Medição de ondas gigantes

Entenda a polêmica

Por que a medição de ondas gigantes gera tanta dúvida e controvérsia na comunidade do surfe? Especialistas opinam.

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Lucas Chumbo pega onda estimada em 29,67 metros no Gigantes de Nazaré.

Ler e ouvir sobre ondas na casa dos 30 metros em Nazaré, Portugal, virou algo relativamente comum no mundo do surfe. Lucas Chumbo, por exemplo, venceu o Gigantes de Nazaré com uma bomba surfada em 8 de janeiro deste ano estimada em 29,67 metros – no sistema de medição estabelecido pelo programa da TV Globo.

Em 25 de fevereiro deste mesmo ano, o catarinense Vinicius dos Santos superou Chumbo em 1 centímetro e domou uma montanha de água avaliada em 29,68 metros, em medição feita através do mesmo sistema e pelo mesmo oceanógrafo, o renomado Douglas Nemes, especialista em mecânica das ondas. Desta forma, há de se crer que alguma dessas ondas irá, naturalmente, superar o recorde mundial — estabelecido no Guinness Book— de maior onda já surfada na história (24,38 metros, em 2017, pelo paulista Rodrigo Koxa), certo? Não é bem assim. O UOL Esporte investigou o tema e foi atrás de especialistas e da própria WSL (Liga Mundial de Surfe) para tentar esclarecer o porquê de ondas supostamente maiores não baterem o ainda intacto recorde de Koxa.

A verdade é que o assunto é para lá de polêmico até mesmo entre quem mede as ondas, os oceanógrafos, uma vez que vários fatores podem abrir margem para erros quando se fala em medir com precisão o tamanho de uma onda gigante. Métodos diferentes, registros de ondas diferentes, e, no fim das contas, o que vale mesmo para determinar o recorde é a palavra final da entidade responsável pelo surfe, a WSL —que, por sua vez, só irá avaliar a onda se a linha feita pelo surfista e a maneira que a onda quebrou sejam as ideais.

As ondas de Lucas Chumbo e Vinicius dos Santos certamente estarão inscritas para o Big Wave Awards 2022, o Oscar de ondas grandes que acontece no fim do ano. A partir daí, um painel internacional de juízes determina as ondas vencedoras do prêmio, e só então que elas serão ‘revisadas por uma equipe científica como ponto de referência crítico para a determinação dos Recordes Mundiais’, como informou a entidade à reportagem por e-mail. “A WSL verifica os recordes mundiais a cada ano, com base nos vencedores do Big Wave Awards, e é o verificador oficial do Guinness World Record para as categorias de maiores ondas surfadas”, explicou.

Ou seja. A maior onda surfada na temporada ficará com o prêmio do Big Wave Awards, e então passará por uma revisão de uma equipe de cientistas ligados à WSL. Caso ela tenha mais de 24,38 metros, aí sim entrará para o Guinness e será eleita como a nova maior onda já surfada na história. Caso não haja divulgação de novo recorde, subentende-se que ela não superou o tamanho da onda de Rodrigo Koxa ou que simplesmente sequer entrou em disputa.

Surfista português superou os 30 metros? Para se ter uma ideia do que já aconteceu desde que o surfista paulista entrou para o Livro dos Recordes, especulou-se em 2020 que uma onda surfada pelo português Tony Laureano em 29 de outubro teria mais de 30 metros. A notícia saiu principalmente na imprensa portuguesa, apontando que a medição efetuada pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa (FMH) havia chegado a um número de 30,9 metros (veja o vídeo abaixo).

Os meses se passaram e Tony Laureano sequer levou o prêmio de maior onda de tow-in (puxada por um jet-ski), vencido pelo alemão Sebastian Steudtner. “A onda do Tony Laureano foi submetida ao Big Wave Awards, e um painel internacional de juízes determinou que a onda não foi a maior surfada durante o período de consideração aplicável”, respondeu a WSL.

E se nem mesmo Steudtner quebrou o recorde de Koxa, entende-se que a onda de Tony -assim como a do alemão – não superou os 24,38 metros de acordo com a equipe da Liga Mundial de Surfe, ou até mesmo que não foi surfada da forma que a entidade acha que é necessária para ser levada em conta e entrar na briga. Aí entram detalhes como a trajetória do surfista, se a onda era mesmo sólida, entre outros fatores.

O que interfere na medição de uma onda?

Uma resposta simples para a pergunta acima pode ser dada da seguinte forma: inúmeras. Pedro Guimarães, professor da escola de engenharia da FURG (Universidade Federal do Rio Grande) e especialista no processamento de imagens em diversas áreas de aplicação da oceanografia, aponta uma margem de erro de metros para a medição de ondas como as de Nazaré, e cita os mais variados equívocos que podem estar embutidos nas análises: a qualidade do tamanho do pixel (o menor ponto que forma uma imagem digital), a angulação das câmeras, o efeito da distorção das lentes e as incertezas na medida da crista e da base da onda.

“Se a gente somar todos esses erros, isso te dará uma ordem de magnitude de variação entre 5 e 10 metros, dependendo de como a foto foi tirada. Se ela foi tirada num ângulo, pode ter um erro maior. Se foi tirada em outro ângulo, pode ter um erro menor”, esclarece. “Se você considerar a onda do Koxa, que foi de 24,38 metros, pode ser uma onda que, na verdade, teve 29 metros ou 19. Então, em geral, se assume que a onda teve 24 metros, mas não tem como afirmar com precisão que, na verdade, ela tem 24 metros, porque tem todos esses problemas”, diz.

Existem formas de os erros serem corrigidos, mas ainda assim não há dados 100% confiáveis. “Não importa o quão bom seja o cientista que está aplicando o método. Tem uma série de pessoas que tentam fazer essas correções, mas elas não são 100% efetivas, não conseguem eliminar o erro e deixá-lo na casa de centímetros. Qualquer uma dessas medições feitas pela WSL e por todos os pesquisadores, que são ótimos, tem um erro embutido na sua escala de medida. Não tem como eliminar esses erros porque são erros devido à imprecisão das informações que temos na hora que foi coletada essa imagem”, explica Pedro.

Em Nazaré é muito difícil apresentar uma validação científica porque você não consegue colocar uma boia. A onda de Nazaré é tão grande que vai arrebentá-la. A gente tentou medir umas ondas de 20 e poucos metros e colocou um outro instrumento no fundo, e não funcionou. O equipamento que a gente colocou, supercaro, simplesmente foi destruído e encontramos ele na rocha do outro lado da ilha. E os dados estavam completamente destruídos. É muito complicado você medir efetivamente a onda de Nazaré.

“Já medi várias ondas maiores que 24 metros” Douglas Nemes, oceanógrafo responsável por medir as ondas do programa Gigantes de Nazaré, cita uma margem mínima para as suas medições em Portugal e acredita que o recorde de Koxa (veja abaixo) não é quebrado por outros motivos.

“Já medi várias ondas maiores que 24 metros”, afirma. “Por que isso não é oficializado no Guinness? Na minha opinião, o processo para você fazer isso é longo. Não é só você surfar, apresentar o cálculo com especialistas e pronto. Por cima, tem que provar o evento meteorológico capaz de gerar essas ondas, posicionar esse ciclone, ter instrumentos na costa registrando a altura dessas ondas, provar que essas ondas chegaram, e, logicamente, provar que o surfista surfou a partir das fotos e dos cálculos. É um processo que envolve uma equipe, então os atletas não têm essa assessoria, a meu ver”, opina.

“Acredito também que tenha que ter pessoas oficiais no dia do evento, então o processo não é tão simples. Não é o fato da medição… A técnica que estou desenvolvendo está com uma acurácia, uma representação da altura da quebra de onda mais fidedigna com um desvio padrão, esse erro associado, muito baixo, muito bem controlado no cálculo. O pessoal da universidade da Califórnia, que é o que a WSL gosta, do Instituto Scripps de Oceanografia, também tem uma técnica deles e, se eles utilizarem, também vão chegar a mais de 24 metros. Nós já comparamos nossos métodos, então não tem por que já não oficializarem isso”, diz.

Burle: “A gente não mede as ondas direito”

Referência brasileira do surfe de ondas grandes, Carlos Burle acredita que as medições “a olho” devem, em breve, dar lugar a análises mais claras e confiáveis. Para ele, chegou a hora de a tecnologia prevalecer.

“Em uma coisa eu concordo: existem ondas muito grandes surfadas e é muito difícil você definir um recorde, ainda mais em uma coisa tão subjetiva como essa medição. Acredito que estejamos chegando perto do final dessas medições por olho para começar a usar mais tecnologia para tornar uma medição mais apurada e de confiança”, avalia.

“A minha onda, que eu surfei em 2013 [veja abaixo], medida pelo oceanógrafo de uma universidade de Coimbra, deu 32 ou 33 metros e também não entrou. Então existe ainda um processo muito incerto e não claro com relação à medição e homologação do recorde. No meu ponto de vista, a gente não mede direito as ondas… É muito difícil você medir um recorde com clareza”.

Fonte UOL.