SurfTech & Saúde

O outro lado da evolução

Guilherme Vieira Lima, colunista do canal Surfe e Saúde, analisa prós e contras da evolução do esporte, levando em consideração efeitos colaterais de alguns benefícios.

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Johanne Defay adota o capacete depois de se contundir durante os Jogos Olímpicos 2024 em Teahupoo, Taiti. Equipamento está cada vez mais associado à sergurança no esporte.

Não sei ao certo com quantos anos comecei a surfar, mas tenho perfeitamente a recordação dos dias quentes e da água cristalina em que eu me divertia muito com a prancha com desenho de jacaré que eu revezava com meus primos.

Meu corpo era marcado pelo branco do Hipoglos®, no rosto igual os surfistas gringos e na barriga para aliviar a assadura provocada pelo atrito do isopor. Lembro também da minha boca ficar enrugada de tanto tempo que eu ficava na água salgada. No dia seguinte era a mesma coisa durante o verão inteiro.

Muito tempo se passou e faço uma reflexão a respeito das mudanças tecnológicas que ocorreram no surfe e que tem repercussão importante na saúde do praticante. O meu velho problema da assadura na barriga foi minimizado por camisetas de lycra com fator UV.

As pranchas para iniciantes como as softboards, diferente do isopor, não produzem tantas lesões na pele e além disso, são leves e macias, que amortecem a energia em qualquer trauma e evitam uma lesão mais grave.

Indo mais a fundo, hoje a previsão da ondulação é mais precisa, precoce e facilmente acessível, facilitando a programação da surftrip, do surfe de final de semana ou até mesmo a caça por uma onda gigante como fazem os “big riders”.

Mas essa facilidade pode gerar em muitos surfistas, sintomas de ansiedade exacerbada e até frustação. Esse tipo de avanço também proporcionou uma maior concentração de surfistas em certos locais e momentos, e indiretamente, com maior “crowd” existe uma maior chance de eventos traumáticos.

A evolução das pranchas também tem papel importante, através do avanço dos materiais e modelos, permitiu que elas sejam mais rápidas e leves propiciando uma mudança no padrão de manobras.

Sabemos que as manobras aéreas hoje são as grandes responsáveis pelo aumento da incidência das lesões ligamentares dos joelhos e tornozelos.

Os dias frios já não são limitadores para encarar o mar gelado de ondas clássicas. As novas roupas de neoprene permitem ao praticante surfar em condições de baixas temperaturas com uma boa mobilidade e conforto.

Eventos hipotérmicos e assaduras provocadas pelo uso prolongado dos modelos antigos já não acontecem com tanta frequência. A água fria produz também uma lesão no conduto auditivo chamada de “surfer ear” ou exostose, que hoje pode ser minimizada com o uso de plugues de ouvido. Esse dispositivo é muito usado em locais como Europa e Califórnia.

O surfe de ondas grandes talvez é a modalidade mais influenciada pela tecnologia. O modelo da prancha puxada por um potente jet-ski permite um surfe extremo de ondas maiores de 20 metros.

Porém nada disso, seria seguro se não houvesse uma roupa inflável, uma comunicação instantânea entre os pilotos de resgate e muito treinamento da equipe.

Outros equipamentos de segurança como botinhas e capacete colaboram para amenizar os traumas ocasionados pelo contato contra as bancadas de coral. Hoje penso que o capacete é o acessório que mais precisa de estudo e melhoria.

Os trabalhos científicos mostram que os traumas crânio encefálicos são os mais frequentes e que facilmente podem levar a uma perda de consciência e afogamento. Por isso, mais estudos e melhoria dos modelos devem ser realizados para uma maior aderência dos praticantes.

Os drones, câmeras aquáticas e lentes potentes revolucionaram a forma de captar imagem e possibilitam uma análise e um treinamento mais efetivo. Possibilitando extrair o máximo da performance de um atleta.

As piscinas são a grande revolução da década, produzir de forma artificial ondas surfáveis de alta performance é o evento que todos sonhavam. Mas, junto dela é importante lembrar que é praticada num local de baixa profundidade, com grande concentração de pessoas e pranchas; combinação perfeita para os traumas.

A piscina também permite que pessoas inexperientes e até incapazes de nadar possam surfar. Essa falsa sensação de segurança pode trazer repercussões drásticas, por isso, todo cuidado e prevenção são necessários. Saber nadar é condição obrigatória a todos os surfistas!

Perante a tantas mudanças não devemos esquecer que a essência do surfe é se divertir de forma segura. Não precisamos mais que uma prancha, uma bermuda e uma parafina para desfrutar dos benefícios a saúde que o esporte nos dá.

O sorriso, a diversão, o bem estar e a conexão com a natureza não podem depender da tecnologia. A minha eterna busca no surfe é sentir constantemente aquela mesma sensação que eu tinha quando surfava na minha prancha de isopor, e que, nenhuma tecnologia vai conseguir superar.