Surfwear

A crise também é estética

Denis Romanello, designer com experiência no mercado surfwear, apresenta visão sobre mudanças e declínio do setor.

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Lojas da Quiksilver nos EUA fecham.Victor J. Blue / Bloomberg News
Lojas da Quiksilver nos EUA fecham.

Sim, o surfwear está passando por uma crise financeira, isso é inegável. Os sintomas já haviam sido identificados há muito tempo, e as recentes notícias sobre o fechamento de lojas e a redução das operações de grandes players no mercado americano apenas confirmam o que todos no setor viram acontecer de forma lenta e dolorosa.

Nas décadas de 1950 e 1960, o surfe ainda era visto como uma contra-cultura. Surfistas eram tachados de vagabundos, e a prática era malvista pela sociedade. Um exemplo disso é a história de Jack O’Neill, inventor do wetsuit, que, ao se mudar para Santa Cruz nos anos 1950, encontrou um cenário onde o surfe era proibido pelos bombeiros locais, e aqueles que se aventuravam nas ondas eram considerados baderneiros e desrespeitosos.

Foi nesse contexto que a cultura do surfe floresceu como um estilo de vida, com crenças próprias e um profundo amor pela praia e pelo oceano. No entanto, essa cultura ainda era marginalizada, não vista com bons olhos pela sociedade. Apesar disso, era uma manifestação autêntica, nascida de um esporte que ainda não era considerado um esporte, mas sim uma forma de viver. Havia um espírito de rebeldia contra uma sociedade conservadora e preconceituosa que impunha padrões de normalidade e excluía os que não se encaixavam. O respeito pela natureza e a harmonia com o mar eram princípios, daí veio a identificação com o movimento hippie da década de 1960.

Mas por que estamos falando sobre a história da cultura surfe se este post trata da crise do surfwear?

Exatamente por isso. Essa cultura rebelde e autêntica deixou de ser marginalizada e passou a ser admirada por sua coragem e identidade própria. Entre as décadas de 1970 e 1990, o surfwear cresceu exponencialmente e se popularizou no mundo inteiro, até mesmo em locais sem praia. O estilo de vida do surfe se consolidou, trazendo vantagens financeiras e grande lucratividade para a indústria.

Contudo, essa popularização e crescimento também levaram a uma massificação do mercado, o que, no século XXI, se tornou o maior desafio da indústria. A moda surfe entrou em uma zona de conforto comercial, onde pouco esforço estético era necessário para manter bons números. O setor se tornou cada vez mais focado na monetização desenfreada, característica do capitalismo moderno.

O espírito de rebeldia e autenticidade da década de 1950/60 se perdeu. O que restou foram planilhas de Excel ditando estratégias de mídia e produção intensificada na Ásia para maximizar lucros.

“Roupa sem história é apenas pano costurado”. Se juntássemos as peças dos cinco principais players do mercado e trocássemos suas etiquetas, seria possível distingui-las?

Seria hipocrisia dizer que não houve evolução nos produtos de surfe. Pelo contrário, os avanços nos boardshorts e wetsuits foram significativos. No entanto, nas categorias de lifestyle — as mais rentáveis para as marcas — o design ficou refém de números, levando a um excesso de produção e a políticas predatórias de descontos.

A crise do surfwear não é apenas financeira; é também uma crise estética. O setor perdeu sua alma para um capitalismo desenfreado e a obsessão pelo crescimento financeiro. As empresas foram vendidas para grupos, que depois abriram capital na bolsa. Com isso, veio o imediatismo dos resultados e a corrida pelo crescimento a qualquer custo.

Hoje, muitos argumentam que o surfwear perdeu espaço para o fast fashion e para a cultura urbana americanizada do streetwear. Isso é verdade, mas não é tudo. O surfwear não perdeu apenas mercado; perdeu também sua essência de rebeldia e autenticidade, que era a alma da manifestação cultural dos anos 1950.

O surfwear perdeu para ele mesmo. Perdeu o essência do surfe.

Porém, há algo que nem o fast fashion nem o streetwear podem roubar do surfwear: os produtos de performance aquática — wetsuits, boardshorts, camisetas e coletes técnicos.

Devemos encarar essa “crise” como um alerta. Precisamos reconhecer que a essência do surfe foi perdida, e, com ela, sua identidade visual. Mas eu, particularmente, estou animado para ver um renascimento da indústria e as novas ideias que estão surgindo com marcas emergentes que desafiam a mesmice.

Onde muitos veem crise, eu vejo oportunidade. Uma brecha no monopólio dos grandes fundos de investimento, que enriquecem ainda mais os mais ricos e dificultam a sobrevivência das pequenas marcas que lutam por espaço.

A crise é a forma mais evidente de que mudanças são necessárias — e bem-vindas.

Estou ansioso para ver o que esse “recomeço do surfwear” nos reserva.

Autor do texto, Denis Romanello é designer de surfwear sênior e apoia marcas de sportswear na construção de coleções de impacto.

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