Imagine surfar um dia em uma costa e no dia seguinte contornar o oceano, dirigindo até o outro lado, para aproveitar a mesma tempestade que se deslocou naquela direção.
Agora imagine surfar todos os dias praticamente sozinho e em um pico diferente, escolhendo entre boca de rio, fundo de pedra, slabs e beach breaks de água doce… Parece sonho, né? Mas não é.
Apesar de ter me mudado para um local onde o mar fica a 1.600 km de distância, essa tem sido a minha realidade nos últimos meses.
Se você não se importa em usar roupa de borracha de 6mm, botas, gorro e luvas, odeia crowd e não tem medo de entrar na piscina nos dias mais frios do inverno, acho que também iria gostar de explorar a região dos Grandes Lagos (EUA).
Surfei 14 picos diferentes nas últimas 20 sessões e apenas não dupliquei esses números pela falta de companhia ou condições climáticas.
Quando uma tempestade em alto-mar cria ventos fortes o suficiente para gerar uma nova ondulação, a distância entre a costa e a tempestade permite com que as ondas cheguem mais alinhadas, com um período maior e, às vezes, ventos com direções opostas a ondulação favorecem a formação.
As ondas nos Lagos são geradas por fortes tempestades de inverno e geralmente ventos e ondulação possuem a mesma direção, tornando difícil de aproveitar os picos expostos a maior energia do swell.
Mas sempre consigo achar um buraquinho mais protegido e apesar do frio e baixo período, toda semana me impressiono com a quantidade e qualidade das ondas que os Lagos Superior e Michigan têm proporcionado.
O corpo humano gasta mais energia para se manter aquecido e a roupa de borracha grossa somada a meias de lã, calca e camisa térmicas contribuem na intensidade da experiência e do perrengue. É difícil expressar o que sinto quando furo uma onda para passar a arrebentação, parece uma mistura de agulhas e vidro cortando a minha cara e o cérebro para de funcionar por alguns segundos.
Surfistas locais utilizam vaselina para amenizar a sensação do vento na pele molhada, mas ainda não fiz esse teste. Sei que vai ficar ainda mais frio nos próximos meses e estou curioso para ver até qual temperatura é possível entrar na água.
Existem alguns truques essenciais para sobreviver a esse ambiente inóspito e garrafas térmicas com água quente no carro podem salvar a sua vida após algumas horas imerso em água chegando aos 3ºC e temperatura ambiente de -15ºC.
Não esta sendo fácil trocar o sol e areia das praias de Floripa pela neve, mas as paisagens congeladas e a ausência do crowd têm me ajudado a manter a sanidade e o sorriso no rosto.
Marcelo Galizio, 32, é atleta de caiaque extremo. Para saber mais sobre as suas aventuras, siga o perfil @mgalizio no Instagram.