Foi Mal

Pelados perdem a vergonha

Foi Mal, lançado pela Matraca Records, é o novo trabalho da banda paulistana Pelados.

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Mais recente criação do grupo paulistano Pelados, Foi Mal (2022, Matraca Records) é um desses discos que fazem um verdadeiro estrago na sua cabeça. Torto e imprevisível, como tudo aquilo que os parceiros Lauiz (programações e sintetizadores), Vicente Tassara (guitarra), Helena Cruz (baixo e vocal), Theo Ceccato (bateria) e Manu Julian (vocal) têm desenvolvido desde a segunda metade da década passada, o registro transita por entre estilos em uma delirante combinação de elementos.

Canções que começam pequenas, crescem aos poucos e conduzem a experiência do ouvinte para lugares completamente inimagináveis.

Embora caótico, sobrevive no repertório montado pela banda um curioso senso de aproximação entre as faixas. Concebido durante o período de isolamento social, o registro sustenta na construção dos versos um fino toque de melancolia.

São composições que tratam da sensação de deslocamento, medos e angústias compartilhadas pelos próprios artistas, como um acumulo das experiências vividas durante a pandemia. “Mesmas pessoas / Mesmas conversas / Mesmas fofocas … E você enjoou de mim“, desaba a letra de mesmasmesmasmesmas, música que sintetiza parte da poesia entristecida que costura o trabalho.

São canções montadas a partir de cenas e fragmentos simples do cotidiano. Instantes em que vamos de aventuras noturnas a verdadeiros mergulhos na mente dos próprios realizadores, como um incessante fluxo de pensamentos, memórias de um passado ainda recente e momentos de maior vulnerabilidade emocional.

“Resolver tudo que posso, passo / Resolver tudo o que é fácil / Não tem nada tão difícil quanto não ter problema nenhum“, reflete Julian em Nunca Sozinha, Sempre Mal Acompanhada, outra importante manifestação do lirismo contemplativo que embala a experiência do ouvinte até os minutos finais do disco.

Claro que essa poética existencial, por vezes dolorosa, em nada prejudica a fluidez e bom humor que orienta o desenvolvimento do trabalho desde os minutos iniciais, em O Sgt. Peppers Foi Decapitado.

Entre movimentos rápidos e mudanças repentinas de andamento, fica bastante evidente o entusiasmo e versatilidade do quinteto mesmo na curta duração de suas faixas. Um bom exemplo disso acontece em Vampirinhos do Amor. Pouco mais de um minuto em que o grupo brinca com as possibilidades, ritmos e vozes sem necessariamente romper com a essência pop que parece explícita em cada célula do registro.

Longe de parecer uma obra fechada, Foi Mal se sustenta como um verdadeiro agregado de informações. O próprio processo de concepção do trabalho, com os cinco músicos morando juntos durante um período, dividindo a mesma casa, parece ter contribuído para esse resultado deliciosamente instável.

Canções como Yo La Tengo Na Casa do Mancha, com seus diálogos momentâneos e camadas de guitarras, ou mesmo Julho de 2015, parceria com a cantora Laura Lavieri, que parecem geradas a partir da sobreposição de ideias, como se diferentes propostas criativas fossem condensadas pela banda dentro de cada composição.

Naturalmente, esse excesso de informações que evoca o pop anárquico de nomes como Deerhoof e The Fiery Furnaces, tende ao exagero em diversos momentos. São músicas como Medo De Ficar Pelado, que mesmo executada de forma interessante, soa muito mais como uma sobra do trabalho de Lauiz em carreira solo do que uma criação pertencente ao registro.

E isso fica ainda mais evidente na segunda metade do álbum, quando o grupo brinca com canções quase inacabadas. Entretanto, como indicado logo nos minutos iniciais e no próprio título da obra, Foi Mal é um disco que joga com regras próprias e qualquer acréscimo, por mais caótico que possa parecer, contribui para o estranho território criativo explorado pelo quinteto.

Fonte Cleber Facchi – Música Instantânea