Cortando pínus com uma motosserra no Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da Conceição, em Florianópolis (SC), Alexandre Deschamps Schmidt, 40 anos, engenheiro ambiental, já foi chamado para a briga por moradores da região. Mas ele costuma andar com uma autorização do órgão ambiental e com uma lei municipal para mostrar que aquelas plantas são de uma espécie exótica invasora (EEI) e prejudiciais ao meio ambiente. “Depois de explicar, a maioria entende”, conta. O engenheiro ambiental é voluntário em um projeto que já retirou cerca de 420 mil espécimes da unidade de conservação.
Segundo o Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmico, publicado nessa sexta-feira, 1 de março, pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), iniciativas de engajamento da sociedade brasileira para combater as invasoras ainda estão aquém da necessidade. Mas uma das experiências mais duradouras e exitosas, aponta o estudo, é o controle dos pínus e a restauração da restinga nas dunas do parque de Florianópolis.
O projeto iniciou em 2010. Uma vez por mês, cerca de 15 a 20 voluntários, entre eles, pesquisadores, estudantes e biólogos, passaram a fazer expedições na unidade de conservação para cortar os pínus, usando motosserra e serras manuais ou mesmo arrancando as plantas menores com as mãos. Um estudo publicado em 2018 na Biological Invasions mostrou que, se não houvesse nenhuma iniciativa no local, um terço do parque de pouco mais de 700 hectares estaria tomado pelas árvores invasoras em 2028.
“Nós acabamos com uma invasão biológica dentro de uma unidade de conservação com o trabalho de muitas pessoas. Isso faz com que o ecossistema seja mais resiliente a tantas ameaças, como urbanização e mudança climáticas”, avaliou a bióloga Michele de Sá Dechoum, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e coordenadora do projeto – uma parceria da universidade com o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental.
Invasoras registradas
Espécies exóticas invasoras são plantas, animais e micro-organismos introduzidos de forma intencional ou não por ação humana em locais fora da sua área de distribuição natural que se estabelecem, produzem descendentes e se dispersam para novas áreas. Já foram registradas 476 espécies no território brasileiro – 268 animais e 208 plantas e algas.
O pínus (do gênero Pinus), por exemplo, é uma espécie originária do Hemisfério Norte. Começou a ser usado no Brasil, primeiro, como planta ornamental e, depois, para a produção florestal. Em Florianópolis, apesar de estar controlado no parque das dunas, é encontrado em abundância em morros, margens de rodovias, jardins e outras unidades de conservação.
As invasões biológicas são um problema em todo o mundo. O voluntário Alexandre Deschamps Schmidt chegou a trabalhar no controle de invasoras na Austrália, combatendo, inclusive, espécies brasileiras. Quando voltou ao Brasil, soube do projeto dos pínus e juntou-se ao grupo em 2014. Capacitou-se para usar motosserra, atuando até mesmo em altura, técnica usada em locais sensíveis, como perto de residências.
“Essa ação evidencia como um grupo de pessoas consegue fazer uma tremenda diferença em uma unidade de conservação”, afirma. “Pessoalmente, é um trabalho que você executa e olha pra trás e já vê o resultado. Onde tinha uma enorme população de pínus, após a ação, você só enxerga restinga. É uma esperança na manutenção dessas áreas tão importantes”.
Impactos bilionários
Os pínus, conhecidos popularmente como pinheiros-americanos, englobam diversas espécies. Algumas, como a Pinus elliottii, a principal presente no parque das dunas, crescem rápido fora do habitat natural, podendo chegar a 30 metros de altura. Espalham-se, formam aglomerados e ocupam o lugar das plantas nativas. Além disso, suas sementes podem viajar até 60 quilômetros com a ajuda do vento.
O estudo da BPBES aponta que os impactos negativos causados por invasões biológicas em ambientes naturais são 30 vezes superiores aos positivos. Além do efeito nos ecossistemas, geram prejuízos econômicos e transmissão de novas doenças – até mesmo o mosquito-da-dengue (Aedes aegypti) é considerado um invasor.
De acordo com dados do estudo, em 35 anos (de 1984 a 2019), foi estimado um prejuízo mínimo em razão dos impactos ocasionados por apenas 16 espécies exóticas invasoras entre US$ 77 bilhões a US$ 105 bilhões (cerca de R$ 382 bilhões a R$ 521 bilhões) – uma média anual de US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões.
A principal via de introdução é por meio do comércio de animais de estimação e de plantas ornamentais e hortícolas. As invasoras estão presentes em todos os ecossistemas, com maior concentração em ambientes degradados ou de alta circulação humana. A maioria das espécies causadoras de impactos negativos foi introduzida intencionalmente, como o caracol-gigante-africano, o javali, o camarão-da-Malásia e o tucunaré.
De acordo com Dechoum, que é uma das coordenadoras do relatório, o estudo mostra o que é preciso saber sobre invasões biológicas no Brasil. “Ele não dá nenhum tipo de orientação. Mas aponta caminhos possíveis e o que tem no Brasil de políticas públicas, de normas, de leis, e caminhos que podemos seguir para trabalhar com este tema. É a primeira referência que a gente tem sobre a invasão biológica supercompleta para o nosso país”.
Manejo é para sempre
Para os pesquisadores, a principal mensagem do relatório diz respeito à agilidade na tomada de decisão sobre o manejo de EEIs. Como as invasões são processos de baixa previsibilidade e alto risco, é preciso uma resposta rápida para aumentar a chance de sucesso para prevenir e mitigar suas consequências. “A inação, assim como a demora na ação, leva ao agravamento de invasões biológicas e de impactos negativos com o passar do tempo”, pontua o documento.
Um dos trabalhos atuais do grupo de Florianópolis é convencer os moradores do entorno da unidade de conservação para que cortem suas árvores. Como as sementes viajam a longas distâncias, elas podem contaminar novamente o local. Além disso, estão trabalhando com mutirão de plantio de mudas nativas, coletadas do próprio parque.
Atualmente, as incursões dos pesquisadores e voluntários no parque das dunas para cortar as invasoras têm sido menos frequentes. Mas como brotam pínus de novas sementes, seja das árvores cortadas, seja das plantas presentes nos arredores do parque, de tempos em tempos precisam fazer um novo rastreamento. Até porque “o manejo de invasoras é para sempre”, comenta Dechoum.
Fonte UOL