“Amada criança, amado oceano” ou, na língua nativa havaiana, Nã Kama Kai. Dificilmente algum outro nome daria tanto sentido ao que foi este evento histórico em Búzios (RJ), que terminou com uma verdadeira clínica sobre o oceano, seus cuidados e nuances. E foi justo no sábado (24), na data do aniversário de Duke Kahanamoku, o pai do surfe moderno que nasceu há 129 anos, o momento mais aguardado desta primeira edição do Nã Kama Kai no Brasil.
Para abrir o dia, o legend campeão mundial de longboard Duane DeSoto, que é o idealizador deste projeto, falou sobre o legado deixado por Duke.
“Celebrar o legado de Duke Kahanamoku é celebrar o legado do surfe. E o legado do surfe não é a pranchinha, ela é apenas uma parte desse legado. E esse legado vem do Havaí, onde eles surfavam em canoas, de bodysurf, bodyboard… De todas as formas diferentes de aproveitar o oceano. Quando nós possuímos o legado corretamente, podemos usar o oceano como uma ferramenta para sermos pessoas melhores.”
Após a breve palestra de apresentação na The Search House, na praia Rasa de Búzios, os havaianos de Makaha organizaram um circuito com diversas estações diferentes. Cada uma dessas estações representava uma dinâmica distinta.
Nas primeiras fases, as crianças passavam por aulas sobre o funcionamento do mar, as correntes, os cuidados que se deve ter, o respeito e a preservação. Também aprenderam sobre a dinâmicas dos ventos e o nome de cada tipo de vento na língua nativa do Havaí. Logo após essa espécie de workshop, a garotada partiu para o mar para remarem nas pranchas de stand-up. Finalizando a última das estações, os participantes puderam conhecer e velejar numa clássica canoa havaiana.
Compareceram dezenas de crianças de várias regiões do Rio. Mas um grupo merece destaque especial. Trata-se dos jovens do Morro do Alemão, integrantes do projeto Surf no Alemão, que vieram pela primeira vez em Búzios e tiveram seu primeiro contato com as pranchas de SUP e, principalmente, com a canoa havaiana.
Essa foi a parte mais divertida do projeto. Várias crianças remavam e se equilibravam nos pranchões pela primeira vez. Para tornar a experiência ainda mais especial, os jovens tiveram a companhia de Bono, o cão mais surfista de todos, e seu dono Ivan, além da presença do medalhista de prata nos jogos pan-americanos, o buziano Vinnícius Martins, fora os legends havaianos e o próprio Phil Rajzman.
“As vezes pensamos que é preciso de muito para mudar alguma coisa. Mas na verdade não. Bastou pararmos para escutar as crianças, pra lhes dar as mãos, para que esse grupo tenha se formado. E é um sonho ver a realização delas em poderem vir participar deste evento e perceberem cada vez mais que há outras saídas para a vida difícil e muitas vezes violenta das comunidades”, relatou o criador e coordenador do Surf no Alemão, Wellington Cardoso.
De fato, era visível o brilho diferente no olhar de cada uma delas. Além do contato com o mar e com o surfe, além da viagem – que será sem dúvidas inesquecível -, eles tiveram a chance de estarem diante de verdadeiros watermans havaianos, observando e aprendendo sobre sua cultura clássica de praia e percebendo que há uma comunidade muito mais ampla e unida do que poderiam imaginar e, não menos importante, que não se trata apenas do ato de surfar, mas de cuidar de nosso meio ambiente e de nossas praias.
“Eu adorei o projeto. Foi minha primeira vez remando nessas pranchas, foi muito bom. E com o tempo vou aprendendo mais e quero surfar mais. A cada dia que passa eu tenho gostado mais e mais desse projeto do surf e espero voltar outras vezes para Búzios”, disse Lucas, de 13 anos, morador do Complexo do Alemão.
É importante ressaltar que todas essas dinâmicas eram, em grande parte, ministradas pelas próprias crianças havaianas – sempre com auxílio de tradutores voluntários. Esse é um dos principais conceitos do Nã Kama Kai. As crianças aprendem suas lições sobre o oceano e as passam adiante para outras novas crianças, e assim sucessivamente.
“As crianças serão nossos lideres, serão elas que tomarão as decisões. Serão elas que passarão a conexão com a terra para a próxima geração. A ideia por trás do Nã kama kai é transformar as crianças em melhores seres humanos. Nós queremos, daqui a sete gerações, mudar o mundo que conhecemos hoje, que é um mundo que está doente. E eu tenho esperança em nosso futuro. Somos tão inteligentes como espécie, mas precisamos balancear nossos valores econômicos com nossos valores de protetores do meio ambiente”, disse Duane DeSoto, em meio aos seus oito filhos que viajaram até Búzios.
A primeira edição do Nã Kama Kai foi fruto de uma parceria de longa data entre Phil Rajzman e Duane DeSoto. Todo o projeto foi bancado por voluntários ou parcerias privadas, sem a participação de qualquer órgão governamental. Preenchendo um sonho de poder passar seu conhecimento adiante e ajudar as crianças, Phil saiu otimista e feliz com o resultado obtido e falou um pouco sobre o que é, para ele, um verdadeiro surfistas.
“O surfista não é aquele que surfa apenas de pranchinha ou de longboard, mas é aquele que tem a essência do mar, é aquele tem a essência de estar dentro d’água. Não importa o tipo de onda, o tipo de prancha, o que importa é você estar dentro do mar e se divertir. Ter a capacidade de compartilhar o aloha, de compartilhar o que tem de bom. De compartilhar o respeito aos mais velhos e o respeito às crianças”, ressaltou nosso bicampeão mundial de longboard.
Pois como bem falou Duke Kahanamoku, “o melhor surfista é aquele que mais se diverte”. E quando a diversão chega às crianças, aumentam nossas esperanças de um mundo mais conectado aos valores ancestrais de proteção e de união.
Ao final de tudo, uma cerimônia de confraternização foi realizada na casa de Phil Rajzman, em Geribá, onde o fogo de chão assava o regado banquete e o clima era de pura harmonia. O primeiro Nã Kama Kai no Brasil teve seu fim e mal podemos esperar pela próxima edição.