Mesmo com o presidente da Confederação Brasileira de Surf (CBSurf), Adalvo Argolo, anunciando o cancelamento da assembleia convocada pelo vice, Guilherme Pollastri, no último dia 25 de janeiro, dirigentes estiveram reunidos na última sexta-feira (8/2), na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro (RJ), para votar pelo afastamento de Adalvo da presidência e discutir as acusações de irregularidades em sua gestão.
Adalvo havia alegado que a assembleia estava cancelada e não teria validade, já que foi intimado a transferir a presidência para o vice no dia 22 de janeiro e a liminar foi parcialmente suspensa por uma desembargadora antes do término do prazo de 48 horas estabelecido pelo juiz. Para Adalvo, Pollastri não teria assumido de fato a presidência da CBSurf e não teria poderes para convocar uma assembleia.
Na mesma nota oficial de cancelamento, Adalvo Argolo criticou Pollastri. “Lamentavelmente, ao invés de dar imediato cumprimento à R. Decisão da Exma. Desembargadora Federal Daniele Maranhão, preferiu o Sr. Guilherme Pollastri Gomes, em tese, desobedecer ordem judicial e se travestir de Presidente da entidade para irregularmente convocar e agora tentar manter a realização de uma Assembleia da CBSurf para o próximo dia 8 de fevereiro de 2018”, citava a nota.
Pollastri também emitiu uma nota de esclarecimento e retrucou o presidente, justificando que a assembleia era totalmente legal e legítima. O vice da CBSurf alegou que, de posse da decisão do afastamento “imediato” do presidente, teve acesso irrestrito à prestação de contas da entidade junto ao Comitê Olímpico Brasileiro, quando atestou inúmeras irregularidades que caracterizam gestão temerária, além da falta de prestação de contas e da efetividade do próprio Conselho Fiscal, e da falta de aprovação de contas da própria entidade.
Ainda segundo Guilherme Pollastri, Adalvo era parte impedida de presidir a assembleia na sexta-feira e não tinha poderes para anulá-la. Em sua nota de esclarecimento, o dirigente escreveu que, segundo o estatuto da entidade, em caso de impedimento do presidente, caberia ao vice presidir da assembleia. “Como de costume, a conduta do senhor Adalvo Argolo busca intimidar as federações, através de ameaças e medo. Seu ato é manifestamente ilegal”, escreveu o vice-presidente em sua nota.
Assuntos em pauta
Na tarde da última sexta, às 13h, Pollastri esteve com representantes das federações de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, além de ouvintes. As federações do Pará, Ceará, Paraíba e Bahia, que estiveram na reunião em Porto de Galinhas, no último dia 31/1, não compareceram, bem como as de Santa Catarina, Rio Grande do Norte e do Maranhão, que não participaram de nenhum dos dois encontros. No momento, o Paraná e o Rio Grande do Sul estão sem federações filiadas.
Os principais temas em pauta foram discutir o afastamento de Adalvo Argolo e analisar infrações cometidas pela não apresentação das contas da entidade aos conselheiros fiscais e a não apresentação e aprovação da Assembleia Ordinária, conforme o estatuto.
Outro assunto discutido foi a proposta de mudança estatuária, conforme determina a nova legislação que rege as confederações, e a possibilidade de novas eleições.
O advogado Adalberto Antônio de Melo Neto, da OAB/PE, que na última semana foi o secretário da reunião liderada por Geraldo Cavalcanti em Porto de Galinhas (PE), desta vez participou como representante das Federações de Alagoas e São Paulo, sendo aclamado presidente da Assembleia. O carioca Milton Waksman, ex-presidente da CBSurf, ficou como secretário.
De acordo com a ata, mesmo cientes da notificação extrajudicial encaminhada por Adalvo Argolo com o objetivo de cancelar a assembleia, todos os presidentes deliberaram “pela regularidade e validade do ato de convocação levado a efeito pelo vice-presidente, enquanto no exercício da presidência da Confederação, e da respectiva ratificação e convalidação do ato de convocação por sete federações, na reunião de 31.01.2019, e da impossibilidade de convocação do representante dos atletas, tendo em vista a inexistência de processo eleitoral que o elegesse; rejeitar as propostas do Sr. Adalvo Argolo de cancelar a realização da presente Assembleia pelos motivos contidos na sua notificação extrajudicial; pela existência de manifesto conflito de interesses do Sr. Adalvo e da CBSurf, e do seu impedimento para participar da gestão da CBSurf e da presente Assembleia, que poderá deliberar pelo seu afastamento e investigação sobre os seus atos.”
Acusações ao presidente
Em seguida, o presidente foi acusado de uma série de irregularidades, como ausência de prestação de contas paras as federações filiadas, falta de transparência nos contratos firmados entre a CBSurf e empresas ou pessoas jurídicas prestadoras de serviço, nomeação e indevida acumulação de membro do Conselho Fiscal com a de diretor financeiro, atos de gestão temerária, a ausência da equipe brasileira no ISA Games do Japão mesmo com recursos liberados pelo COB, despesas com viagem da diretoria para o Surf Ranch de Kelly Slater, nomeação de representante dos atletas na CBSurf sem processo eleitoral ou de votação, e, por último, apropriação de parte da premiação de atletas amadores em etapas do Circuito Brasileiro Profissional, não devolvendo ao COB.
De acordo com a ata, as irregularidades apontadas por Guilherme Pollastri foram repudiadas pelos representantes das federações de Pernambuco, Alagoas e Rio de Janeiro, que fizeram uso da palavra.
Na sequência, o presidente da Federação Pernambucana de Surf, Pedro Lima, ressaltou a necessidade de instauração de processo administrativo de modo a permitir o exercício do direito ao contraditório por Adalvo, e a necessidade do seu afastamento para fazer a sua defesa e dar explicações.
Por unanimidade, os dirigentes deliberaram pelo afastamento preventivo de Adalvo da presidência da CBSurf, concedendo um prazo de 15 dias úteis para apresentar defesa e provas.
Também foi deliberada, por unanimidade, a comunicação dos fatos discutidos ao Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Tribunal de Contas da União, Ministério do Esporte e Comitê Olímpico Brasileiro.
A ata conta com assinaturas de Adalberto Antônio Melo (representante das federações de São Paulo e Alagoas), Luiz Guilherme Morales de Aguiar (Federação do Rio de Janeiro), Pedro Lima (Federação de Pernambuco), Thiago Bastos Cunha (Federação de Sergipe), Marco Antonio Alves do Espírito Santo (Federação do Espírito Santo), além de Milton Waksman (secretário), Brigitte Mayer (representante do surfe feminino), Sergio Noronha, Pedro Falcão (diretor executivo da ABRASP), Henry Lelot (representante da Brasil Surf Consulting) e João Paulo A. da Veiga P. Da Silva (diretor jurídico da FESERJ).
A defesa de Adalvo Argolo
Em resposta ao Waves, Adalvo Argolo reafirmou que a assembleia é ilegal e não tem validade jurídica. Segundo o dirigente, além de Pollastri não ter poderes para convocar uma assembleia, já que não chegou a receber assumir de fato a presidência, nem todas as federações estão aptas a participar de uma assembleia.
Dentre os pré-requisitos necessários estão a prova de que tenham promovido ao menos um circuito oficial com 4 etapas no anterior ao da realização da Assembleia Geral; prova de que estejam em dia com todas as demais obrigações físicas e trabalhistas e perante o estatuto da CBSurf; encaminhar seu estatuto para averiguação se está em conformidade com a legislação vigente; comprovar possuir diretoria composta por membros idôneos, conselho administrativo ou consultivo, conselho fiscal; comprovar possuir gestor dedicado à entidade, plano anual financeiro e de operações, plano de captação de recursos, transparência financeira e fiscal (balanços, certidões e contas aprovadas e publicamente disponíveis); comprovar ter filiados ao menos 50 atletas devidamente inscritos e federados e pelo menos um técnico com nível superior.
Sobre as irregularidades citadas na ata, o dirigente disse que as prestações de contas para as filiadas acontecem no primeiro trimestre de cada ano e devem contar apenas com federações aptas, e anunciou que convocará uma assembleia até março.
Em relação aos contratos firmados entre a CBSurf e empresas, Adalvo argumentou que só teve um contrato firmado até hoje, com a Vivid Brand, do grupo francês Publicis. Segundo Adalvo, o contrato teria sido assinado durante ISA Games na França, em maio de 2017, inclusive com a presença de Guilherme Pollastri, e teve validade de 1 ano. O presidente explicou também que o contrato não foi renovado devido à instabilidade política e econômica no Brasil. Para Adalvo, a “guerra midiática” na CBSurf também tem prejudicado a entidade a captar novos patrocínios.
O dirigente também negou que houve nomeação e indevida acumulação de membro do Conselho Fiscal com a de diretor financeiro. De acordo com Adalvo, Auro Pisani havia enviado uma carta pedindo o afastamento do Conselho Fiscal.
Na ata da reunião, Pollastri questiona também o fato de Adalvo, Pisani e Rosaldo Cavalcanti, diretor de relações institucionais da entidade, receberem salários da entidade sem a aprovação da assembleia geral, o que seria proibido pela Lei. “Estes salários são pagos pelo COB e estão dentro dos padrões que regem todas as demais Confederações”, diz Adalvo.
Em relação à viagem da diretoria para o Surf Ranch na Califórnia, Adalvo explicou que viajou junto com o coordenador técnico da CBSurf, Rosaldo Cavalcanti, e com dois representantes do COB, Bernardo Otero e Gustavo Harada, numa missão de alinhar questões relativas ao critério de classificação para as Olimpíadas junto às entidades da ISA e a WSL. O grupo também acompanhou a primeira competição oficial numa piscina de ondas, o Founders Cup. Adalvo justificou que, na época, ainda existia a possibilidade de a competição de surfe nos Jogos de Tóquio ser disputada numa piscina de ondas.
Outra irregularidade apontada por Pollastri foi a nomeação de Bruno Galini como representante dos atletas na CBSurf sem processo eleitoral ou de votação, mas Adalvo alega que ele foi eleito por atletas filiados à CBSurf.
Sobre a apropriação de parte da premiação de atletas amadores em etapas do Circuito Brasileiro Profissional, não devolvendo ao COB, Adalvo comentou que essa regra de reter 50% da premiação de atletas amadores em eventos profissionais é antiga e sempre foi praticada nos eventos profissionais. O presidente entende também que agiu de forma legal e que o dinheiro retido será usado para investir nas categorias de base do Circuito Brasileiro, o CBSurf Junior Tour.
Em reportagens anteriores, como “CBSurf explica ausência” e “Acusações vêm à tona”, o dirigente já havia se defendido sobre os atos de gestão temerária, como o aluguel de um imóvel pertencente à sua esposa, e também sobre a ausência da equipe brasileira no ISA Games.
Nota da CBSurf
Em nota divulgada na noite de sexta-feira, Adalvo Argolo questionou o fato de Guilherme Pollastri reunir os dirigentes no escritório de advocacia da sua família, no Rio de Janeiro, longe da sede da CBSurf, que fica na Bahia, e não assinar a ata. O presidente também acredita que Pollastri não informou aos presentes que, ao desobedecerem a resolução de cancelamento da convocação e da assembleia, estariam violando a Lei e possivelmente sujeitos a penas disciplinares. No comunicado, Adalvo informa que, de acordo com o artigo 191 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, a pena é uma multa de R$ 100 a R$ 100 mil, com fixação de prazo para cumprimento da obrigação.
Na nota, o presidente também divulgou que estava consultando um advogado criminalista para saber se o fato de a ata de reunião ser assinada como uma assembleia da CBSurf estaria incorrendo em algum crime. “Se for, medidas serão adotadas”, disse Adalvo.
Pollastri se defende
O Waves também entrou em contato com Guilherme Pollastri para se defender do comunicado emitido por Adalvo Argolo. “Quando enviei a convocação para a assembleia eu era o presidente em exercício, e a sede era aqui no Rio de Janeiro, conforme determinou o juízo federal do Distrito Federal. Prova disso é que o Comitê Olímpico Brasileiro bloqueou o acesso de todos que tinham acesso a prestações de contas da CBSurf e em dezembro de 2018 passou a enviar as cartas endereçadas à CBSurf exclusivamente ao meu e-mail, inclusive até hoje eu recebo”, diz Pollastri. Em relação ao fato de não assinar a ata, o vice-presidente disse que era parte interessada, assim como Adalvo, e por isso não presidiu a assembleia.
Sobre as punições do TJD, Pollastri disse que só tomou conhecimento da existência do Tribunal e da notificação depois da assembleia, já no fim da tarde. Outro fato que chamou a atenção do dirigente foi que não existe nada sobre o tribunal no site da CBSurf, como membros, período de mandatos nem regimento interno, além de constar na decisão o horário da decisão do TJD (14:14h), mesmo momento em que a assembleia acontecia. “Nunca vi uma decisão chegar com o horário. Sempre vem apenas com a data”, questionou Guilherme Pollastri.
Veja as fotos da ata:
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