O Covid-19 trouxe de volta os anos 80 à Indonésia. Não estou falando das camisetas com cores fluorescentes, carteiras emborrachadas e cortes de cabelo estilo mullets, mas da possibilidade de surfar as melhores ondas do planeta sem ninguém por perto.
E quando falo “sem ninguém por perto”, eu literalmente quero dizer isso. Em todas as conversas com amigos surfistas do mundo inteiro um assunto é recorrente, “imagina surfar essas ondas só com os seus amigos, como os primeiros aventureiros que desbravaram os picos nos anos 70/80?”, é exatamente isso que está acontecendo agora.
Como chegamos nessa situação? Visito a Indonésia desde 2013, quando me apaixonei pelo país e decidi que iria viver aqui. Em 2015 encontrei uma oportunidade e fui morar no Kandui Villas, localizado nas Ilhas Mentawai. Em 2017 migrei um pouco mais ao Norte, para as Ilhas Telo em busca de ondas perfeitas com menos crowd.
A quantidade de surf camps é muito menor que em outros destinos mais conhecidos, poucos barcos querem gastar mais tempo e combustível pra chegar aqui, e já era comum surfar somente com os companheiros de viagem durante alguns dias. Ocasionalmente dividíamos o lineup com surfistas de outro resort ou em barcos.
Na minha opinião esse é o paraíso, clima tropical, água quente e ondas perfeitas sem crowd. Geralmente voltamos no início da temporada, que vai de março à outubro, mas tudo mudou em fevereiro de 2020 com a chegada do novo vírus.
A pandemia fez que a maioria dos países fechassem as fronteiras, e alguns felizardos que estavam em terras Indonésias antes das restrições, puderam experimentar a alegria de surfar sem muita gente por perto.
Ainda assim em lugares mais famosos e com fácil acesso como Bali e Desert Point, os estrangeiros que conseguiram “driblar” as restrições de viagem e se dispuseram a pagar valores astronômicos em vistos. Dividiram os picos com locais que moram por lá.
Como a maioria dos resorts nas ilhas mais distantes e barcos suspenderam as atividades por tempo indeterminado, não sobravam muitas opções. O ano de 2021 chegou e, com ele a esperança trazida pelas vacinas sendo aplicadas em massa por todo o mundo, fez com que os surfistas mais sedentos voltassem a reservar viagens para o segundo semestre.
Até o mês de junho, tudo parecia correr na direção certa, os números de casos eram estáveis desde fevereiro, o governo da Indonésia anunciou um plano para reabrir Bali no final de julho, vistos com valores razoáveis e a vacinação dos trabalhadores do setor de turismo foi priorizada para receber os turistas e dólares que o país tanto precisa.
Os surf resorts e barcos começaram os preparativos para receber os surfistas, que deveriam apresentar um teste negativo antes do embarque e passar cinco dias em quarentena na chegada ao país. Durante este período, mais dois testes e, com o resultado negativo em mãos, pranchas embaixo do braço e um sorriso no rosto, você poderia viajar para o seu destino final com a certeza de pegar as ondas da vida com menos crowd.
Foi assim que eu cheguei no Monkeys Resort (Telos) na segunda quinzena de junho. Já no fast ferry você podia notar a ausência dos “Bule”, que significa “estrangeiro” no idioma Indonésio, e poucos locais.
Depois da travessia tranquila e uma curta viagem do porto até o Monkeys, fizemos a primeira sessão de surfe totalmente sozinhos com ondas perfeitas de 3 a 4 pés, somente eu e o Mark, proprietário do resort.
Depois de um ano e meio fechado, ele estava muito feliz com a reabertura e com a chegada dos primeiros clientes no início de julho. Eu também estava muito feliz, afinal alguns clientes que fizeram reservas através da minha agência chegariam em breve.
O que não sabíamos era que o número de novos casos estava para explodir no país, duplicando em alguns dias e chegando à 35 mil novos casos por dia no início de julho, levando o governo Indonésio a decretar novas restrições de viagem, o que mudava todo o planejamento dos clientes, resultando no cancelamento das viagens marcadas.
E a situação não parece que vai melhorar em breve. Na última somatória no dia 17 de julho foram contabilizados 51.952 novos casos no país, e 300 mil somente na última semana.
E agora, o que fazer?
Com a maioria dos clientes incapazes de cumprir as restrições para a entrada no país e consequentemente cancelando as reservas, somado ao fato de estarem fechados desde o final de 2019, os valores das diárias despencaram.
“Estamos oferecendo diárias ao preço de custo” declara Mark. “O que estamos vivendo é uma viagem de volta no tempo, quando não tinha nenhum estrangeiro por milhas e milhas de distância. É o sonho de qualquer surfista, e provavelmente a última chance de surfar as ondas perfeitas e remotas da Indonésia como se você estivesse naquelas primeiras viagens de barco, olhando as ondas quebrarem sem ninguém pra surfar com você. A diferença é que agora você pode se hospedar em um resort de luxo pelo preço de uma pousada”.
Tenho certeza que a maioria das pessoas vai deixar essa oportunidade passar, enquanto poucos vão fazer de tudo pra chegar aqui o quanto antes e ficar o maior tempo possível. Enquanto eu escrevo essa matéria, as ondas não param de quebrar com paredes incrivelmente longas e tubos perfeitos.
E não consigo parar de pensar naquela conversa “imagina surfar essas ondas só com os seus amigos, como os primeiros aventureiros que desbravaram os picos nos anos 70/80?”. Quem vai viver essa experiência?
Conheça o trabalho de Rodrigo Zeni no Instagram de sua agência, @surfindonesia1.