Jacob Collier

Talento sem fim

Clipe Running Outta Love traz groove elaborado de Jacob Collier, músico inglês de apenas 26 anos, dono de um talento imenso em vários ritmos e estilos.

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O clipe Running Outta Love, do multi instrumentista inglês Jacob Collier, com participação da vocalista americana Tori Kelly, é uma faixa do álbum – Djesse Vol. 3, lançado no ano passado, e revela todo o talento da dupla.

Em Running Outta Love, exibe toda sua polivalência: Jacob toca baixo, guitarra, bateria, teclado, faz os vocais e usa até pote de vidro como percussão!

Jacob Collier é, possivelmente, um dos maiores gênios musicais vivos. Parece um elogio tão absurdo que chega a soar genérico, mas neste caso é talvez a única forma de mensurar o tamanho da capacidade do britânico de 26 anos.

Não à toa, Jacob foi apadrinhado pelo lendário Quincy Jones e já acumula quatro Grammys entre os seus três discos lançados antes de 2020. O mais recente promete expandir tudo isso ainda mais ao trazer uma sonoridade mais palatável do que nunca — Djesse Vol. 3 vem recheado de participações, reunindo nomes como Jessie Reyez, T-Pain, Tori Kelly, Daniel Caesar e mais.

Conhecido por seu extenso uso de rearmonizações e, naturalmente, trazendo uma forte influência do Jazz e de gêneros mais tradicionais, Jacob incorpora tudo isso em uma roupagem que vai do Pop ao Folk na terceira edição da “expedição” Djesse, um verdadeiro passeio pela mente genial do cantor e multi-instrumentista.

O jornalista Felipe Ernani, do portal Tenho Mais Discos Que Amigos, teve o prazer enorme de conversar com Jacob sobre esse trabalho, seu contato com a música brasileira e muito mais.

Confira na íntegra a seguir, uma cortesia do TMDQA.

Oi, Jacob! É um prazer enorme estar falando com você, espero que esteja tudo bem por aí. Queria começar te parabenizando pelo Djesse Vol. 3, que está incrível tal qual os dois volumes anteriores. Uma das coisas mais legais desse projeto é o fato de que ele mostra não apenas todo o seu talento, mas o das pessoas que colaboram com você. Quão divertido foi fazer esses discos, em especial o mais recente, envolvendo tanta gente boa?

Olá! Tudo certo aqui sim! Foi enorme fazer isso, é algo que eu sempre quis. Fazer uma obra de arte gigantesca e colaborativa, especialmente tendo feito meu primeiro álbum, In My Room, completamente sozinho e no meu quarto — este que estou agora, inclusive. Foi um desafio realmente interessante para mim, me jogar nesse mundo da música em maior escala e começar a ter esses diálogos e conversas que vão desde orquestras até guitarristas de Rock e rappers e trappers e cantores de Soul, sabe?

Acho que, pra mim, eu aprendi uma coisa completamente nova com cada pessoa que já colaborei. Mas esse álbum foi uma espécie de devoção intensa e concentrada desse tipo de aprendizado, o que eu amo! É tão divertido visitar essas pessoas em seus mundos musicais e extrair algo que me deixa empolgado. É maravilhoso.

Incrível! Bom, apesar dos discos todos terem o mesmo nome e serem parte de uma mesma série, todos eles soam muito diferentes entre si. Primeiramente, queria saber o que te fez se aproximar tanto do R&B, do Rap, do Trap nesse álbum?

Era algo que eu queria fazer há eras! Eu não tinha necessariamente a “roupagem” certa para realmente fazer isso e explorar isso até então. Mas crescendo eu só queria saber do Prince, do Earth, Wind & Fire, e do Stevie Wonder, então pra mim foi uma parte tão grande do meu paladar musical enquanto criança, sabe? E eu era uma “esponja”.

E tipo, eu ouviria Prince no mesmo dia que eu ouvia, sei lá, Björk. E eu acho que, pra mim, a diversão está em encontrar uma forma de construir uma ponte entre Stevie Wonder e Björk e fazer isso ter algum sentido!


E como tudo isso se conecta, a ponto de se encaixar no mesmo projeto?

Olha, quando eu saí nessa aventura eu queria… acho que fazer esse álbum que refletisse, que refletisse precisamente, a íntegra do meu universo musical e dos meus gostos em uma linha única. E foi um desafio enorme — começou como um projeto de um único álbum, e se expandiu para dois, depois três, e finalmente estamos em quatro [Jacob já confirmou que fará Djesse Vol. 4].

E eu acho que o que eu descobri quando eu comecei o processo foi que se eu tentar fazer tudo de uma vez eu não consigo realmente me aprofundar em nada, fica tudo a nível superficial. Por exemplo, com a orquestra: eu queria fazer um disco inteiro — Djesse Vol. 1 — com a orquestra, para explorar como seria fazer isso. E eu mesmo fiz a orquestração, os arranjos, e esse processo foi um verdadeiro desafio mas foi muito divertido.

E para o Djesse Vol. 2 a abordagem de composição foi explorar a música Folk, a World Music, eu queria me aprofundar nisso. Então eu senti que para cada um desses universos, cada um desses espaços diferentes, eu trouxe vários colaboradores para ter espaço para me aprofundar. Mas eu não planejo muito além do “vai ser aproximadamente este tipo de espaço”, sabe? E aí, quando eu planto algumas sementes, é interessante ver no que elas se tornam e para o Djesse Vol. 3, por exemplo, eu devo ter escrito umas 30 ou 40 músicas e só 12 entraram no disco.

Obviamente o meu trabalho é meio que fazer uma curadoria, sabe, da jornada. Encontrar um caminho através dessas diferentes passagens que nos faça perceber algum sentido e aí convidar esses colaboradores para me ajudarem a contar a história.

Uma coisa que eu sempre gosto de perguntar — principalmente quando é alguém que sempre tem tanta coisa legal a dizer como você — é se há alguma curiosidade interessante sobre o disco que você possa nos contar.

Tem tantas! Há tantas camadas diferentes de histórias. Vou te contar duas!

A primeira é sobre como surgiu a música com a Tori Kelly, que foi uma loucura. Eu e a Tori Kelly nos conhecemos aleatoriamente no corredor dos Grammys em 2017, e foi muito selvagem — eu nem esperava estar lá, mas eu estava e a Tori Kelly estava lá! E foi super empolgante e legal e nós nos encontramos muito rápido, tipo 10 segundos, e falamos tipo “A gente devia fazer uma música”, “Ok, vamos fazer uma música!”. E aí adiante uma semana e eu acabei perdendo o meu passaporte em uma tempestade de neve, então eu estava ilhado nos EUA. E aconteceu que a Tori tinha esse dia livre nessa semana em que eu fiquei ilhado — faz muito tempo, acho que foi em Fevereiro de 2017 — e a gente começou a fazer essa música. E eu gravei aquilo, e foi na verdade a primeira música que eu gravei para qualquer um dos volumes do Djesse. Ela veio antes dos 2 primeiros volumes. E eu deixei aquela música no meu computador por um ano e meio, eu não toquei nela — estava com medo, era muito especial! Mas eu voltei a trabalhar nela depois e ela foi a última pessoa a vir aqui em casa gravar antes da quarentena, ela foi a última pessoa a me visitar. Mas ela veio e cantou algumas coisas e foi bem, bem divertido, e terminamos por ali!

A outra — ah, são tantas! — mas a outra bem legal é sobre o método que eu venho gravando. Tem uma música chamada “In Too Deep”, com a Kiana Ledé, e é uma das minhas preferidas no álbum e o que rolou foi que eu instalei uma espécie de programa que me deixa controlar o computador da Kiana remotamente, instalei o Logic [software de gravação de músicas] no computador dela, coloquei todos os meus atalhos do teclado e eu realmente fui capaz de gravar e até editar tudo no computador dela! Eu mandei uns microfones para ela no correio e dei umas instruções, tipo, “plugue isso aqui, plugue isso ali” e fizemos toda a sessão remotamente! Ela estava em Los Angeles e eu em Londres — ou seja, 8000km distantes — mas fomos capazes de interagir em tempo real, e ela testou umas coisas, a gente teve uma comunicação legal. Isso foi muito bom.

E, na verdade, boa parte desse álbum foi gravado e mixado e produzido no isolamento. Foi um desafio, mesmo, mas foi extremamente divertido e foi algo que me ensinou muito. Você consegue fazer tanto dessa forma hoje em dia!

Poxa, legal demais! Obrigado por compartilhar as histórias! Jacob, além das suas músicas, outra coisa que eu adoro é quando você participa de vídeos — seja fazendo improvisos ou só falando de música, porque você parece sempre estar tão empolgado com tudo. Como é a sua relação com a música hoje em dia? Quanto tempo você acha que passa envolvido com música por dia? [risos]

[risos] Uau, é quase como se fosse um rio que flui o tempo todo e eu tenho como abrir ou fechar a torneira quando quero. É só abrir e vem toda a música! [risos] Ou eu posso dizer tipo, “Já deu”. Mas está sempre ali. É quase como uma segunda língua para mim. É algo que eu geralmente estou pensando sobre, concebendo coisas. Eu não diria que eu necessariamente toco música o dia todo, mas eu acho que se eu não estou criando ativamente, eu provavelmente estou pensando nisso ou planejando algo, ou algo assim. É bem raro que eu tenha um dia qualquer sem música.

Eu imaginei! E você é uma pessoa de várias influências, inclusive sei que você já trabalhou com o querido e ótimo músico brasileiro Pedro Martins antes…

Ah! Claro! O Pedro é um belo músico.

Através desse contato com ele ou da sua vivência na música em geral, o que você já conheceu da música brasileira? Tem alguma influência dela no seu trabalho?

Absolutamente sim! É onde tantas das músicas que eu amo nasceu. Eu me lembro de descobrir o Hermeto Pascoal quando eu tinha uns 14 anos e eu fiquei tipo… [cara de assustado] “Ah, ok… Então isso é possível agora?”. [risos] Uma loucura. Isso foi incrível. Também tem uma banda que eu me apaixonei, chamada Boca Livre, é um grupo de músicos que canta em conjunto na banda, e tudo isso me deu uma ótima ideia de como eu queria que fosse a sensação da música, porque todos eles trazem um ingrediente diferente e cantam uma parte diferente. Para mim, a voz é tão, tão importante.

Há tanta música no Brasil que gira em torno da voz! Pode ser uma das razões pela qual eu amo tanto. Mas toda a tradição do Samba é de cair o queixo quando você vê em ação — tipo, você ouve histórias e tal, mas quando você está ali, é fenomenal! É incrível.

Eu toquei algumas vezes no Rio, em São Paulo, e aliás uma das minhas primeiras apresentações da vida foi em Paraty e eu nunca vou esquecer. É um lugar tão especial, e as pessoas vivem e respiram música aí de uma forma tão diferente.

Enquanto eu preparava essa entrevista, fui ver algumas outras conversas suas e em uma delas vi você se descrevendo como um “maximalista” da música. [risos] Isso me deixou curioso para saber o que você pensa de música minimalista — e não digo no sentido de artistas como Philip Glass e tal, mas sei lá, bandas do Punk, com sonoridades cruas…

Eu amo! Eu amo essas coisas! Tem tantas formas com as quais você pode se conectar com a música, eu acho, e o que eu amo por exemplo sobre o Rock e o Punk é que te envelopa completamente e você não precisa pensar muito sobre ela, porque é como se você fosse parte daquilo fisicamente.

Eu diria, aliás, que o mesmo é verdade para o Samba também. É tão físico, tão visceral! E há outros tipos de música que se você olhar bem com uma lupa você consegue descobrir esse DNA e todas essas coisinhas que você ama, e há outras que funcionam bem na superfície. Mas eu acho que, pra mim, não há uma regra absoluta. A música não tem que ser sempre maximalista [risos]. Ou sempre minimalista.

Eu acho que é uma escala espacial, do tamanho do espaço que você quer retratar, o tamanho da distância que você quer colocar entre o ouvinte e a música, e acho que eu estou aprendendo muito sobre isso agora — especialmente com o Vol. 3, na verdade, com a produção. É tipo, como você coloca cada som em cada espaço?

E muitas vezes as afirmações vêm quando não há nada envolvendo a coisa. É só a coisa ali sozinha. Mas o espaço é abstrato — você pode dizer que há espaço musical, mas também há o espaço de frequências, o espaço do tempo, o espaço da perspectiva, o espaço lírico, o espaço da dicotomia, enfim, há tantos tipos diferentes de espaço e para mim é fascinante continuar mudando a forma com que ouço e crio música.

Isso tudo me leva a uma outra pergunta. Quando você está lidando com tudo isso e escrevendo para projetos como o Djesse, como você consegue manter tudo tão melódico — tipo, isso está relacionado com essa questão dos espaços que você falou? Porque há tantos elementos em cada música e ao mesmo tempo não parece que você esteja “forçando” isso só para ser maximalista. Tudo faz sentido, eles conversam.

Sim… sabe que eu não tenho certeza? Mas eu sinto que a primeira coisa que você tem que fazer quando começa a criar é abrir a torneira e deixar tudo sair. Para mim, eu sempre tenho uma certa ideia do que vai ser a base do que eu estou tentando criar e tenho instintos fortes sobre equilíbrio, conexão e comunicação, harmonias e tal.

Acho que todos os ingredientes estão ali. É sobre encontrar uma forma para que tudo, como você falou, converse. E leva tempo, cara! Eu realmente sou grato por esses últimos meses de quarentena, porque lá em Março eu estava prestes a sair em turnê por 10 semanas e tudo foi cancelado e eu basicamente tinha terminado o disco — ou achava que tinha — e quando a turnê foi cancelada eu pude gastar 4, 5 meses nisso.

E está tão melhor agora! Porque eu pude dizer, tipo, “Acho que eu não preciso disso!” para algumas partes. E foi aí que a coisa se escalonou pra baixo, e aliás é a primeira vez que eu decido fazer algo que é levemente menor do que o que eu concebi inicialmente. Eu concebi o Vol. 3 como essa coisa enorme, com 30 músicas e tal, e acabou sendo bem pequeno — mas eu fico feliz porque deu ao álbum uma chance de realmente ter uma identidade, e eu acho que daqui uns 4 anos eu vou realmente entender o que significa. Agora eu não sei. [risos]

Entendo! Espero que essas ideias sejam reaproveitadas algum dia! Bom, estamos quase sem tempo, então vou para minha última pergunta. Você teve educação formal na música, mas também teve muita vivência, foi “adotado” musicalmente pelo Quincy Jones… quão diferentes e importantes são essas experiências?

A coisa mais importante é aprender. Aprender é algo que você faz por você mesmo. Educação é algo que você recebe, mas aprender é uma coisa que você faz. E você pode ter anos de educação e não aprender nada, assim como pode aprender sem passar pela educação.

Eu acho que é muito importante que as pessoas comandem seus próprios aprendizados. Acho que hoje em dia é algo realmente possível, e no fim do dia é a responsabilidade de cada um atingir o pleno potencial de suas próprias habilidades para que possam explicar para quem está de fora o que está acontecendo em suas mentes, entende? Acho que isso é algo realmente legal.

Eu não acho que eu tenha aprendido a maioria do que sei sobre música no meu tempo na educação formal — que nem foi particularmente longo, eu fiquei estudando música formalmente por uns 3 ou 4 anos, ali entre os 17 e 20, ou tipo, 16 aos 19, sei lá. E até então eu era autodidata e isso fez com que passar pela educação fosse desafiador, porque eu tinha todos os meus próprios sistemas já definidos, sabe? E eu tive que adotar esses outros sistemas, que foram realmente interessantes quando eu passei a entendê-los. Mas eu acho que dentro da educação o ponto é, às vezes, aprender e coletar todos esses pedaços de informação — mas esse não é o ponto na vida real, entende?

O ponto na vida real é dar tudo aos outros, criar coisas. E eu realmente aprendi isso. Especialmente nos últimos 5 anos, não estando na educação formal, e eu acho que aprendi muito mais tendo saído desse sistema sobre as coisas que eu estava aprendendo dentro dele. Só aqui, do lado de fora, no mundo real, fazendo essas coisas. Porque eu acho que quando você sente o cheiro das coisas, toca nas coisas, fala com os músicos que te inspiram, você aprende em um ritmo muito mais rápido.

Eu encorajaria fortemente as pessoas a serem estudantes do mundo, sabe, mais do que se você for estudante de qualquer instituição — aliás, até se você for um estudante de alguma instituição, é muito importante ser responsável pelo seu próprio aprendizado.

Legal demais! Muito obrigado, Jacob! Foi um prazer enorme conversar com você. Até a próxima!

Obrigado a você! O prazer foi meu! Até mais.

Fonte Tenho Mais Discos Que Amigos.