Por mais estranho que pareça, a relação entre medicina e surfe é muito mais antiga do que alguns leitores possam imaginar. Um dos primeiros relatos escritos sobre pessoas descendo as ondas partiu de um médico inglês, em 1777.
Dr. William Anderson era tripulante de uma das embarcações do capitão James Cook durante sua jornada de exploração do Pacífico. Na ocasião, muitos navegadores morriam de escorbuto, mas com a presença dos cuidados médicos na tripulação, a mortalidade reduziu-se drasticamente.
Com a mesma filosofia do Dr. Anderson de prevenção e cuidados com a saúde dos navegadores, a medicina do surfe também se desenvolveu ao longo das últimas décadas buscando uma maior longevidade e segurança do surfista.
Quando falamos em lesões causadas pelo surfe, a primeira ideia que nos vem à cabeça são os traumas, que abrangem desde pequenas contusões até grandes fraturas ósseas, extensos ferimentos e concussão cerebral. Mas esse ramo da medicina esportiva é muito mais amplo, principalmente por ser praticado no mar.
O ambiente marinho vive em constante mudança. Além da fauna e flora peculiar, as variações de temperatura, corrente, ondulação, vento, marés e qualidade da água, colocam o praticante em diversas situações diferentes. Para uma melhor compreensão da medicina do surfe é preciso dividi-la em setores:
– Trauma
– Ortopedia
– Exposição a fatores ambientais
– Performance
Trauma: contusões, ferimento corto contusos, luxações, fraturas, lesões ligamentares e musculares traumáticas e concussões.
Ortopedia: são as doenças relacionadas ao gesto esportivo do surfe. A permanência na posição deitado na prancha remando propicia lesões da coluna e ombros. E a posição de flexão do quadril durante o surfe exercendo mudança de direção e força também pode favorecer o surgimento de lesões labrais dos quadris, principalmente nos profissionais.
Exposição aos fatores ambientais (setor mais amplo): exposição à água do mar, sal, extremos de temperatura, vento, incidência aos raios UV, animais marinhos, doenças tropicais, além do risco iminente de presenciar eventos de afogamento.
Performance: setor da ciência que estuda a mudança de algum padrão da prática esportiva visando uma melhora (e às vezes avalia a piora também) no rendimento do praticante.
Uma vez que os estudos da área da medicina do surfe se ampliam, a comunidade médica, fisioterápica, educadores físicos, guarda-vidas, dentre outras, também se estruturam e organizam eventos como a World Conference on Surfing Medicine, realizado anualmente, assim como cursos de primeiros socorros (básico e avançado) voltado ao surfe e o aplicativo gratuito Surf First Aid.
A Wild Summit Brazil, promovida pela ABMAR (Associação Brasileira de Medicina em Áreas Remotas) e que acontecerá nos dias 1 e 2 de novembro em São Paulo, também abordará o tema. Já a Sobrasa (Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático), liderada pelo médico referência mundial no assunto, Dr. David Szpilman, realiza diversas campanhas de conscientização e prevenção, além de eventos como o Surfe Salva.
Mais recentemente também foi anunciado o lançamento do aplicativo gratuito SID (Surfing Injury Data), idealizado por um dos precursores de medicina esportiva do surfe, Dr. Marcelo Baboghluian (médico de Tops como Gabriel Medina, Adriano de Souza, Italo Ferreira, Caio Ibelli, dentre outros). Através do cadastro e troca de informações com os usuários, o aplicativo visa manter o surfista surfando melhor e por mais tempo. Vale a pena conferir essa novidade.
O surfe é um esporte olímpico e precisa ter o suporte completo e multidisciplinar. Infelizmente o esporte nível profissional competitivo ultrapassa a barreira da saúde e acaba sendo nocivo. Dessa forma, a evolução da medicina do surfe é obrigatória para permitir que pratiquemos esse esporte melhor, de maneira mais saudável e por muito tempo.
A comunidade da medicina do surfe é mundial, crescente e colaborativa e a interação do esporte com a saúde parece ser um casamento perfeito. Nas próximas matérias colocarei no final a agenda de eventos da área.