Roupa de borracha para uns, veste para outros, wetsuits, john, entre outras nomenclaturas são utilizadas para nos referirmos às roupas de neoprene para surfe. No Brasil elas são necessárias e utilizadas em várias ocasiões e configurações, o que torna crucial o interesse em “The Big Sea”, um novo documentário que minuciosamente explorou as relações entre a produção de neoprene na Louisiana e o aumento do risco de câncer para os residentes.
A borracha de cloropreno, fundamental nas roupas de mergulho, é fabricada pela empresa química japonesa Denka. Os cineastas, Lewis Arnold e Chris Nelson, empreenderam uma jornada até a única fábrica da Denka nos Estados Unidos, situada no local de uma antiga plantação de escravos em St. John’s Parish, Louisiana.
O documentário dá conta de que a comunidade local enfrenta o mais elevado risco de câncer nos EUA – 50 vezes a média nacional – devido às emissões de cloropreno provenientes da instalação da Denka. Daí o infeliz apelido da região, “Cancer Alley” (Corredor do Câncer). Escolas e residências margeiam a cerca da fábrica.
Adriana Lozano/LS/FF.Arnold entrevistou ativistas locais e membros da comunidade afetados pela produção tóxica de cloropreno. Ele rotula isso como o “segredo sujo” do surfe, acreditando que as vidas das pessoas estão em risco.
“The Big Sea”, atualmente na fase final de edição e já tendo sido exibido em algumas sessões selecionadas no Reino Unido, promete ser o documentário de surfe mais impactante dos últimos tempos. Admitidamente, o cenário não é amplamente explorado.
Os melhores documentários de surfe frequentemente focam em ícones do surfe (Andy Irons: Beijado por Deus), drogas (Sea of Darkness) ou movimentos (Bustin Down The Door, Girl’s Can’t Surf, Momentum Generation).
Embora existam ótimos filmes de surfe com foco na proteção ambiental, como “The Fisherman’s Son” e “Groundswell”, e exemplos notáveis como “Manufacturing Stoke” e “Double Barrel”, “The Big Sea” pode ter um impacto ainda maior devido à sua relevância universal – todo surfista já teve uma roupa de mergulho, mas poucos entendem o processo de fabricação associado ao câncer.
“Atualmente, a produção de neoprene está colocando um preço na vida das pessoas”, disse o diretor Lewis Arnold, surfista e fotojornalista da costa nordeste da Inglaterra.
“É fácil se distanciar disso. Olha, eu sou apenas um surfista aposentado do Mar do Norte, mas como jornalista, sinto a responsabilidade de apresentar os fatos. Os surfistas podem então fazer uma escolha.”
Lewis ArnoldO neoprene produzido na instalação da Denka não é exclusivo para wetsuits. Ele desempenha um papel crucial na fabricação de bolsas, bandagens, tecidos, adesivos, calafetagens e outros produtos utilizados na construção, veículos e maquinário.
“Embora o Neoprene tenha diversas aplicações, a Denka o utiliza nos wetsuits como garoto propaganda da indústria – vendendo o sonho de um estilo de vida limpo, verde e saudável, embora feito de um produto que está longe disso”, afirmou Chris Nelson, produtor do filme.
Os cineastas argumentam que a indústria do surfe, e por extensão a mídia especializada, foram coniventes. Seja através de suas cadeias de suprimentos utilizando neoprene da Denka, ou através de “greenwashing” na publicidade usando calcário, tiveram a oportunidade de transição para longe do cloropreno, mas falharam em fazê-lo.
Lewis ArnoldÉ uma acusação rechaçada pela indústria do surfe e pelas marcas de roupas de borracha. Vipe Desai, Diretor Executivo da SIMA (Surf Industry Members Association), declarou:
“Nenhuma marca de surfe que conhecemos está obtendo neoprene da instalação no ‘Cancer Alley’ da Louisiana. E novamente, a instalação da Denka produzindo pedaços de borracha de cloropreno para roupas de mergulho no Japão não está conectada a riscos elevados de câncer, de acordo com nosso conhecimento.”
Contudo, os casos de câncer associados à fábrica não são novidade. O jornal The Guardian conduziu uma série de exposições sobre o tema em 2015. Marcas como a Patagonia há muito destacam os problemas relacionados à produção de Neoprene, ao mesmo tempo em que promovem os benefícios de uma borracha natural à base de plantas como alternativa para roupas de mergulho, sendo a Yulex líder de mercado.
“Existem muitas coisas terríveis acontecendo no mundo e você pode sentir uma sensação de futilidade. Mas há uma solução aqui, que é realmente o ponto do filme”, disse Arnold.
“A borracha natural é cultivada a partir de plantas, não usa produtos petroquímicos e tem 80% menos emissões de carbono no processo. E olha, eu surfo no Mar do Norte, um dos ambientes de surfe mais frios, e achei a Yulex tão quente e flexível quanto as roupas de mergulho à base de neoprene.
Lewis Arnold.
No entanto, o filme não é apenas sobre imagens de fábricas químicas e depoimentos. Surfistas relativamente desconhecidos, mas incrivelmente talentosos, foram artisticamente filmados em ondas de qualidade na Califórnia, Europa e Austrália. A simples alegria do surfe (tudo feito em roupas à base de plantas) contrasta com as experiências angustiantes dos moradores da Louisiana de uma maneira que realça sutilmente a premissa do filme.
Se pudermos acreditar na tese bem articulada e artisticamente apoiada do filme, o surfe tem um segredo sujo. Este filme revela o que é e o que os surfistas podem fazer a respeito. Todos que já usaram neoprene precisarão assisti-lo.
Saiba mais sobre as datas de lançamento em TheBigSea.org.
Fonte The Inertia
