A PEC das Praias, que corre no Senado Federal em Brasília, traz outra discussão além do direito de acesso ao local público. Segundo o portal UOL, o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), longe dos holofotes, tenta dialogar com o Senado para garantir que a atividade da pesca artesanal não seja prejudicada, caso a privatização dos terrenos de Marinha seja aprovada.
No entanto, se os votos forem favoráveis à Proposta de Emenda à Constituição, “o efeito dela, nos termos postos, é avassalador”, de acordo com Cristiano Ramalho, secretário da Pesca Artesanal do MPA.
A pesca artesanal, diferente da pesca industrial, é definida por ser desempenhada em pequena escala, sem destinação à exportação, focada para consumo próprio e vendas locais. Os equipamentos utilizados por esses pescadores são de baixo nível tecnológico como linhas, anzóis, varas de pesca, pequenas embarcações, tarrafas e redes. Por se tratar de trabalhadores e comércios informais, o levantamento sobre a economia gerada pelo setor é um problema de décadas no Brasil.
Embora os dados sejam imprecisos, Ramalho afirma que há cerca de um milhão de pescadores artesanais no país, cuja maior parte está concentrada no Nordeste e Norte, incluindo a pesca de frutos-do-mar e o manejo de espécies amazônicas. Além da geração de renda, o secretário comenta que a pesca artesanal é fonte de alimentação para muitas comunidades, que se sentem ameaçadas diante da possibilidade de aprovação da proposta do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
“Essa PEC vai na contramão de algumas demandas históricas das comunidades pesqueiras por garantia de direitos. Ela pode aumentar os conflitos nos territórios, conferir insegurança jurídica grande e aumentar a precarização do modo de vida das comunidades dessas regiões”, diz o secretário do Ministério da Pesca ao UOL.
Ao colocar em risco o acesso de pescadores aos mares e bacias hidrográficas, também é levantada a dúvida em relação à efetividade da lei do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), cuja primeira finalidade é incentivar a pesca artesanal, a aquicultura, a carcinicultura e a piscicultura, promovendo a inclusão econômica e social.
O texto dá enfoque ao fortalecimento de “circuitos locais e regionais e redes de comercialização da produção da pesca artesanal”, que ficariam comprometidos com a privatização das áreas, além do próprio fornecimento de alimentos ao PAA ser colocado em cheque, no caso de acesso restrito às áreas da Marinha
Cristiano Ramalho é enfático ao afirmar que a PEC busca legitimar um novo marco legal para apropriação das praias e regiões costeiras por agentes privados, precarizando a condição de vida das comunidades pesqueiras. Ele também vê contrassenso da proposta às questões ambientais, já que a privatização das áreas tem potencial de agravar os problemas do clima.
“Quando a gente vê a tragédia no Rio Grande do Sul, quem apontava isso no passado era visto como catastrófico. Não se pode tratar essa PEC sem olhar a necessidade da proteção dos ecossistemas e a sustentabilidade dos biomas. É uma proposta completamente deslocada dos dias atuais”, defende.
Ao UOL, Ademilson Zamboni, doutor em Engenharia Ambiental pela USP (Universidade de São Paulo) e diretor-geral da ONG internacional Oceana, ressalta que o Brasil possui uma das melhores gestões de zonas costeiras do mundo. Entretanto, ao propor que áreas sejam transferidas aos municípios, ele vê fragilidade e risco político, pois muitos prefeitos são vulneráveis às pressões políticas e da iniciativa privada.
Para ele, é delicado pensar na construção de um Plano Diretor de cidades onde há áreas ambiental e socialmente sensíveis, com sobreposição de interesses entre o público e privado, havendo risco muito grande de falhas.
Do ponto de vista ambiental, ele ressalta a função ecológica de mangues e restingas, ameaçados caso haja a exploração do turismo. Ele cita o exemplo da Praia dos Ingleses, em Santa Catarina, cujas dunas deixaram de fazer o movimento normal de alimentar a praia com areia
“A areia não chega na área costeira e não alimenta o mar com aquele sedimento, ocorrendo um desequilíbrio. Há uma perda da qualidade dos atributos da paisagem somados a atributos sociais. Isso está sendo deixado de lado e é uma combinação perversa”, argumenta Zamboni.
Fonte UOL
Leia Mais