Surfe e medicina

Me cortei, e agora?

Dr. Guilherme Vieira Lima explica como agir em caso de cortes profundos na pele.

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Em viagem recente ao México, Gabriel O Pensador precisou de 19 pontos no pé esquerdo.

Mês de junho e julho, ano de Copa, e a atenção do brasileiro sempre é maior pelo futebol. Mas não para os amantes do surfe! Além dos resultados do Brasil na Rússia, muitas outras vitórias aconteceram nesse período.

Tivemos Willian Cardoso soberano em Bali, Peterson Crisanto e Filipe Toledo no degrau mais alto do pódio na África do Sul e mais uma brilhante performance do nosso big rider Lucas “Chumbo” Chianca, que faturou o primeiro lugar do campeonato nas bombas de Puerto Escondido, no México.

Conferindo as ondas mexicanas também estava o cantor e surfista Gabriel O Pensador, que durante uma sessão na mesma Puerto Escondido cortou o pé na quilha da prancha.

Esse tipo de lesão é mais frequente do que imaginamos. Os ferimentos corto contusos (FCC) no surfe são responsáveis por cerca de 30% a 47% de todas as lesões agudas do esporte, e os locais mais frequentes são a cabeça, os pés e as pernas. O mecanismo de trauma mais comum é a colisão com a própria prancha – principalmente as quilhas, que representam 41% destes acidentes (ver referências abaixo) .

Gabriel Pastori se deu mal em Pipeline no final do ano passado.

Os primeiros cuidados são extremamente importantes para uma boa evolução do problema. Vale salientar que sempre a avaliação médica precoce é obrigatória.

Mas o quê fazer quando nos deparamos com uma situação dessa? Primeiramente sair da água e avaliar os seguintes pontos:

– Local do ferimento
– Status hemodinâmico e consciência do paciente
– Outras estruturas acometidas com o trauma
– Mecanismo do trauma
– Objeto cortante provocador da ferida

As condutas iniciais são:

– Lavar exaustivamente com água doce (preferencialmente potável).
– Remover resíduos como areia e pequenos detritos.
– Ocluir o ferimento com algum tecido limpo de forma compressiva.

Nas situações que necessitam de sutura da lesão (“dar ponto”), o tempo entre o momento do trauma e a realização desse procedimento médico é importante devido ao risco da evolução para infecção. Ferimentos com tempo de exposição maiores que seis horas são potencialmente colonizados por agentes infectantes (principalmente bactérias), por isso não espere e procure o médico o mais breve possível!

As principais complicações que um FCC pode provocar, mesmo após uma avaliação médica, são a infecção e a deiscência da ferida (“abrir os pontos”). Para evitar a primeira, o paciente deve estar com a vacinação de tétano em dia (ou tomá-la logo após o trauma), e usar antibiótico (varia conforme local, extensão, profundidade e tempo de exposição da lesão); e para evitar a segunda, manter a área ferida seca e em repouso de movimento e sem tensão.

As trocas do curativo e a inspeção da lesão devem ser diárias, e sinais como: saída de secreção purulenta, vermelhidão local, inchaço, febre local ou sistêmica, rompimentos de alguns pontos e alteração do padrão doloroso são os sinais de alerta para uma possível infecção instalada. Nessa condição, também não espere, procure o médico o mais breve possível!

Pé de Victor Ribas depois de acidente em Arraial do Cabo: o trauma mais comum é a colisão com a própria prancha.Arquivo pessoal
Pé de Victor Ribas depois de acidente em Arraial do Cabo: o trauma mais comum é a colisão com a própria prancha.

Frequentemente o trauma acontece em áreas remotas ou numa “boat trip” na Indonésia, onde a avaliação médica não é possível, e o “cirurgião” responsável pela sutura é o capitão do barco. E agora?

Dependendo da gravidade do trauma o mais prudente é abortar o surfe e procurar um serviço médico. Mas como na maioria das vezes (ainda bem) não é o caso, além dos cuidados já explicados, o acidentado deve aguardar pelo menos três dias antes de retornar ao surfe, para uma impermeabilização biológica da ferida e para uma avaliação da evolução da área lesionada.

Obviamente o tempo de retorno varia muito. Lesões mais extensas, profundas e em locais de atrito e tensão da pele, esse período é muito maior, um retorno precoce pode provocar a deiscência de ferida. Vale lembrar também que a exposição ao sol deve ser sempre evitada para uma melhor cicatrização.

Os traumas dessa natureza são imprevisíveis, sendo assim, manter a vacinação do tétano em dia (renovação a cada 10 anos) e ter um kit de medicamentos e curativo a disposição são as melhores medidas de prevenção para um surfista mais saudável.

Procure o médico para auxiliá-lo no preparo do seu kitsurf e atualize sua vacinação antes da sua próxima surf trip!

Surfe é saudável, se atire de cabeça nesse esporte!

Referências

1. Steinman J, Vasconcellos EH, Ramos RM, Botelho JL, Nahas MV. Epidemiologia dos acidentes no surfe no Brasil. Rev Bras Med Esporte. 2000;6(1):9-15.
2. Base LH, Alves MAF, Martins EO, Costa RF. Lesões em surfistas profissionais. Rev Bras Med Esporte. 2007;13(4):251- 3.
3. Taylor DM, Bennett D, Carter M, Garewal D, Finch CF. Acute injury and chronic disability resulting from surfboard riding. J Sci Med Sport. 2004;7(4):429-37.
4. Nathanson A, Bird S, Dao L, Tam-Sing K. Competitive surfing injuries: a prospective study of surfing-related injuries among contest surfers. Am J Sports Med. 2007;35(1):113-7.
5. Furness J, Hing W, Walsh J, Abb

Dr. Guilherme Vieira Lima, o Guiga, é especialista na área de medicina esportiva e médico da Surfing Medicine International. Para saber mais sobre o seu trabalho, siga o perfil @SurfeSaude no Instagram.

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