A perspectiva de dois empreendimentos de altíssimo impacto – um porto privado na frente da Ilha do Mel e uma estrada que rasgaria a Mata Atlântica em Pontal do Paraná, no litoral do estado, tem causado enorme consternação ante o potencial de danos ambientais e sociais que poderão ser causados.
A rodovia, já batizada de “estrada da destruição”, serviria, exclusivamente, para atender a esse porto e outras empresas vizinhas. Ambas as iniciativas – a primeira, um esforço privado e a segunda, um projeto de governo – merecem toda a atenção e esforço sociedade para que não se concretizem.
O porto privado, “menina dos olhos” do Grupo JCR, ocuparia um imóvel objeto de uma doação feita pelo Governo do Paraná em 1949, e que acabou ficando como propriedade da família dos sócios majoritários do grupo. Tal doação, na época, estava condicionada à contrapartidas de melhorias para a região. Não entrando no mérito da regularidade ou não da doação – tema que já foi, inclusive, objeto de Comissão Parlamentar de Inquérito específica – o fato é que o empresário fará uso deste importante ativo para a consecução de seus objetivos. E é fato, também, ao contrário do que tem sido propalado à população e aos moradores de Pontal do Paraná, que maiores serão os custos sociais e ambientais do empreendimento do que os benefícios trazidos por ele aos cidadãos.
O projeto do porto privado prevê a ocupação de parte das terras localizadas exatamente na frente da Ilha do Mel. Não só é a Ilha o segundo destino turístico mais visitado no Estado do Paraná, como também é abrigo de duas unidades de conservação importantíssimas e de proteção integral: a Estação Ecológica da Ilha do Mel e o Parque Estadual da Ilha do Mel.
Toda unidade de conservação, como forma de garantir a integridade de seus atributos bióticos, possui um buffer, uma zona de amortização, para repelir empreendimentos impactantes. Dificilmente, temos de concordar, conseguiríamos encontrar um empreendimento mais impactante do que um porto. Dragas, cargueiros, óleo, poluição, barulho, invasão e ocupação humana desordenada são características intrínsecas a regiões portuárias. Tudo isso pode ocorrer a menos de três quilômetros (!) dessas terras que deveriam ser especialmente valorizadas e protegidas. Em águas habitadas por golfinhos, tartarugas marinhas e vida diversa.
Os reflexos da pretendida e agressiva investida terão um custo, em termos de vida e desequilíbrio ecológico, que só as futuras gerações conseguirão avaliar – e lamentar. Duramente impactado seria também o turismo.
Caso o Porto Pontal viesse a ser instalado, um belíssimo local naturalmente vocacionado para a atividade sofreria prejuízos incalculáveis. Além da Ilha do Mel, toda a região de Pontal, hoje um destino turístico de natureza com grande potencial de expansão se investimentos sérios e comprometidos ocorressem, seria convertida em um horrendo “cais de porto”.
Com os devidos estímulos no setor, conseguimos vislumbrar turistas europeus, norte-americanos e asiáticos buscando as cores da Mata Atlântica, o gosto da Cataia e o contato com nossa biodiversidade terrestre e marinha. Agora, quantos dólares, euros ou ienes entrariam no Paraná se as atrações oferecidas fossem asfalto, fumaça e óleo? Quem sairia de Paris ou Chicago para conhecer um pátio de caixas metálicas?
Não existe indústria mais positivamente impactante que o turismo. Estudos comprovam que para cada milhão de dólares gastos ou investidos, 50 postos de emprego são gerados. Para cada dólar investido, 3,21 dólares são gerados no local. Além disso, o turismo é a atividade mais horizontalizada e socialmente responsável que existe; 91% das entradas provenientes do turismo continuam na região e chegam não só ao empreendedor hoteleiro ou gastronômico. Comerciantes, empreendedores do ramo imobiliário e mesmo profissionais liberais, como médicos e advogados, lucram com o fluxo de visitantes. Isso sem contar as vantagens trazidas à população de baixa renda, que encontram recompensa monetária pelas suas manifestações culturais, culinárias e artesanais.
Vender turismo não é vender paisagem. Vender turismo é vender cultura. E a cultura é irmã inseparável da educação. Locais que recebem turistas tendem a receber investimentos em educação. Muitos dos grandes polos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico começaram como polos turísticos. Em suma, ao invés de um porto privado que promete trazer vantagens diretas somente a um grupo privado, por que não adequar o local a atividades que gerem riquezas para todos e benefícios para o futuro?
Isso sem falar nos custos do projeto. O fato de o porto ser uma iniciativa privada não exclui os custos repassados a toda coletividade. Alguns poucos empregos serão gerados, mas serão preenchidas por gente “importada”, especializada em trabalho portuário. O “pontalense” mesmo, aquele que tem como ganhar dólar e euro com turismo, ficaria chupando o dedo. Sem turista e sem serviço. Além disso, como outras atividades seriam impactadas – pesca, e novamente, o turismo – o desemprego na região aumentaria. Desemprego custa ao município, que, ao oferecer amparo aos involuntariamente desocupados, se vê impedido de investir em educação, saúde e segurança. Não é à toa que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de regiões portuárias tende a ser menor que o IDH de balneários. Afinal, qualidade de vida e o trinômio “PDC” (prostituição, drogas e contrabando) não são associáveis.
Por mais inoportuno que seja o projeto, existem aqueles no Governo que ainda defendem sua instalação. Apontar como justificativa o alinhamento político entre os protagonistas do porto privado e o Governador do Estado é exercício desnecessário. Até as toninhas e botos sabem do grau de afinidade existente entre os empreendedores e Beto Richa.
Presume-se que essa simpatia pessoal esteja por trás do incansável esforço do Governo em viabilizar o absurdo que é a “Estrada da Destruição”, propagandeada como futura obra do governo mesmo sem ter sido ainda licitada (pode isso, Tribunal Regional Eleitoral?). A estrada é uma das condicionantes do porto. Ou seja: ele só existirá se ela for construída. E só existe a intenção de se construir a “Estrada da Destruição” por conta da simpatia de Beto Richa pelo projeto.
Esse caminho malfadado rasgaria, de início, o equivalente a 650 campos de futebol de Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas em excelente estado de conservação. Esse número pode ser multiplicado por cinco se considerarmos os efeitos decorrentes da abertura da estrada, tais como o efeito de borda, o efeito de ilha (que isola populações e compromete a diversidade genética da fauna e flora), e o efeito “espinha de peixe”, que estimula a criação de estradas menores, irregulares e clandestinas a partir da principal.
A “Estrada da Destruição” nos moldes como vem sendo proposta não afeta e mata só seres da floresta. Populações tradicionais também terão seu modo de vida “assassinado”. A região é habitada por indígenas, cujo direito constitucionalmente garantido às suas terras ancestrais foi solenemente ignorado. Os Macieis, uma comunidade tradicional pesqueira, também será atropelada pelas consequências geradas pelos empreendimentos. São tesouros naturais e culturais, construídos ao longo de milhares de anos, que evaporarão no calor do asfalto e ao som da marcha fúnebre das motosserras.
Paranaenses, acordai para a tremenda surrealidade dos fatos! O porto privado da JCR e nos custariam absurdos R$ 369 milhões só na primeira fase. Um projeto que terá o condão de destruir um dos melhores e últimos trechos de Mata Atlântica do mundo, colocando em risco o futuro sustentável de Pontal do Paraná e da Ilha do Mel para favorecer meia dúzia de empresas poluidoras como Odebrecht, Catallini (responsável pelo desastre do navio Vicuña) e empresas de grandes proprietários imobiliários. Não podemos deixar que o amor exagerado de Richa por estradas (e pelos pedágios que as acompanham) coloque em risco o futuro da nossa natureza.
Aristides Athayde é advogado, vice-presidente do Observatório Justiça e Conservação (OJC), membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-PR e fundador do Hub Verde. Matéria originalmente publicada no Portal ((o))eco.