Linhares

Ondas como seres vivos

Câmara Municipal de Linhares (ES) aprova lei que reconhece ondas da foz do Rio Doce, na vila de Regência, como seres vivos que devem ser protegidos juridicamente.

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Onda na foz do Rio Doce, Linhares (ES)

O jornalista João Lara Mesquita, do site Mar Sem Fim, publicou no último dia 6 de setembro um artigo onde conta que Linhares (ES) reconhece as ondas como seres vivos. No texto, João fala que poucos no Brasil conhecem, exceto, talvez, os moradores de Linhares, a cidade nascida às margens do Rio Doce.

Lara diz também que descobriu o fato por meio da Hakai Magazine, site ambiental do Canadá. “A cidade brasileira de Linhares conheceu legalmente suas ondas como seres vivos. É a primeira vez que uma parte do oceano recebe personalidade jurídica”. O projeto foi aprovado pela Câmara Municipal de Linhares em julho de 2024, em seguida, enviado para sanção do prefeito.

A abertura da matéria foi certa. “Ao dar direitos às suas ondas icônicas, uma cidade brasileira está traçando um novo caminho para a proteção marinha”. João se diz emocionado com a ação e a repercussão internacional, e torce para que a ministra do Meio Ambiente e equipe, Marina Silva, reconheçam a história e nela se inspirem.

O respeito pelo papel cultural e econômico das ondas na comunidade

O site Hakai escolheu Vanessa Hasson, advogada ambiental e diretora executiva da ONG Mapas, que defende o nascente movimento de direitos da natureza. “A nova lei exige que a cidade proteja a forma física do rio, os ciclos ecológicos que se tornem ondas únicas e a composição química finamente equilibrada da água através de políticas públicas e financiamento. Também codifica o respeito pelo papel cultural e econômico das ondas na comunidade”.

Linhares também nomeou guardiões para fiscalizar as ondas e atuar como seus representantes na tomada de decisões públicas, diz o Hakai. As autoridades da cidade selecionaram Hauley Silva Valim, surfista e cofundador da Doce River Alliance, e outros dois com relações especiais com as ondas: um representante da comunidade indígena e um membro do comitê de meio ambiente do conselho da cidade.

A procura de uma matéria ‘made in Brazil’

Depois de esbarrar com a novidade, João pesquisou para encontrar uma matéria feita no Brasil e encontrou na Gazeta. A jornalista Mariana Lopes informa que o projeto de lei, de autoria do vereador Professor Antônio César, concede os direitos particulares das ondas da foz do Rio Doce. “Esse reconhecimento torna as ondas especialmente protegidas, competindo ao Poder Público e à coletividade, proteger e conservar a integridade e a identidade da onda, além dos elementos que a tornam únicos”, diz no texto.

Ainda de acordo com João Lara, vale lembrar que as ondas de Linhares nada mais são que parte dos esquecidos (no Brasil) oceanos/litorais. Ele diz que, mais uma vez, chamou a atenção de Marina Silva e do presidente Lula.

A jornalista Mariana Lopes escolheu o teólogo e surfista Hauley Valim, morador de Regência, para falar. Para ele “a onda de Regência quebrando não é só água, movimento e força física. A onda de Regência quebrando tem a ver com um grande ser, uma entidade, que é o Rio Doce. Reconhecer o direito da onda de Regência a continuar quebrando perfeitamente, é considerar a necessidade de cuidar de todos os fatores que a compõem. Cuidar da onda da boca do Rio Doce é cuidar do próprio Rio Doce”.

Garantir esse elemento importante do ciclo ecológico

“Conceder às ondas da foz do Rio Doce proteção especial significa garantir que esse importante elemento do ciclo ecológico seja preservado e conservado em toda a sua amplitude, desde os corpos d’água que a compõem até os espaços de interesse cultural, ambiental e turístico aos quais fazem parte, e a partir delas existem”, finalizou a jornalista.

A lei tem como base os Direitos da Natureza, modalidade jurídica reconhecida pela ONU e mobilizada no Brasil. Em sua página no Instagram, Hauley justificou: “A Lei confirma o direito da onda de continuar quebrando perfeita na foz do Rio Doce, já que ela ficou adormecida por quase oito anos desde o rompimento da barragem que a impactou”.

João diz também que poucas vezes viu algo tão bonito, poético e que demonstra tanto respeito pelo mais importante ecossistema do planeta. E o mais surpreendente é que ocorreu no Brasil, que parece se importar apenas com os ecossistemas continentais.

Ondas longas e tubulares

A Revista Hakai define como ondas protegidas como longas e tubulares – desigualdades procuradas pelos surfistas – e famosas em todo o mundo.

Valim contou ao Hakai que o rompimento da barragem de Mariana, que matou 19 pessoas e devastou a região, também prejudicou as ondas na foz do Rio Doce. Uma barragem continha resíduos de uma mina de minério de ferro próxima à cidade de Mariana (MG). Quando colapsou, lançou uma enxurrada de lama e rejeitos de mineração pelo Rio Doce, acumulando-se ao longo do tempo, deslocando o curso do rio, diminuindo sua força e enfraquecendo as ondas na foz. As ondas só voltaram após uma grande inundação em 2022.

A tragédia, de responsabilidade exclusiva da Vale, não matou apenas 19 pessoas e deixou outras milhares desabrigadas, a empresa também matou o Rio Doce, fala Mesquita no artigo.

O reconhecimento do mundo natural

Segundo o Hakai, os governos ao redor do mundo confirmam cada vez mais o direito intrínseco da natureza de existir e defendem esse direito nos tribunais. Nos últimos dez anos, outras nações seguiram o exemplo. Bangladesh concedeu personalidade jurídica ao Rio Turg, enquanto a Nova Zelândia estendeu proteção a uma floresta, um rio e um incêndio. Recentemente, a lagoa de sal Mar Menor, na Espanha, tornou-se o primeiro ecossistema europeu a receber direitos legais.

Parabéns a todos os envolvidos

O Mar Sem Fim parabeniza os envolvidos, Hauley Valim e Vanessa Hasson, que iniciaram a discussão; o vereador Professor Antônio César e os membros da Câmara Municipal que aprovaram o projeto; além do prefeito de Linhares, Bruno Margotto Marianelli.

João encerra o texto se comprometendo a divulgar a iniciativa para que sirva de exemplo no país com a maior biodiversidade do mundo, ao mesmo tempo em que lança um alerta para companhias irresponsáveis, como foi o caso da Vale. A empresa protagonizou duas tragédias que não apenas expuseram o Brasil ao mundo, mas também resultaram em centenas de mortes, na destruição de várias cidades e em milhares de desabrigados, cujos sonhos foram brutalmente interrompidos.

lama na foz do Rio Doce em Regência, Linhares (ES), depois de rompida a barragem em 2015.

“Não podemos esquecer o dia 25 de janeiro de 2019, data do maior desastre ocorrido com mineradoras no mundo: Brumadinho. Nunca antes se registraram 270 mortes em um único acidente, além da morte no Rio Paraopeba e a destruição de uma cidade inteira. Tanto essa tragédia quanto a Mariana permaneceu sem solução. As milhares de vítimas continuam lutando na justiça para terem seus direitos reparados. Nove anos depois do desastre de Mariana, ainda não há responsáveis ​​oficialmente punidos”, finaliza João.

Fonte Mar Sem Fim