica do bodysurfing solidifica sua presença como uma atividade ancestral no domínio das ondas havaianas, evidenciando que sua prática não apenas existia, mas era abençoada por entidades divinas. Mesmo os remadores mais robustos podiam ser superados por aqueles que dominavam a arte do bodysurfing com destreza. Na língua nativa, os havaianos o denominavam pākākā nalu ou pākākā wa’a, sendo uma presença constante em suas incursões pelas diversas ilhas.
4 – Pae po’o, ou bodyboarding; O Legado do Bodyboarding – Nas páginas iniciais dos registros elaborados por estudiosos havaianos sobre pranchas de surfe, emerge um fascinante capítulo da história do mar: as menores pranchas, com menos de 6 pés de comprimento, eram corriqueiramente mencionadas como papa li’ili’i, ou simplesmente “pranchas pequenas”. Porém, os primórdios dos anos 1900 trouxeram um vento de mudança terminológica, dando origem a dois novos epítetos, um em inglês e outro em havaiano. Os desbravadores de horizontes não-havaianos denominaram-nas bellyboards, em alusão à postura predominante na qual eram utilizadas: o surfista deitado de bruços, com o corpo estendido sobre a prancha, enfrentando as ondas. Enquanto isso, os adeptos havaianos em Waikiki as batizaram como pranchas pae po’o. Entretanto, a origem e peculiaridade do termo pae po’o suscitam indagações instigantes.
A tradução literal de pae po’o nos conduz ao significado de “desbravar [uma onda] com a cabeça”, ou, de modo mais direto, “praticar bodysurfing”, enquanto uma papa pae poo encarna a prancha especialmente engendrada para essa prática, aquilo que os surfistas modernos chamam de bodyboard. No ambiente descontraído da comunicação cotidiana, os adeptos havaianos frequentemente abreviavam a expressão para pae pō, encurtando-a como é característico da língua coloquial. A forma de grafar agora predominante, paipo, foi introduzida por Wally Froiseth, uma figura icônica do surfe havaiano. Froiseth não apenas se destacava como exímio surfista, mas também era um hábil praticante de paipo, reverenciado por manter-se de pé sobre sua prancha paipo de duas quilhas em ondas de grande envergadura.
Entre os anos de 1956 e 1986, Froiseth confeccionou aproximadamente 100 pranchas paipo, compartilhando-as com amigos ou comercializando-as entre colegas surfistas.Em cada prancha, era afixado um adesivo que ostentava a inscrição: “Hawaiian Pai Po Board. Mfg. by Froiseth.” As vendas de pranchas paipo por parte de Froiseth a surfistas na Califórnia desempenharam um papel crucial na disseminação do termo para além das praias do Havaí.
5 – He’e one, ou sand sliding; Deslizando na Areia, Uma Tradição Havaiana
O elo entre os havaianos e o surfe ia além do simples ato de pegar ondas em si. Era também uma relação que abarcava uma aventura única: pegar ondas da costa e deslizar de volta para o oceano. Esse esporte, de alcance global, é reconhecido como he’e one, uma expressão havaiana que traduz a ideia de “navegar na areia,” ou, no inglês, é identificado como sand sliding, skimboarding, ou simplesmente skimming..
Os primórdios do sand sliding eram simples: deixar-se levar pelas ondas de refluxo, usando apenas o próprio corpo como prancha. Nas praias íngremes onde as ondas alcançam o auge da zona de arrebentação, os havaianos esperavam um backwash, perseguiam-na e, então, executavam um mergulho plano de bruços, prendendo os braços junto ao corpo, e deslizavam na água de refluxo, rumo à zona de arrebentação.
No ano de 2007, Scott Sorensen, proprietário da Coco Palm Pictures, empresa especializada em produção de vídeos, mergulhou nos arquivos do surfe havaiano armazenados nos Arquivos Nacionais de Maryland.
Em meio às antigas filmagens, uma descoberta cativante: um clipe da década de 1930 que mostrava três havaianos deslizando na areia da Praia de Waikiki, na mesma onda. Um de bruços, outro sobre uma prancha paipo e o terceiro sobre uma fronha inflada.
Pioneiro no Brasil – Bernardo Picorelli, o Bzinho, um dos percussores do skimboard no Brasil, hoje é manager de Lucas Fink, bicampeão mundial da modalidade, fala a respeito do desenvolvimento do esporte.
Como você avalia o crescimento do skimboard?
O desenvolvimento técnico da modalidade com as influências do skate, surfe, snow e todos os esportes que influenciaram o skimboard hoje são realmente colocadas em prática. Quando eu comecei era basicamente deslizar na areia e fazer alguns giros. No máximo uma rasgada e uma cambalhota.
Em termos de manobras e competição, quais os parâmetros?
Hoje eu vejo que a gente tem combinação de manobras. Se você não faz uma manobra na entrada, uma na onda e outra na volta, você não está hypado. Hoje, o Lucas Fink que eu trabalho, vive do esporte e eu também, pois gerencio sua carreira. Não é fácil, mas se você quiser mesmo consegue.
(Acima Lukas Fink pega uma bomba em Nazaré)
Em 1935, Tom Blake trouxe uma variação desse esporte que ele batizou de “Partida em Corrida da Costa”. Nela, os surfistas deslizavam pela praia em suas pranchas de surfe, utilizando a técnica do sand sliding. Naquela época, as pranchas de surfe não eram equipadas com quilhas, o que permitia o deslizamento suave nas tradicionais pranchas de madeira da época.
6 – He’e pu’e wai, ou river surfing; A Jornada do Surfe nos Rios – Os havaianos eram apaixonados pelo surfe, dispostos a enfrentar qualquer onda que a natureza lhes oferecesse, inclusive as que emergiam de uma fonte inesperada: os rios em inundação. Quando as montanhas do Havaí são castigadas por chuvas intensas e persistentes, as consequentes inundações repentinamente desencadeiam uma volumosa descarga de água que flui em direção ao oceano.
(Jamie O’Brien é um especialista no Waimea River)
Em circunstâncias favoráveis, essa considerável massa de água despejada no mar pode criar ondas estacionárias ou de pé. Os havaianos souberam aproveitar essas marés, surfando as ondas que se formavam em rios ou na confluência destes com o mar.
Deram a esse estilo de surfe singular o nome de he’e pu’e wai, que pode ser traduzido como “navegar nas águas agitadas”, com a água das enchentes fluviais sendo a “água agitada” em questão.
Diferentes termos foram empregados em suas escritas para descrever essa prática, como “wai he’e pu’e,” “he’e nalu o ka pu’e,” e “he’e i ka pu’e wai.”
(Acima os surfistas de Governador Valadares, Minas Gerais)
Os surfistas contemporâneos ao redor do mundo chamam essa modalidade de river surfing (surfe em rio). Os havaianos praticavam o river surfing em diversos locais em pelo menos quatro ilhas, como o Rio Wailua em Kauai, o Rio Waimea em Oahu, os rios Wailuku e Waiohonu em Maui, além dos rios Wailuku, Honoli’i, Papa’ikou e Waipi’o na ilha do Havaí.
Eles desafiavam dois tipos distintos de ondas estacionárias: as que se formavam dentro do próprio rio, como no Rio Wailuku na ilha do Havaí, e aquelas geradas pelo encontro do rio com uma praia arenosa que geralmente o obstruía, como no caso do Rio Waimea.
Além de dominar as ondas estacionárias, eles abraçavam a própria correnteza, mergulhando montados em suas pranchas rio acima e permitindo que as águas turbulentas os conduzissem até o oceano.
Surfe em Governador Valadares.
Conversamos com Paulo Guido, o Paulinho, surfista local do Rio Doce, em Governador Valadares, para saber como foi a temporada de surfe no rio.
E essa foto (acima), foi tirada quando?
Paulinho – Bom, nesse dia dessa onda, podemos dizer que a nossa onda no rio estava com 2,5 m de face, a gente mede pela frente, diferente do mar. Foi um dos momentos em que a onda estava bem manobrável, bem surfável. Acima disso a onda já fica bem disforme. E esse foi o momento em que nós podemos aproveitar bastante. Nessa temporada ficamos eu e um amigo aproveitando e disputando as melhores no pico. A foto reflete um pouco de como a situação estava: uma onda bem forte, no meio do rio. Ela tem um pico, mais no lado esquerdo, mais na saída dela. Esse pico forma um pico mais para a direita. Porém, no meio dela tem uma elevação e na outra extremidade há outra parte que pode ser surfada para a esquerda. É tipo aquelas piscinas de concreto que o cara tem que ficar manobrando direto. E esse ponto que estou manobrando é a parte mais fácil de manobrar, tanto para os goofies quanto para os regulares.
Como foi a temporada de surfe no rio?
Paulinho – Essa temporada, 2022/2023 tivemos muita onda. Podemos dizer que essa foi uma das temporadas que mais deu onda. Lembrando que o que faz o rio dar onda é volume das água, ou seja, é relacionado às chuvas. Esse ano tivemos muitas chuvas com a água muito barrenta e bem forte. Tivemos desde novembro de 2022 até o início de fevereiro. Deu tanta onda que tinha dias que a gente estava desperdiçando onda…rs”
(Em breve matéria sobre o surfe em GV)
Fonte: Surfer Today
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