É muito difícil começar um texto onde a maioria dos internautas irá pensar ou dizer: “Pô, mas ele podia estar lá ajudando e está sentado escrevendo?”.
Fugindo um pouco da água, entra mais uma das tantas complexidades que envolve uma tragédia como essa que vem acontecendo aqui no Rio Grande do Sul. Com os nervos à flor da pele, qualquer tipo de expectativa em relação ao apoio às vítimas, fica demasiada, já que não sabemos o quanto essa pessoa já sofreu e de que forma ajudou ou vem ajudando durante estes intermináveis dias, desde que começou o aguaceiro.
A verdade é que praticamente todo mundo está dando a sua contribuição, até mesmo quem ficou sentado no sofá.
Independente de como, quando e de onde a ajuda vem, precisamos de ajuda! O fato é que a situação é tão brutal que tem algo bonito aí, a solidariedade genuína do povo gaúcho – que se espalhou pelo Brasil e o mundo – com muita grana sendo doada, coragem, amor, e sobretudo, compaixão. Isso é muito lindo e é o que irá ficar de mais importante, depois que as gigantescas obras/ações de reestruturação social, econômica e urbana tomarem rumo efetivo.
E tem aqueles que não ficaram sentados no sofá, que são milhares.
Ver nossos campeões mundiais engajados, Ítalo inclusive veio para o front de batalha, Lucas Chumbo, Pedro Scooby e seu conceituado crew dirigindo mais de 30h para nos ajudar, é fantástico. Sem dúvidas, todo empenho e mídia deles inspirou ainda mais gente para a missão!
Máximo respeito e gratidão a eles e toda turma que veio de outros estados com jets, barcos, botes, trabalho e equipes mega graduadas para salvar, na avassaladora parte, cidadãos de baixa renda que perderam TUDO, menos a vida, graças a estes heróis voluntários (principalmente nos primeiros dias – 2, 3, 4, 5, e 6 de maio, enquanto o governo “batia cabeça” com tanta pressão e demandas extraordinárias).
Acho justo colocar que muitos bombeiros do RS, tão criticados neste momento pela questão dos jets novos que não foram pra água, merecem muito respeito também. Lembremos que nestas corporações a ordem do comando é a lei, mesmo que seja equivocada.
Então, não acho justo crucificar todos, pois tenho amigos bombeiros que estão lá salvando desde o primeiro dia, e sim, colocaram jets oficiais na água (não os novos) antes da maioria chegar, e todos foram pro pau.
Gustavo Silva e Gabriel Gomes são exemplos de bombeiros e heróis que não merecem as críticas que estão recebendo por tabela agora. Precisamos ter cuidado em qualquer tipo de julgamento neste momento, pois realmente uma coisa é pilotar preventivamente no mar calmo de verão, outra bem diferente é pilotar no Rio Guaíba mais insano da história. Só mais uma complexidade da tragédia.
Agora, chegando aonde quero chegar, é com imenso orgulho que escrevo para exaltar as ações dos voluntários locais. Não existe alguém mais importante, e sim uma corrente humana que sustenta o pouco de otimismo que ainda nos resta. Dentro ou fora d’água, essa união de esforços merece ganhar uma estrofe no hino rio-grandense.
Quero aqui dar os parabéns e fazer um agradecimento coletivo a todos os gaúchos e gaúchas que estão doando sua saúde, seu tempo, seu trabalho, seus bens materiais e todo entusiasmo possível para ajudar o próximo.
O que vocês estão fazendo tem feito a diferença para não perdermos mais vidas, todos nós sabemos e jamais esqueceremos.
Voltando ao “surfe”, desde os primeiros dias de caos, casca-grossas locais como Leonardo Rancich, Matheus Albernaz, Cristiano Alemão, Fabiano Tissot, Iuri Silva, Jonathan Lutz, Guto Ostjen, Luis Picapau, Emerson e Jhonatan Peres, CDV, Marcos Moraes, João Paiva, Chico Prieto, Nelson Pinto, Cacho e Caco Lopes, Vini Fedatto, Tiago Waschburger, Elias Seadi, Luis Saraiva (que auxiliou do exterior na hora mais crítica), Marcelo Vaz Bittencourt / Grupo Confraria do Baixo, além de MUITOS OUTROS HERÓIS, lideraram suas equipes e guiaram seus jets em salvamentos, literalmente, jamais vistos.
Logo chegou reforço pesado de Santa Catarina com a equipe Jagua Boys e Ser Humano Surf puxando o pelotão dos nossos vizinhos e irmãos.
Creio que poucas nações tem no exército, marinha ou aeronáutica tantos guerreiros com habilidades como as que foram exigidas por civis na grande maioria dos resgates. E isso é muito mais algo a ser evoluído por nossos irmãos de farda do que uma falha em si, catástrofes nunca vistas tem disso.
Superar o medo em situações de pressão extrema e ainda assim performar, é pra poucos e requer muito treino.
A corrente do nosso rio/lago Guaíba nos críticos dias 2, 3, 4 e 5 de maio estava chocante, só quem viu de perto pode entender, assim como sentir o frio na barriga de se entregar a ele e as vítimas, que muitas vezes não quiseram sair de casa, mesmo estando ilhados, sem luz, água potável e quase nada de comida.
Por motivos diversos muitos negaram o resgate, por vezes banais, mas na maioria dos casos muito comoventes. Tiveram que ser resgatados depois, quando a água subiu ainda mais e o telhado geralmente tornava-se a única alternativa de sobrevivência para crianças, mulheres, homens, idosos e animais.
Ainda sobre a corrente extrema do Guaíba (nome que tem origem indígena e significa “lugar onde o rio se alarga”), principalmente nos salvamentos nas Ilhas das Flores e da Pintada e na cidade vizinha Eldorado, era paralisante até mesmo para os mais experientes.
Realmente, a morte estava ali e poucos malucos do bem negociaram com ela por água. Foram alguns acidentes, mas sem vítimas nos resgates.
Pra deixar o drama um pouco mais sinistro, facções começaram a assaltar e sequestrar os resgatistas, que tiveram que ser escoltados pela polícia em zonas pra lá de caóticas.
Imagine você salvando alguém com sua embarcação e essa “pessoa” te aponta uma arma e rouba? Mesmo parecendo desumano até para um bandido, é romantismo achar que a solidariedade invadiria seus corações. Mas, onde há miséria, há fome e… crime. Saques se tornaram frequentes.
A desigualdade social sempre foi marcante por aqui, porém, neste tsunami devastador que, ironicamente, caiu do céu, até algumas das famílias mais ricas do estado tiveram suas casas arrasadas. Não existe alguém que não sofreu ou perdeu algo, e isso nos une de maneira intrínseca a partir de agora.
Impossível deixar de celebrar a vida e dedicação dos surfistas guarda vidas, em sua grande maioria civis e vindos do litoral, que vestiram a camisa e salvaram no braço a galera. Kelou Santos, Vitor Souza, Cristiano Dias, Gustavo Silvestro, Ricardo Beskow, Gil Pereira, Willkison Lopes, Marcos Munhoz, Gabriel Peixe, Maicon Nunes e mais centenas de surfistas que durante o verão contribuem com os bombeiros e guardam nosso litoral.
Junto a turma dos jets e os guarda vidas, além do exército e bombeiros, uma porrada de navegadores, pescadores, mergulhadores, nadadores, jipeiros e até a galera do motocross vem cooperando nesta interminável batalha, onde o único lema e comando é “salve quem e como puder”. Alguns, tentando salvar, viraram vítimas, e foram salvos, para continuar salvando. Outros, travaram. Compreensível.
O que não é fácil de compreender é o tamanho da disposição de seres humanos como o atual campeão do Pampa Barrels Tiago Braga (na época, ele doou os R$ 7 mil de premiação para seu cinegrafista) e a esposa Niki Behrens em se doar ao próximo.
Viraram noites fazendo resgates de stand up nas caóticas ruas de Porto Alegre e Canoas. A comoção pela atitude dos dois foi tanta que eles compraram um jet com doações para salvar mais gente. Estão há dias “no perrengue” longe de casa, dos filhos e do trabalho, como tantos outros voluntários que estão reescrevendo o sentido de ser gaúcho, talvez, até mesmo, brasileiro.
Falando em surfista campeão… gostaria de usar como referência honrosa a todos os surfistas gaúchos que ajudaram e ainda ajudam, além dos que já citei, os dois principais profissionais do estado, nosso atual Campeão Gaúcho Pro Gustavo Borges e o Vice Campeão Brasileiro de 2021 Ricardo Kjellin.
Estes garotos além de dominar as ações dentro do mar, já trabalharam como guarda-vidas em Torres (Gustavo ainda trabalha) e foram resgatistas fundamentais para a vida de centenas de pessoas e animais.
O que eles viram ficará pra sempre em suas consciências e corações (seria bacana um auxílio psicológico a eles/todos, e um bom patrocínio também, fica a dica pra quem puder ajudar), e o que fizeram entrará para a nova história do Rio Grande do Sul, que será contada a partir dos atos nobres de pessoas comuns, mas com humanidade muito acima da média.
Sei que o texto está longo, mas não posso deixar de mencionar o trabalho inabalável feito pela Associação de Surfistas de Porto Alegre, com seus membros e parceiros agindo brilhantemente em todas as frentes possíveis, assim como a Federação Gaúcha de Surf e Associação dos Surfistas de Torres na busca e coleta de doações e informações importantes.
Assim como queridos amigos como Nezilmo Birica, Lukas Kunzler, David Castro, Caverna, Leandro Fuque, Giovani da Silva, Rodolfo Martins, Giuliano Homem, Lucas Fontes, Robson Pinheiro, Vitor Leffa, Rafael Vieira, Jussan Schardosin, Luciano Fornari, Josias Padrinho e Rodrigo Bertasso e tantos outros anjos.
Em tempo, ressalto que sim, o governo e suas forças poderiam estar agindo mais e melhor, mas acredito que agora não é o momento de direcionar a energia para outra guerra, mesmo que muitos absurdos estejam acontecendo.
Para finalizar, peço desculpas e compreensão aos milhares de voluntários do surfe que não foram citados (mesmo sendo quase impossível, vou tentar fazer isso em breve) e que estão torcendo para que eu largue logo o papel e a caneta e volte para ajudar de alguma forma.
Fui, o RS precisa de nós!
OBS: Agradeço de coração a confiança da equipe de resgate TORRICA STORM e seus membros Luis Carlos Picapau, Guto Ostjen, Carlos Freitas, Gilmar Mascote, Anderson Martins, Emerson e Jhonatan Peres, Gustavo Borges e Gabriel Kayser por me aceitarem no grupo.
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