Este texto fica melhor de ser entendido dentro de um contexto; o contexto da minha vida, mas que pode, de certa forma, vir a estar relacionado com a sua vida ou a de alguém que você conheça…
Lembro-me como se fosse ontem das minhas primeiras remadas numa prancha de isopor, ainda deitado, nas clássicas Planondas. Tudo era novidade: o ambiente do mar, o barulho das ondas, a sensação da água percorrendo pelos meus dedos enquanto remava, as formas e cores e até cheiros de todo aquele novo “mundo” para um garoto de menos de 10 anos que vinha da capital de São Paulo para curtir as férias na praia; mais especificamente, nas Pitangueiras, Guarujá.
Conforme eu crescia, minhas pranchas de isopor ganhavam volume, minha turma de amiguinhos de ondas também aumentava e de certa maneira minhas pretensões surfísticas alçavam, mesmo que inconscientemente, “voos” mais altos. Sim, “voos”… guarde esta palavra até o final deste relato!
Logo comecei a subir na prancha, ver o mundo mais do alto. Acostumado até então a ver meu mundinho da altura dos meus olhos quando deitado ao remar, tudo mudou de perspectiva quando consegui pela primeira vez subir na minha nova prancha, também de isopor, modelo Guarujá. Ao percorrer por uns poucos metros uma pequena onda de espuma, me senti como que numa outra dimensão, e minha vida nunca mais seria a mesma! E nunca mais foi mesmo, até hoje.
Passaram-se muitos e muitos anos, décadas; muitas e muitas milhares de ondas, pranchas e amigos de várias turmas em vários momentos da vida. Tornou-se meu estilo e foco de vida e atividade (parcialmente profissional) para mim. Mas aquela sensação de deslizar sobre uma onda, nunca mais desapareceu do meu interior; não importava o tipo ou modelo de prancha, nem mesmo minha idade.
Até que então, acompanhando as diversas formas de se percorrer uma onda, no ano de 2000; ao voltar de uma viagem ao exterior à trabalho, fotografando uma surf trip nas ilhas Samoa, fizemos uma parada no Havaí. O então já destemido e surfe “guerreiro” Everaldo “Pato” Teixeira, um dos integrantes desta viagem, me proporcionou a oportunidade de fotografar um esporte que até então era absolutamente novidade para ele e para mim também, o foil surf!
Fizemos um surfe rebocado num jet-ski no outside de Pua’ena Point, North Shore de Oahu, onde ele e Maurício Jabour se revezavam naquele novo “brinquedo”. Consistia numa prancha com uma bota tipo as das pranchas de snowboard e um cabo onde o surfista rebocado decolava sobre uma espécie de mastro com uma também espécie de asa de avião, que empurrava o surfista para cima d’ água. Foi surreal ver e fotografar aquela nova modalidade, que na verdade nem parecia muito com o surfe. Esta matéria acabou sendo publicada com exclusividade e ineditismo na revista Fluir no mesmo ano. O Pato, que sempre buscou superar radicalmente os limites acabou se contundindo ao tentar dar um aéreo! E depois disso, nunca mais vi ou li nada a respeito do tal de foil surf.
Passaram-se mais alguns anos e algum tempo atrás, acabei vendo aqui no Waves um pequeno vídeo do waterman Kai Lenny surfando com uma prancha de foil, e dando uns “pumps” para o fundo e pegar outra onda! Aquilo foi surreal, e acabou ficando “viral” pois aquela imagem correu o mundo surfístico!
Eu sempre fui curioso e interessado em experimentar as várias maneiras de se curtir o mar ou se surfar uma onda ou usar o vento como maneira de, na verdade, sentir sempre aquela sensação que descrevi aqui no início deste texto: deslizar sobre uma onda, ou sobre as águas.
Assim foi com o windsurf que pratiquei por muitos anos e também com o SUP e kitesurf nas ondas, que ainda pratico. Até que quem não vejo num programa na TV, em 2017, falando sobre o tal do foil? o Pato! O mesmo que lá em 2000 havia me mostrado aquele novo universo, que meio que havia hibernado por tantos anos.
Ao ver seu relato e então começar a pesquisar no Google e YouTube comecei a sentir a vontade e curiosidade de tentar esta nova modalidade. Mas aí vieram alguns questionamentos: teria eu idade para começar um esporte novo, super radical e segundo o próprio Pato, dificílimo de se aprender? Teria motivação suficiente para me aventurar nesta nova empreitada? Por onde começar? Quem fabricava estes equipamentos? Teria alguém no Brasil produzindo? Quanto custaria? Aquela “quilha” monster poderia me machucar? Como iniciar num esporte que até então não sabia de ninguém praticando aqui em Santa Catarina onde moro?
Até que respondi para mim mesmo: vou esperar o quê? Ter 90 anos para me decidir?! Já com 53 anos de vida, mas também com uma bagagem de 45 anos sobre as ondas, resolvi: é agora ou agora!
E por uma feliz coincidência acabei por chegar na fábrica da King Boards, em Santos (SP), cidade berço do surfe paulista e brasileiro. Eu já havia adquirido, indiretamente minha segunda prancha de SUP Wave, com o King (Alexandre), através de um atleta patrocinado por ele, o Magrinho (Alexandre também), que é de Santos e já morava em Ibiraquera (SC). Aí foi fácil, foi só descobrir o telefone dele e ligar para Santos. A atitude dele de incentivo, não para me vender o equipamento, mas para me iniciar no esporte foi tão forte e sincera que depois de alguns minutos de conversa já estava com meu SUP Foil encomendado!
Resolvi iniciar nesta modalidade, o SUP Foil, pois ao pesquisar online vi que era o melhor caminho a se seguir. Tive o prazer de receber o equipo entregue pessoalmente por ele aqui em Ibiraquera e conhecê-lo pessoalmente. Parecia que já nos conhecíamos há anos, de tantos WhatsApp que havíamos trocado por semanas a fio. Eu já havia também revisto o programa do Pato sobre foil algumas vezes e revirado dezenas de vídeos no YouTube. Faltava agora o mais importante: ir pra água!
Nem imaginava o que viria a ser o começo do foil para mim! Foi muito, mega difícil, principalmente pelas condições de mar que encarei (ingenuamente) ao tentar surfar de foil! Sinistro! Só “vacas” tenebrosas e muito medo de me machucar. Várias tentativas frustradas.
Até que, por recomendação do próprio Alexandre e de alguns vídeos da internet, segui a dica de aprender sendo rebocado. Mais um telefonema para meu primeiro professor de kitesurf, o também mega waterman Dudu Schultz e lá estava eu sendo rebocado e melhor ainda; instruído, por ele na esteira do seu bote inflável da escola Windcenter, na Lagoa da Conceição, em Floripa.
A colocação dos meus pés estava totalmente errada assim como também a distribuição do meu centro de gravidade. Foram três dias seguidos de treinos e aí sim o “alvará” para ir ao mar e treinar nas ondas. Tudo mudou e aos poucos fui me readaptando a colocar meu corpo nesta nova posição de estar suspenso, meio que “flutuando” sobre as ondas. A sensação foi e é algo maravilhoso, quase indescritível, como aquela de quando sentia quando menino. O som do mastro “cortando” a ondulação; a velocidade maior do que no surfe de prancha e a leveza de “flutuar” me conquistaram e assim foram passando as semanas e os meses.
Mas ainda buscava alçar um “voo” maior: fazer foil com uma prancha de surfe de remada. Foi então que tive a ideia de pedir para o King fazer uma adaptação para colocar o foil numa Mini Simon que tenho, uma 5’4”. A prancha foi e voltou já adaptada de Santos e então no final de 2017 comecei o treino.
Só que esta prancha não tinha a flutuação e volume adequados para o foil e foi extremamente difícil pegar o ritmo. Eu remava, remava e tinha muita dificuldade para pegar uma onda, pois me faltava flutuação. Cheguei a perder 3 quilos em um mês de tanto exercício que fiz! Mais um telefonema e a solução estava à caminho: Alexandre King me traria no mês de janeiro deste ano de 2018, uma prancha que seu piloto de teste, parceiro, amigo e atleta patrocinado, o Fernando Mizi, estava usando. Mas qual não foi minha surpresa ao receber a tal prancha! Uma 4’8”! Eu jamais havia nem sequer remado numa prancha deste tamanho. Ela ficava abaixo do meu queixo e nem sou alto, tenho 1.73 m. Mas nada que meu “padrinho” no foil não viesse a me incentivar.
“Vai lá Motaury e vai ser feliz. Só toma cuidado que ela é mega arisca…”. Ainda com aquela good vibe do já meu grande brother King, fui surfar com minha 4’8”. Realmente, após duas “vacas” seguidas, num mar bem pequeno na praia do Porto, em Imbituba, saí na terceira onda voando com meu “tapete voador”! E não parei mais…
Bom, a minha história ainda está muito no início, sendo escrita página por página, onda por onda e também amigo por amigo. Tive e tenho a companhia do meu “primo”, o Fred, que mora em Ibiraquera e também começou a praticar o foil e rapidamente se adaptou, pois tem aptidão e talento para o surfe e também para o SUP.
O Mizi se tornou minha principal referência no foil surf aqui no Brasil e também amigo meu, além do Mico Petroni, que ainda não conheci pessoalmente mas que já somos como velhos amigos, pois seguimos um ao outro no Instagram.
O foil surf, por incrível que pareça, não veio crowdear ainda mais nosso mar entúpido de surfistas! As ondas que nós (foilers) surfamos, são, na maioria das vezes indesejadas para o surfe normal de pranchinha. O grande prazer do foil são as ondulações. Mares que eu nem viria a surfar, tem sido muitas vezes aqueles que pego muitas e muitas ondas com meu foil surfe.
E quando está bom para surfar, vou de pranchinha mesmo, long, SUP ou qualquer equipamento que me faça deslizar sobre as águas, afinal de contas foi este deslizar que me “conquistou” quando era pequeno. Agora lembra que falei para você guardar a palavra voo!
Então, surfar de foil, está sendo até agora meu mais alto “voo” deslizando sobre as águas.
Que venham muitas ondas ainda. O foil ainda está no começo, os equipamentos e points a se surfar ainda serão desbravados, um mundo a se conquistar! Que este texto sirva também de incentivo para aqueles que querem, no foil ou na vida, sonhar alto e alçar novas conquistas. Nunca é tarde para sonhar, para arriscar, para realizar…
Para acompanhar as sessões de Motaury Porto, siga o perfil @_motaury_ no Instagram.