Há um ano a faixa de areia na Praia Central de Balneário Camboriú, no Litoral Norte catarinense, passou de 25 para 70 metros. A conclusão da megaobra ocorreu em 3 de dezembro de 2021, nove meses após o início dos trabalhos. Desde então, alguns episódios chamam a atenção no local, como os aparecimentos de “degraus” e lagoas.
Além disso, algumas etapas previstas para depois da obra de alargamento ainda não estão prontas. Entre elas, a ampliação do calçadão e o plantio de restinga, uma exigência do licenciamento ambiental da obra, o que preocupa geólogos.
O alargamento foi projetado com objetivos ambientais e turísticos. Segundo a prefeitura, a alteração vai permitir, além da proteção da orla contra o avanço das marés, a criação de espaços privilegiados para os moradores e os visitantes.
Neste marco de 12 meses após o alargamento, o G1 ouviu especialistas, que alertaram para a influência de mudanças climáticas na praia, principalmente em relação a elevação do nível do mar e alterações na biodiversidade local.
“A natureza resgata tudo o que é dela de novo, é uma questão de tempo. Se vão ser cinco, 20 anos, não se sabe”, resume o geólogo Juarês José Aumond.
Ele, que também é professor da Universidade Regional de Blumenau (FURB), ainda avalia que há a possibilidade de a água, com a elevação do nível do mar, passar por baixo do alargamento e chegar às bocas de lobo.
A prefeitura, no entanto, afirma que a obra está estável e que mais projetos são planejados para melhorar a infraestrutura urbana.
Mudanças climáticas
A elevação do nível do mar foi citada por Aumond e pelo professor de ecologia e oceanografia Paulo Horta, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), como uma situação preocupante globalmente, e que pode afetar a Praia Central.
“O nível do mar deverá aumentar em função do aquecimento global, do degelo dos glaciários. E todos esses grandes glaciares estão degelando, esse degelo de áreas continentais eleva nível do oceano. A água não cabe dentro da caixa oceânica e ela acaba transgredindo sobre a área continental”, declara Aumond.
Sobre a possibilidade de a água passar por baixo do alargamento, ele diz que “essa água vai migrar subterraneamente até a área litorânea, onde está a cidade. Vai migrar nas bocas de lobo, nos sanitários mais baixos”.
Outro problema que pode ocorrer com a elevação do nível do mar, segundo ele, é a salinização da água. “Teremos um tratamento de água mais complicado”, resume Aumond.
Os professores também se preocupam com a influência da obra na flora e fauna da praia. “Estamos mudando ecossistema marinho, começaram a aparecer tubarões”, diz Aumond. Ele se refere aos cerca de 30 animais vistos entre agosto e outubro do ano passado, durante as obras.
Paulo Horta completa que falta conhecimento sobre a real situação da biodiversidade do lugar. “Precisamos identificar os sistemas que foram perdidos com o engordamento, toda a flora comprometida nos costões. Essas formações podem ser restauradas, isso ajuda que a vida retorne com mais velocidade”.
“Não se sabe qual o tamanho do comprometimento porque os estudos não tiveram a necessária abrangência para as áreas adjacentes”, complementa Horta.
Meio ambiente
Um dos fatores para a elevação do nível do mar é o aquecimento global, afirmam os professores. “O CO2 [gás carbônico] é o grande provocador do efeito estufa.
Mudanças climáticas sempre ocorreram e foram processos naturais. Nestes 4,5 bilhões de anos da Terra, pela primeira vez uma única espécie está conseguindo mudar isso, provocando uma aceleração do aquecimento global”, diz Aumond.
Uma ação de aliviar esses problemas foi sugerida por Paulo Horta. “Plantando restinga, marisma, vegetação que vai segurar a areia e vai absorver gás carbônico”, resume.
Essa solução, do plantio de restinga, é uma exigência do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) para dar o licenciamento ambiental à obra de alargamento.
Um projeto-piloto de plantio de mudas de restinga foi feito na Barra Sul no meio do ano para que se possa verificar como a vegetação vai se comportar ao longo do tempo.
A secretária municipal do Meio Ambiente, Maria Heloisa Lenzi, afirma que há 700 metros quadrados de plantio em 13 bolsões “para avaliar como será o desenvolvimento da restinga”.
Foram plantadas quatro espécies: Ipomea pes-caprae (pé-de-cabra), Blutaparon portulacoides, Hydrocotyle bonariensis (erva-capitão) e Panicun racemosum (capim-das-dunas). “Todas são espécies de restinga herbácea que não crescem mais do que alguns centímetros”, diz a secretária.
“As mudas estão se desenvolvendo bem e estão sendo monitoradas pela empresa responsável e pela SEMAM [Secretaria Municipal do Meio Ambiente]. Sempre que necessário, estão sendo replantadas”, afirma.
O plantio no restante da orla, porém, será feito após a reurbanização da Praia Central, confirma a secretária.
Sobre estudos relacionados à biodiversidade, Lenzi diz que houve programa com monitoramento semanal na fase das obras e agora há alguns com periodicidade mensal e outros trimestral.
“No que se refere à biota, não houve alterações significativas do que já ocorria antes da obra. As espécies que tiveram mudanças foram aquelas associadas ao fundo arenoso. Algo que já era esperado”, diz a secretária. Entre as espécies relacionadas ao fundo arenoso, ela esclarece que são crustáceos.
Em relação à elevação do nível do mar, o gestor do Fundo de Outorga Onerosa de Transferência do Potencial Construtivo (FETPC) de Balneário Camboriú, Rubens Spernau, diz que o alargamento levou isso em conta.
“O projeto pegou os níveis máximos em 100 anos para definir isso, acima da maré a altura que protegeria a infraestrutura urbana, os prédios”, declara. Essa altura é de 2,60 metros, segundo ele.
Já a macrodrenagem foi citada por ele como uma forma de evitar que a água transborde nas bocas de lobo. Segundo Spernau, não há conexão entre o mar e esse sistema. “Claro que somos uma cidade costeira, com a maré alta vamos ter problemas com drenagem”, afirma.
O projeto para a macrodrenagem deve ficar pronto este mês, de acordo com Spernau, e as obras devem começar após a alta temporada.
O objetivo da obra na macrodrenagem é dar mais vazão à água. “O esgotamento da água da chuva vai para o Rio Camboriú e a foz do canal do Marambaia, no lado Norte”.
“Da Rua 2.500 até 1.101, com destaque para a Praça Almirante Tamandaré, nos momentos de chuva muito forte, a água vinda da Avenida Brasil, dos Bairros das Nações, essa água acaba transbordando, por isso nessa região a gente vai criar uma galeria adicional, com mais capacidade de vazão”, diz.
Fonte G1