Turbinados pelas alterações climáticas, os oceanos do mundo superaram os recordes de temperatura todos os dias durante 12 meses, revela uma análise feita pela BBC.
Quase 50 dias superaram as temperaturas máximas registradas para a mesma época de anos anteriores, segundo dados de satélites.
Os gases que aquecem o planeta são os principais culpados pelo fenômeno, mas o evento climático natural El Niño também ajudou a aquecer ainda mais os oceanos.
O superaquecimento dos oceanos atinge duramente a vida marinha e provoca uma nova onda de branqueamento de corais.
A análise baseia-se em dados do Serviço Climático Copernicus, da União Europeia.
O Copernicus também confirmou que o mês passado foi o abril mais quente já registrado em termos de temperaturas do ar. Esses recordes também foram batidos nos 11 meses anteriores.
Durante muitas décadas, os oceanos do mundo foram vistos como a “válvula de escape” da Terra em termos de alterações climáticas.
Eles não só retêm cerca de um quarto do dióxido de carbono produzido pelos humanos, como também absorvem cerca de 90% do excesso de calor.
Porém, durante o ano passado, os oceanos apresentaram as evidências mais preocupantes de que enfrentam dificuldades para lidar com a situação — a superfície do mar sente particularmente.
A partir de março de 2023, a temperatura média da superfície dos oceanos começou a subir cada vez mais acima da média de longo prazo, e atingiu um novo recorde máximo em agosto do ano passado.
Os meses subsequentes não representaram trégua alguma: a superfície do mar atingiu um novo máximo diário médio 21,09 ºC em fevereiro e março de 2024, de acordo com dados do Copernicus.
Como é possível ver no gráfico abaixo, não apenas todos os dias desde 4 de maio de 2023 estão acima dos recordes anteriores de temperatura — mas em alguns dias a margem em relação aos registros passados foi enorme.
Em cerca de 47 dias nesse período, o recorde de temperatura foi superado em pelo menos 0,3°C, segundo a análise da BBC a partir de dados do Copernicus.
Nunca antes, na era dos satélites, foi observada uma diferença tão grande.
Os dias com maior recorde foram 23 de agosto de 2023, 3 de janeiro de 2024 e 5 de janeiro de 2024, quando o recorde anterior foi batido em cerca de 0,34ºC.
“O fato de todo esse calor ir para o oceano e gerar um aquecimento com uma rapidez maior do que pensávamos é motivo de grande preocupação”, afirma Mike Meredith, do grupo de pesquisa British Antarctic Survey.
“Esses são sinais reais de que as alterações no ambiente movem-se para áreas onde realmente não queremos que elas estejam. Se continuarmos nessa direção, as consequências serão graves”, alertou ele.
Enorme impacto na vida marinha
O aquecimento dos oceanos provocado pelo homem tem impactos consideráveis na vida marinha global — e pode até alterar o ciclo sazonal das temperaturas do mar, de acordo com um estudo recente.
Talvez a consequência mais significativa do calor recente tenha sido o branqueamento em massa dos corais em todo o mundo.
Essas estruturas, que são os principais viveiros oceânicos, ficam brancas e morrem porque as águas ficam muito quentes. Elas são um elemento crítico do ecossistema oceânico, onde vivem cerca de um quarto de todas as espécies marinhas.
Mares excepcionalmente quentes também podem afetar diretamente uma das criaturas oceânicas mais queridas do continente mais frio: o pinguim-imperador.
“Há exemplos de colapso do gelo marinho antes dos filhotes imperadores terem emplumado adequadamente, com episódios de afogamento em massa”, diz Meredith.
“O pinguim-imperador é uma espécie ameaçada devido às alterações climáticas, e o gelo marinho e as temperaturas do oceano estão fortemente implicados nesse processo”, complementa ele.
No Reino Unido, o aumento da temperatura do mar faz com que uma série de criaturas desapareçam completamente das zonas costeiras. É o caso de algumas espécies de cracas, por exemplo.
“O problema das alterações climáticas é que elas acontecem muito rápido para que a evolução as acompanhe”, explica a bióloga marinha Nova Mieszkowska, da Universidade de Liverpool, na Inglaterra.
Na costa do País de Gales, uma equipe da Universidade de Aberystwyth utiliza a mesma tecnologia da polícia para rastrear mudanças na população marinha.
Ao coletar vestígios de DNA em amostras de água, os cientistas descobriram que algumas espécies invasoras estão prosperando, incluindo uma criatura chamada ascídia, que parece ter vindo do Japão e cresce como um tapete no fundo do mar.
“Eles impedem o crescimento de organismos nativos”, resume o professor Iain Barber, chefe de Ciências da Vida na Universidade de Aberystwyth.
“As ascídias se dão tão bem no nosso ambiente que podem potencialmente ocupar grandes áreas do fundo do mar.”
As espécies invasivas parecem responder com mais intensidade ao aquecimento global e ao aumento da temperatura da água, observa o professor Barber.
O El Niño
Um fator importante que tornou o último ano ainda mais impactante para os mares de todo o mundo foi o fenômeno climático El Niño, que se soma às emissões de gases que aquecem o planeta.
O El Niño faz com que águas mais quentes cheguem à superfície do Oceano Pacífico.
Como resultado, há uma tendência de elevação da média global de temperatura.
O El Niño entrou em ação em junho de 2023 — após um período prolongado de condições mais frias de La Niña — e atingiu um pico em dezembro, embora desde então tenha perdido força.
Mas outras bacias oceânicas que normalmente não são afetadas pelo El Niño também experimentaram ondas de calor marinhas acima da média — o que deixa cientistas intrigados sobre o que realmente está acontecendo.
“O Oceano Atlântico está mais quente do que o habitual e este não é um padrão que normalmente associamos ao El Niño — portanto, é algo de alguma forma diferente”, avalia Carlo Buontempo, diretor do Copernicus.
Esse calor ainda persiste em muitas bacias oceânicas, incluindo a região tropical do Atlântico.
Os mares mais quentes fornecem energia extra às tempestades tropicais, o que poderia ajudar a alimentar uma temporada de furacões potencialmente danosa.
“Ainda existe uma grande área de água mais quente do que o normal no Atlântico tropical e esta é a principal região de desenvolvimento de ciclones tropicais”, explica Buontempo.
“Estamos quase um mês adiantados na temperatura da superfície do mar no Atlântico em relação ao ciclo anual. Portanto, esta é uma área que precisa ser vigiada”, antevê ele.
Além dos impactos imediatos, os investigadores alertam que haverá consequências a longo prazo às quais a sociedade terá de se adaptar.
É provável, por exemplo, que o derretimento das camadas de gelo e o aquecimento das profundezas dos oceanos continuem a alimentar a subida do nível do mar nos próximos séculos.
“Quando falamos de alterações climáticas, tendemos a reduzi-las às mudanças na superfície porque vivemos lá”, diz Angélique Melet, investigadora da ONG Mercator Ocean International.
“No entanto, as profundezas do oceano são um dos aspectos [do aquecimento global] que nos comprometem com séculos e milénios de alterações [climáticas].”
Mas Melet sublinha que isso não é motivo para desistir da redução das emissões.
“A depender das nossas ações, podemos reduzir a velocidade desse aquecimento e diminuir a amplitude geral desse aumento de calor e da subida do nível do mar”, conclui ele.
Fonte BBC News