O mundo era um lugar chato até a primeira metade dos anos 60. Os homens andavam só de terno, as mulheres usavam uns vestidos certinhos, os cabelos eram comportados e as atitudes previsíveis.
Até mesmo o grande grupo The Beatles era meio caretinha, com seus terninhos, guitarrinhas light, sem peso nenhum, aqueles vocais do Ye-Ye-Ye. Mas, a partir do álbum Revolver, o sétimo da banda, gravado em 1966, os caras de Liverpool começaram a tomar LSD e aí a coisa começou a pirar da Inglaterra num grande barato a impregnar o mundo todo.
Não que eles tenham sido os pioneiros da psicodelia, pois nos Estados Unidos já havia uma cena hippie em San Francisco e Los Angeles. Mas, como eles eram os caras mais populares daquilo que ficou conhecido como British Invasion, a influência deles espalhou-se rapidamente pelo ocidente: os homens passaram a usar roupas coloridas, os cabelos cresceram, as mulheres vestiram saias curtas, blusas sensuais e provocantes, e, enfim, o mundo passou a prestar mais atenção no que os jovens tinham a dizer.
Nos Estados Unidos, os hippies eram contra a guerra do Vietnã e se uniam aos negros nas passeatas e batalhas campais contra a polícia por igualdade de direitos. Na França, os universitários também promoviam sua intolerância e questionavam as autoridades. Até mesmo na comunista Tchecoslováquia, onde tudo era repressão stalinista, a primavera de Praga dava sinais de que todo mundo já estava de saco cheio de ditaduras, fosse de esquerda, direita ou centro.
O mundo já não era mais o mesmo e no Brasil a ditadura militar descia o pau na moçada revolucionária ao som do tropicalismo, isso por volta de 1968. E a banda paulistana Os Mutantes reinava no cenário underground e nos festivais de MPB.
Formada pelos irmãos Arnaldo e Sérgio Batista e com Rita Lee moleca, eles foram ao mesmo tempo nossos Beatles, Stones, Doors e Jefferson Airplane, segundo uma descrição bacana que li em algum lugar. Porém, com a vantagem de incluir elementos brasileiros na feijoada completa.
Neste clima de paz e amor, drogas, sexo e rock’n’roll, estava decretada a luta contra o sistema e a música era uma das armas.
A poesia crítica de Bob Dylan, o blues ácido do The Doors, a poesia delirante do Velvet Underground, patrocinada pelo pop artista Andy Warhol, o escracho do The Mothers of Invention e a popularização desta loucura toda por meio dos Beatles e dos Rolling Stones eram os elementos propulsores da contracultura que iria dominar a cena musical dali em diante, trazendo efeitos colaterais irreversíveis à juventude.
Chuck Berry, Little Richards, Elvis Presley já havia sido revolucionários nos anos 50. Porém, nos anos 60, quando juntaram LSD ao blues negro e ao country branco, a parada enlouqueceu de vez e o festival de Woodstock, realizado no final de 1960, foi o ponto alto deste crossover envolvendo música, comportamento e imersão na cultura indiana, com reflexo na artes plásticas, literatura, cinema, imprensa, moda, teatro, psicanálise, feminismo, ecologia, espiritualidade.
Até mesmo o surfe sofreu grandes mudanças e transformações, com a transição do longboard para as mini models, o que revolucionaria o esporte e o levaria à sua grande popularização nos anos 70 por meio dos Beach Boys, do filme Endless Summer, do seriado Hawaii 5.0 e da revista Surfer.
Portanto, depois de lançar playlists dos anos 80 e 70, Ondas Sonoras abre o baú dos anos 60 e resgata algumas pérolas perdidas, como The Pretty Things, Small Faces, Spencer Davis Group ou Chocolate Watch Band, até os pesos-pesados The Doors, Stooges, Animals ou Jefferson Airplane.
O fato é que os anos 50 são a base de tudo, mas os anos 60 revolucionam e balançam as estruturas de modo sem igual, impactando todas as gerações que viriam em seguida, a ponto de terem influenciado geral, tanto do ponto de vista musical, como o do way of life. E o mundo ocidental jamais foi a mesma caretice dos tempos em que a vida besta se resumia aos almoços em família, bailinhos no quintal e igreja aos domingos.
Antes, no nascimento do rock’n’roll, as letras falavam de amor, desilusão, carros, garotas impossíveis, baladinhas e bebedeiras. Já nos 60, o ambiente descamba para viagens de LSD e outras drogas ilicitamente pesadas. O guitarrista quer beijar o céu, outro quer derrubar o governo racista e nunca mais o rock foi convencional em suas mensagens contraculturais, subversivas ou demasiadamente sexuais.
Portanto, natural abrir a playlist com Revolution, dos Beatles e fechar com Magic Fingers, do álbum conceitual 200 Motels, de Frank Zappa, trilha-sonora do primeiro longa metragem filmado em videotape da história, embrião daquilo que seria o videoclip como conhecemos hoje em dia. Boa viagem!
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