O último fim de semana realmente foi mitológico para o surfe na região Sudeste do Brasil. De todos os cantos, circularam imagens impressionantes que retratavam as condições extremas do mar ou o despertar de picos lendários que raramente foram vistos quebrar nos últimos anos.
Para muitos, o emprego do termo mitológico pode transparecer certo exagero, isto porque são incontáveis as praias que permaneceram muito difíceis para o surfe de sexta (19) até a segunda-feira (22). Por outro lado, a lisérgica sensação de pegar altas ondas numa praia onde nunca se imaginou ir com uma prancha autoriza adjetivações ainda mais extravagantes. Atípico para quem surfou, no mínimo estranho para quem saiu de casa planejando aproveitar as águas mansas e quentes da Costa Verde, pois os banhistas estavam igualmente incrédulos com o que assistiam no mar.
Para os surfistas de Angra dos Reis, sempre que os mapas de previsão apontam ondas no quadrante leste, as expectativas são bastante desanimadoras. Ondas nesta direção não atingem o litoral da cidade, pois são interceptadas pela Ilha Grande, e aqueles que desejam surfar precisam viajar pela Rio-Santos para o norte (Rio) ou para o sul (Ubatuba) até escapar desta sombra. Resumidamente, para a galera que surfa no continente “lestada” significa nada de surfe ou pé na estrada para viagens longas.
Mas, o tamanho e a intensidade desta ondulação foram capazes de penetrar em múltiplos recantos caiçaras e um deles surpreendeu pela qualidade das ondas que apresentou. Um fundo de pedra entre Angra dos Reis e Mangaratiba que era um mito quase enterrado da geração de surfistas da década de noventa.
Quem deu a ideia de checarmos o lugar foi meu pai e ele mesmo disse que a última vez que surfou ali foi no ano em que nasci, 1993. Certamente rolaram ondas nesse lugar nos últimos 26 anos, mas de todos com quem conversei nos quatro dias de ondas que rolaram, ninguém tinha visto com tamanho consistente e tão boa formação quanto nesse swell. Paixão rápida, a galera já apelidou de “Mini Trestles”, um enorme elogio ao lugar que, pelas pedras arredondadas na beira e pelos triângulos que formavam direitas e esquerdas, lembra a paisagem acinzentada do consagrado pico californiano.
Em meio à esverdeada Mata Atlântica, três ondas funcionaram em condições muito especiais: uma direita bastante manobrável que corria longamente paralela à areia, uma esquerda bem emparedada – só que mais curta – e uma direita casca-grossa que quebrava mais pra fora numa laje onde poucos bodyboarders se aventuraram. A água quente e a entrada de uma ressaca com tempo limpo coroaram os dias de ouro desse pico. O auge rolou entre a tarde de domingo e a manhã de segunda.
Toda tarde, a subida da maré tornava as ondas menos frequentes, limitando o surfe às maiores séries que varriam a areia, o que aumentava a tensão entre os banhistas ao exigir deles malabarismos para segurar celulares, cadeiras, varas de pescar, bancos crianças ou caixas de som quando a água do mar avançava. Muita gente garantiu a segurança das caixas de som sem hesitar enquanto torcia para que ninguém fosse arrastado, prioridades. O cenário de caos na areia era complementado pelo impacto das ondas atingindo os barcos que ali permaneceram fundeados. Felizmente, nenhuma embarcação, criança ou caixa de som foi arrastada.
Um fim de semana mágico que transformou lendas quase esquecidas em memórias bastante vivas converteu mitos em experiências inesquecíveis. Todo surfista tem um pico para chamar de lar e se apegar a ele como a própria casa. Para mim, minhas raízes de surfe estão atreladas à Praia Brava, que fica ao lado da usina nucelar de Angra. Conhecer este pico novo, essa nova paixão, deu um novo sentido para o “des-bravar”, para a busca pelo desconhecido e para aquilo que eventualmente nos manda para longe de nosso lar. Dessa vez sem precisar ir tão distante, desbravamos essa maravilha que quebrou por quatro dias em condições raras.
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