Em agosto de 2019, praias nos municípios de Pitimbu e Conde (ambas na Paraíba) amanheceram com manchas de óleo. Parecia algo isolado, mas o problema ganhou enorme proporção e se tornou o maior acidente ambiental do litoral brasileiro, sem precedentes históricos no mundo.
Passados seis meses e com 1.009 praias afetadas em 11 estados (todos do Nordeste, além de Espírito Santo e Rio de Janeiro), a descoberta do causador do vazamento já é descartada por especialistas que participam da investigação.
“A etapa que a gente está não é mais de saber de onde veio, quem é o causador. Isso já se perdeu, teria dado certo se tivesse acontecido e a gente chegasse perto da fonte. Acho que agora é só avaliar os impactos”, afirma o professor Rivelino Martins Cavalcante, do Instituto de Ciências do Mar da UFC (Universidade Federal do Ceará).
O pesquisador explica que a dificuldade do caso ocorre porque a fonte do vazamento do óleo cessou. “E ele já se dissipou todo. Hoje, ele está em um tamanho micro e até molecular. Não tem mais como encontrar de onde ele saiu”, diz.
A opinião é compartilhada por outros cientistas. “É muito provável que isso ocorra (que não achemos o causador)”, afirma o professor Humberto Barbosa, coordenador do Lapis (Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).
Barbosa integrou o grupo de cientistas que se debruçou nas investigações. Ele e sua equipe chegaram a apontar navios suspeitos, mas que acabaram sendo descartados depois.
Como praticamente todas as imagens de satélite possíveis já foram analisadas por todos os órgãos, a situação agora é de pouca esperança. “Pelo tempo que faz, a análise de imagens retroativas é complexa. O que pode ocorrer é emergir mais resíduos vindos do fundo do mar”, diz.
Investigações em curso
No início da chegada do óleo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) chegou a culpar a Venezuela. Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cogitou ação de sabotagem de ONGs. Mas nenhuma dessas hipóteses se mostrou plausível.
O caso ainda é investigado em outras esferas. Há a investigação sigilosa correndo na Marinha. No âmbito criminal, uma apuração foi aberta por PF (Polícia Federal) e MPF (Ministério Público Federal) do Rio Grande do Norte. Eles chegaram a deflagrar uma operação em novembro apontando um suspeito: o navio grego Bouboulina.
A tese, entretanto, foi descartada. Segundo o Cenima (Centro Nacional de Monitoramento e Informações Ambientais) do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis), a mancha avistada por satélite ao lado do navio na época do suposto vazamento era clorofila, e não petróleo cru.
Em nota, o MPF informou que “as investigações sobre a origem e as responsabilidades no caso do derramamento de óleo na costa brasileira seguem ativas e correm em sigilo”. “Não há novidades a serem divulgadas no momento”, complementa.
Há ainda uma investigação feita pela CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Câmara. Os trabalhos começaram em novembro e, desde então, houve a entrega de diversos relatórios — nenhum deles traz suspeita de como ou quem vazou o óleo.
Nesta terça-feira (3), haverá uma nova audiência pública para avaliação de imagens de satélites e conclusões obtidas, com convocação de INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Ibama.
Sobre a origem o óleo, pesquisadores publicaram artigo em que põem em dúvida a confirmação da origem do petróleo ser venezuelano. Para eles, faltou transparência ao governo em informar os métodos utilizados para chegar à conclusão.
Prejuízos ambientais seguem
Enquanto as investigações sobre origem seguem sem resultados, os cientistas da área ambiental seguem sua rotina para analisar o tamanho dos danos à fauna e à flora.
A doutora em oceanografia e pesquisadora da UFRPE (Universidade Federal Rural de Pernambuco), Célia Rocha, afirma que, apesar de o óleo não estar mais visível para a população, o fundo do mar ainda está repleto de fragmentos que não foram completamente limpos. “Isso inclui recifes de coral, bancos de alga”, enumera.
Segundo ela, com ajuda de microscópios, os pesquisadores conseguem visualizar as partículas microfragmentadas.
“Elas têm sido vistas tanto pelos pesquisadores que trabalham com plâncton como por nós, que trabalhamos com meiofauna — os organismos que vivem entre os grãos de areia. Dá para visualizar as micropartículas e uma consequente redução drástica das populações, porque os derivados de benzeno são extremamente tóxicos a qualquer organismo animal”, explica.
Rocha argumenta ainda que essas duas comunidades citadas são a base da pirâmide alimentar marinha.
“É o que a gente chama de teia, de rede alimentar. Consequentemente, isso vai chegar às populações que se alimentam de zooplâncton, como peixes e outros animais; e na meiofauna marinha, como crustáceos, moluscos etc.. A médio e a longo prazo, a gente ainda vai ter consequências desse óleo”, assegura.
A doutoranda em Ciências Naturais da UECE (Universidade Estadual do Ceará) Ana Eufrázio é integrante do grupo de enfrentamento à crise do óleo no estado. Ela afirma que o óleo continua aparecendo, mesmo com menor frequência e tamanho, no litoral.
“Esse óleo é extremamente denso, não flutua e fica submerso. Essa característica faz com que a gente não observe óleo na costa e na superfície, mas observa que há uma quantidade pequena na água. Claro que a parte mais significativa já chegou, mas ainda não parou de chegar. Não sabemos quanto ainda vem — e se ainda vem”, afirma.
Eufrázio ainda conta que, mesmo seis meses após a primeira notificação de óleo, ainda não é possível avaliar o dano que ele causou e causará ao decorrer dos anos.
“Os teste que fiz de toxicidade ainda não são conclusivos, são vários modelos do que esse óleo pode causar no organismo em termos de mutação genética em pessoas que tiveram contato. Mas é muito preliminar, elementar o que temos”, completa.
Fonte Carlos Madeiro / UOL