Rodrigo Zeni

Viagem no tempo em Telos

Restrições contra Covid-19 aumentam na Indonésia e picos quebram perfeitos e sem crowd, como antigamente. Rodrigo Zeni convida para a trip.

0

O Covid-19 trouxe de volta os anos 80 à Indonésia. Não estou falando das camisetas com cores fluorescentes, carteiras emborrachadas e cortes de cabelo estilo mullets, mas da possibilidade de surfar as melhores ondas do planeta sem ninguém por perto.

E quando falo “sem ninguém por perto”, eu literalmente quero dizer isso. Em todas as conversas com amigos surfistas do mundo inteiro um assunto é recorrente, “imagina surfar essas ondas só com os seus amigos, como os primeiros aventureiros que desbravaram os picos nos anos 70/80?”, é exatamente isso que está acontecendo agora.

Como chegamos nessa situação? Visito a Indonésia desde 2013, quando me apaixonei pelo país e decidi que iria viver aqui. Em 2015 encontrei uma oportunidade e fui morar no Kandui Villas, localizado nas Ilhas Mentawai. Em 2017 migrei um pouco mais ao Norte, para as Ilhas Telo em busca de ondas perfeitas com menos crowd.

A quantidade de surf camps é muito menor que em outros destinos mais conhecidos, poucos barcos querem gastar mais tempo e combustível pra chegar aqui, e já era comum surfar somente com os companheiros de viagem durante alguns dias. Ocasionalmente dividíamos o lineup com surfistas de outro resort ou em barcos.

Na minha opinião esse é o paraíso, clima tropical, água quente e ondas perfeitas sem crowd. Geralmente voltamos no início da temporada, que vai de março à outubro, mas tudo mudou em fevereiro de 2020 com a chegada do novo vírus.

A pandemia fez que a maioria dos países fechassem as fronteiras, e alguns felizardos que estavam em terras Indonésias antes das restrições, puderam experimentar a alegria de surfar sem muita gente por perto.

Ainda assim em lugares mais famosos e com fácil acesso como Bali e Desert Point, os estrangeiros que conseguiram “driblar” as restrições de viagem e se dispuseram a pagar valores astronômicos em vistos. Dividiram os picos com locais que moram por lá.

Como a maioria dos resorts nas ilhas mais distantes e barcos suspenderam as atividades por tempo indeterminado, não sobravam muitas opções. O ano de 2021 chegou e, com ele a esperança trazida pelas vacinas sendo aplicadas em massa por todo o mundo, fez com que os surfistas mais sedentos voltassem a reservar viagens para o segundo semestre.

Até o mês de junho, tudo parecia correr na direção certa, os números de casos eram estáveis desde fevereiro, o governo da Indonésia anunciou um plano para reabrir Bali no final de julho, vistos com valores razoáveis e a vacinação dos trabalhadores do setor de turismo foi priorizada para receber os turistas e dólares que o país tanto precisa.

Os surf resorts e barcos começaram os preparativos para receber os surfistas, que deveriam apresentar um teste negativo antes do embarque e passar cinco dias em quarentena na chegada ao país. Durante este período, mais dois testes e, com o resultado negativo em mãos, pranchas embaixo do braço e um sorriso no rosto, você poderia viajar para o seu destino final com a certeza de pegar as ondas da vida com menos crowd.

Picos de Telos quebram perfeitos e sem o habitual crowd.

Foi assim que eu cheguei no Monkeys Resort (Telos) na segunda quinzena de junho. Já no fast ferry você podia notar a ausência dos “Bule”, que significa “estrangeiro” no idioma Indonésio, e poucos locais.

Depois da travessia tranquila e uma curta viagem do porto até o Monkeys, fizemos a primeira sessão de surfe totalmente sozinhos com ondas perfeitas de 3 a 4 pés, somente eu e o Mark, proprietário do resort.

Depois de um ano e meio fechado, ele estava muito feliz com a reabertura e com a chegada dos primeiros clientes no início de julho. Eu também estava muito feliz, afinal alguns clientes que fizeram reservas através da minha agência chegariam em breve.

O que não sabíamos era que o número de novos casos estava para explodir no país, duplicando em alguns dias e chegando à 35 mil novos casos por dia no início de julho, levando o governo Indonésio a decretar novas restrições de viagem, o que mudava todo o planejamento dos clientes, resultando no cancelamento das viagens marcadas.

E a situação não parece que vai melhorar em breve. Na última somatória no dia 17 de julho foram contabilizados 51.952 novos casos no país, e 300 mil somente na última semana.

E agora, o que fazer?

Com a maioria dos clientes incapazes de cumprir as restrições para a entrada no país e consequentemente cancelando as reservas, somado ao fato de estarem fechados desde o final de 2019, os valores das diárias despencaram.

“Estamos oferecendo diárias ao preço de custo” declara Mark. “O que estamos vivendo é uma viagem de volta no tempo, quando não tinha nenhum estrangeiro por milhas e milhas de distância. É o sonho de qualquer surfista, e provavelmente a última chance de surfar as ondas perfeitas e remotas da Indonésia como se você estivesse naquelas primeiras viagens de barco, olhando as ondas quebrarem sem ninguém pra surfar com você. A diferença é que agora você pode se hospedar em um resort de luxo pelo preço de uma pousada”.

Tenho certeza que a maioria das pessoas vai deixar essa oportunidade passar, enquanto poucos vão fazer de tudo pra chegar aqui o quanto antes e ficar o maior tempo possível. Enquanto eu escrevo essa matéria, as ondas não param de quebrar com paredes incrivelmente longas e tubos perfeitos.

E não consigo parar de pensar naquela conversa “imagina surfar essas ondas só com os seus amigos, como os primeiros aventureiros que desbravaram os picos nos anos 70/80?”. Quem vai viver essa experiência?

Conheça o trabalho de Rodrigo Zeni no Instagram de sua agência, @surfindonesia1.