Mês de junho começou com a triste notícia da lesão do bicampeão John John Florence. Durante um free surf em Bali, o havaiano lesionou o joelho quando se reposicionava na prancha após aterrissagem de um aéreo. Não se tem informações precisas por enquanto.
O atleta postou o vídeo nas redes sociais do momento do trauma e as melhores informações que podemos extrair com as imagens são do mecanismo de lesão do joelho e de que o mesmo pôde sair caminhando do mar.
Em relação ao mecanismo de trauma do joelho observamos um “stress em valgo” associado a uma força axial durante a aterrissagem. Essas forças atuando sobre a articulação, podem promover diversas lesões dentre elas: lesão do ligamento colateral medial (a mais provável), lesão meniscal, lesão do ligamento cruzado anterior e até fratura impactada do planalto tibial.
Para um diagnóstico mais preciso, são necessários avaliação clínica e exames de imagem (ressonância magnética). Em qualquer umas dessas hipóteses, obrigatoriamente o exclui de participar da etapa de Uluwatu.
O tempo de recuperação dessas lesões varia muito, desde três semanas até 6 meses, dependendo do grau e estruturas envolvidas. Torcemos muito para o havaiano se recuperar o mais breve possível! Força JJF e reabilitação!
Mas J.J. Florence é só mais uma “vítima” desse novo estilo de surfe profissional. Os nossos brasileiros, conhecidos pela radicalidade, Italo Ferreira, Caio Ibelli (recém operado do pé), Gabriel Medina, Filipe Toledo entre muitos outros, também já ficaram fora de competição por traumas semelhantes.
Em uma pesquisa informal tendo como fonte o site da WSL, notamos que nos últimos quatro anos (2013-2017) aproximadamente 70% das lesões, que obrigaram o surfista profissional a parar de surfar por pelo menos um dia, eram do membro inferior, principalmente, do joelho e tornozelo.
Essa mesma pesquisa, se fosse realizada 15 anos atrás, provavelmente teria uma proporção bem diferente, observaríamos um afastamento por lesões crônicas de coluna e ombro, e agudas por contusão direta. Mas, por quê? Resposta fácil: o surfe profissional mudou e muda muito!
Equipamento: prancha antiga mais pesada não permitia aéreos tão altos, porém qualquer choque contra aquela já era um trauma contusional de alta energia.
Manobras: o atleta antes era valorizado pelas manobras de bordas, hoje as manobras radicais como o aéreo são um ótimo recurso para um “high score” na bateria.
Competitividade: a exigência sobre o atleta profissional é enorme (não digo que antes não tinha) mas hoje a pressão da competição e profissionalização do esporte levam o surfista profissional a um extremo de performance.
Padrão de treinamento: hoje o treinamento com acompanhamento multiprofissional e especializado previne o surfista de lesões muito mais comuns antigamente como coluna e ombro.
Idade média dos profissionais: os atletas profissionais são submetidos a um treinamento cada vez mais intenso e precoce, quando muito das suas estruturas físicas ainda não estão maduras o suficiente. Isso pode gerar lesões crônicas e alterações anatômicas que podem favorecer algumas lesões.
Em todos os esportes de nível profissional competitivo, no qual a exigência é muito alta, nos deparamos com esse dilema: “até que ponto o esporte competitivo é saudável?”. Não temos dúvida que a prática do surfe é muito saudável, mas muito nos preocupa se ainda teremos surfistas profissionais, como Kelly Slater por exemplo, surfando em alto nível até os 40 anos, tomara que sim, mas provavelmente não.
Da mesma forma que cada vez mais o surfista se profissionaliza jovem, ele também se aposenta jovem e muitos desses não conseguindo surfar sem dor. É com essa preocupação que cada vez mais estudos são realizados afim de manter a longevidade do surfista profissional.
Treinamento físico profissionalizado, orientação nutricional e acompanhamento médico preventivo são as principais chaves de um surfe saudável e por bastante tempo.
Pratique muito surfe e não espere sentir dor para procurar ajuda de um profissional da saúde. Procure para nunca sentir dor. Prevenção sempre! O surfe é saúde do corpo e da mente! Continue praticando!
Entenda por que a aterrissagem do aéreo é um prato cheio para as lesões de tornozelo e joelho:
1) Força gravitacional: gerada pelo aéreo
2) Posicionamento do corpo no momento da aterrissagem: adução do quadril + valgo do joelho + varo ou valgo do tornozelo
3) Força externa da onda: força que instabiliza o corpo do atleta
4) Superfície instável de aterrissagem: a prancha em contato com uma superfície marítima irregular associada a um atrito reduzido da superfície
Dr. Guilherme Vieira Lima, o Guiga, é especialista na área de medicina esportiva e médico da Surfing Medicine International. Para saber mais sobre o seu trabalho, siga o perfil @SurfeSaude no Instagram.