Modelos de clima em suas projeções neste mês de abril intensificaram ainda mais o El Niño previsto para atuar na segunda metade deste ano. As simulações computadorizadas de grandes centros internacionais de meteorologia sinalizam um evento de forte a muito forte intensidade, e algumas chegam a projetar um evento do fenômeno muito intenso.
No momento, o Pacífico oficialmente ainda está em situação de neutralidade, ou seja, sem El Niño ou La Niña. O que há é um chamado El Niño costeiro, caracterizado pelo superaquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico nas costas do Peru e do Equador.
O El Niño na sua forma clássica, com aquecimento de uma extensa faixa do Pacífico na região equatorial, deve passar a atuar entre o fim do outono e o começo do inverno. Este é o evento que os modelos sinalizam possa ser de muito forte intensidade com impactos no clima de todo o planeta.
De acordo com o último boletim da Administração Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA), dos Estados Unidos, a anomalia de temperatura da superfície do mar era de +0,3ºC na denominada região Niño 3.4, no Pacífico Equatorial Central, que é usada oficialmente para definir se há um El Niño na forma clássica e de impacto global.
O valor está na faixa de neutralidade de -0,4ºC a +0,4ºC. Por outro lado, a região Niño 1+2, perto das costas do Equador e do Peru, que costuma impactar as precipitações e a temperatura no Sul do Brasil em qualquer época do ano, estava com anomalia de +2,5ºC, em nível de El Niño costeiro forte a muito forte.
O El Niño costeiro, é evento oceânico-atmosférico que consiste no aquecimento anômalo das águas do Oceano Pacífico equatorial nas proximidades das costas sul-americanas, que implica que afeta o clima de países como Peru, Equador e às vezes no Chile.
É um fenômeno local que não afeta todo o clima mundial. É diferente do El Niño na sua forma clássica ou canônica, que é fenômeno climático global de maior dimensão e que consiste no aquecimento anômalo do Pacífico Central e Leste na zona equatorial. Este El Niño clássico é que pode se instalar nos próximos meses. O que agora atua na costa peruana é o El Niño local.
A média de uma dezena de modelos de clima dinâmicos processada pela Universidade de Colúmbia de Nova York indica o pico de intensidade do evento de El Niño para o trimestre de outubro a dezembro deste ano com anomalia média de +1,54ºC, ou seja, no patamar de um El Niño de moderado a forte.
Ocorre que alguns modelos, sendo que vários entre os principais usados internacionalmente e gerados por grandes centros meteorológicos mundiais, indica um aquecimento para o segundo semestre deste ano em patamar de El Niño muito forte a intenso, mesmo em patamar do que se convencionou chamar de Super El Niño.
Veja no vídeo com a meteorologista Estael Sias as projeções de vários modelos de clima. Observe que vários destes modelos indicam para o segundo semestre anomalias na região do Pacífico Centro-Leste (Niño 3.4) acima de 2ºC, ou seja, El Niño muito forte. Mais do que isso, há modelos sinalizando anomalias entre 2,5ºC e 3,0ºC, o que é um Super El Niño.
Chama muito a atenção a projeção do modelo australiano, historicamente mais conservador e sem viés de exagerar, que indica 2,8ºC. Não existe uma definição técnica de Super El Niño. A regra é considerar um El Niño fraco se as anomalias estão entre +0,5ºC e +0,9ºC no Pacífico Equatorial Centro-Leste, moderado entre +1ºC e +1,4ºC, forte de +1,5º a +2,0ºC e muito forte acima de +2ºC.
Muitos meteorologistas no mundo inteiro, porém, adotaram a expressão Super El Niño para anomalias ao redor ou acima de +2,5ºC. Todos os episódios de Super El Niño trouxeram graves consequências nas latitudes médias da América do Sul com excesso de chuva e enchentes em alguns casos catastróficas. O Centro e o Nordeste da Argentina, o Uruguai, o Sul do Brasil e o Paraguai sofreram com eventos extremos de chuva e períodos excepcionalmente chuvosos, além de muitas tempestades fortes a severas, em anos de Super El Niño.
Na primeira metade do século passado, 1941 foi um ano de Super El Niño. Entre 1982 e 1983 se instalou outro Super El Niño, o que se repetiu em 1997/1998. O último evento foi em 2015/2016. O episódio de 1941 coincide com a maior enchente na história de Porto Alegre. Os três seguintes causaram grandes enchentes no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em outubro de 2015, o Guaíba em Porto Alegre atingiu o seu maior nível desde a enchente de 1967.
É consenso na comunidade climática que não existe uma correlação perfeita entre intensidade do El Niño e severidade dos impactos. Isso porque em várias regiões do globo já houve graves consequências geradas por episódios fracos de El Niño e que ocorreram em eventos fortes.
No caso do Sul do Brasil, contudo, todos os eventos muito intensos produziram efeitos severos em precipitação. De acordo com a base de dados da NOAA, no evento de Super El Niño de 1997/1998 a maior anomalia de temperatura superficial das águas do Pacífico Equatorial Centro-Leste (Niño 3.4) foi de +2,8ºC na semana de 26 de novembro de 1997. Já no Super El Niño de 2015/2016, a maior anomalia na mesma área foi registrada na semana de 18 de novembro de 2015 com +3,1ºC.
Um dos termos comumente encontrados em discussões sobre previsões sazonais é a “barreira de previsibilidade”. É frequentemente usada para destacar a incerteza nas projeções para El Niño e La Niña na primeira metade do ano e transmite a ideia geral de que as previsões têm menos acurácia que na segunda metade do ano.
Mas como exatamente funciona tal barreira? Significa que o cenário é completamente incerto até que o nosso outono passe? O entendimento mais comum é que a capacidade dos modelos de projetar corretamente o cenário para o Pacífico meses à frente é reduzida durante o outono do Hemisfério Sul (primavera no Norte).
Após o outono, a capacidade de previsão dos modelos torna-se cada vez melhor. A habilidade dos modelos, seja em tempo ou clima, melhora quanto mais se aproxima do período de tempo que está prevendo. Por exemplo, se você quer saber se vai chover, geralmente é melhor usar uma previsão no dia anterior do que uma semana antes. O mesmo se aplica às perspectivas climáticas sazonais de longo prazo.
O pesquisador-chefe do Instituto Geofísico do Peru Ken Takahashi comparou as projeções para o Pacífico feitas em março pelo modelo climático ensemble da América do Norte com o que aconteceu depois entre 2012 e 2022, onde se observa que muitas vezes as projeções feitas nesta época não se concretizaram.
Em 2015, no Super El Niño, os modelos nesta época acertaram em cheio que haveria um Niño muito forte, mas em 2017 projetavam o ano terminando com o Pacifico Central quente e, ao contrário, acabou frio.
Assim, o que se sabe hoje: a probabilidade de El Niño nos próximos meses é muito alta, o El Niño tende a começar entre o fim do outono e o começo do inverno climático (junho ou julho), pode ser moderado a forte, mas se atingirá patamar de muito forte a intenso (Super El Niño) ainda é uma incerteza e dependente de dados de modelos de clima após a barreira de previsibilidade.
Esse artigo é assinado por Estael Sias, meteorologista formada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Mestre em Meteorologia pela Universidade de São Paulo (USP). Sócia-diretora da MetSul Meteorologia com passagem pelo Grupo RBS, Canal Rural e Defesa Civil de São Paulo.
Fonte MetSul