Que papo é esse

Privatização das praias?

PEC 3/2022 que pretende privatizar praias brasileiras levanta debate da comunidade do surfe, ambientalistas e cidadãos. Audiência pública sobre tema acontece nesta segunda-feira (27).

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Nos últimos dias, a comunidade do surfe, ambientalistas e cidadãos conscientes se uniram em uma importante discussão: a privatização das praias brasileiras. As praias são um patrimônio público, garantido por lei (7.661/88) como áreas de bem público e uso comum do povo. Isso significa que o acesso livre ao mar e às praias é um direito de todos.

No entanto, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 3/2022) que tramita no Senado Federal ameaça esse direito. Essa proposta, que atualmente tem como relator o Senador Flávio Bolsonaro, já aprovada na Câmara em 2022 (como PEC 39/2011, de autoria dos Deputados Arnaldo Jordy, José Chaves e Zoinho em 2011), pode abrir caminho para a privatização das praias.

Está aberta uma consulta pública via internet, onde a população pode votar sim ou não para a emenda apresentada. Até o momento o “não” vence com larga vantagem. Para votar, basta clicar aqui. Além da consulta, a população pode acompanhar uma audiência pública sobre o tema nesta segunda-feira (27), às 14h, em Brasília para discutir o tema. A audiência terá transmissão ao vivo pelo canal do Senado Federal. Para acompanhar, basta clicar aqui.

Mas a coisa não é tão simples. Segundo o geógrafo marinho na Universidade Federal Fluminense (UFF), Eduardo Bulhões, que acompanha o caso de perto, a PEC não cita especificamente as praias, mas ela trata da privatização dos chamados Terrenos de Marinha. Apesar do nome, os Terrenos de Marinha não são terrenos da Marinha do Brasil, não são áreas militares (embora a Marinha tenha vários terrenos no litoral), mas sim, terrenos na União, ou seja, do povo. Todos os terrenos que são na beira da praia são terrenos de marinha, estejam eles ocupados ou não.

“Esses terrenos são demarcados em todo o litoral brasileiro como uma faixa de 33 metros contados a partir da linha média da maré alta, ano de referência de 1831. Se a praia cresceu de lá para cá, todos esses novos terrenos também são nossos (da União), a esses dá-se o nome de Acrescidos de Marinha. Esses terrenos também incluem áreas de mangue, margens de rios, lagoas e ilhas, onde se façam sentir comprovadamente esses efeitos das marés”, fala Eduardo.

A União não proíbe o uso desses Terrenos de Marinha e seus Acrescidos. Há na Lei que os mesmos podem ser concedidos aos governos estaduais e prefeituras municipais e aos privados. Existem muitas residências particulares, prédios, condomínio, empreendimentos comerciais e industriais, portos, marinas e etc nos terrenos de marinha e esses ocupantes não são reais proprietários dos terrenos e até pagam um imposto anual por usá-los, o chamado Foro.

“Há cobrança de um laudêmio que é algo como um outro imposto quando há a negociação do imóvel. A esses ocupantes e pagantes de impostos chamamos de foreiros, são quase 600 mil cadastrados, segundo Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Há também muitos ocupantes não cadastrados que invadiram esses terrenos e não pagam por isso (estima-se mais de um milhão), alguns ainda requerem o usucapião, mas isso é vedado por lei”, acrescenta Bulhões.

O que ocorre é que a PEC quer acabar com os Terrenos de Marinha e passá-los ao domínio pleno dos governos estaduais e municipais e ao domínio pleno dos particulares, sejam foreiros ou invasores (estes últimos desde que comprovem a ocupação por ao menos cinco anos), abrindo mão de centenas de bilhões de reais em foros e laudêmios, permanecendo com a União apenas aqueles terrenos que são usados por concessionárias e permissionárias e os ainda não ocupados, notadamente os que abrigam unidades de conservação federais.

Como isso afeta a todos?

A maioria das pessoas chega nas praias por terra. Obrigatoriamente devem passar pelos terrenos de marinha. Não é incomum no litoral do Rio de Janeiro, por exemplo, o acesso à praia ser dificultado por seguranças de condomínios ou dado apenas por pequenas servidões ou trilhas. Isso se repete no litoral de várias partes do país.

“Com a aprovação dessa PEC isso pode definitivamente impedir que você chegue em algumas praias por terra, pois o novo proprietário do terreno não mais será obrigado por lei a oferecer o acesso como é hoje, ele poderia até te cobrar pra chegar à praia”, afirma Eduardo. “Fora isso, os Terrenos de Marinha abrigam os mangues, as restingas e as dunas que são ecossistemas fundamentais para a manutenção das praias e para a proteção do continente frente às ressacas e aos impactos mais fortes das tempestades no mar neste contexto de mudanças climáticas”.

As informações da PEC são públicas e de fácil acesso. Aos interessados, podem acompanhar pelos sites da Câmara dos Deputados e Senado Federal.