Homenagem ao ídolo

Um ano sem Jean

Em 24 de novembro de 2017, o surfe brasileiro ficava de luto com a morte precoce de um dos seus maiores ídolos.

Jean da Silva dá aula nos tubos da Cacimba do Padre durante o épico Hang Loose Pro de 2012.

Mais uma série perfeita aponta no horizonte. Com um talento natural para os tubos da Cacimba do Padre, Jean da Silva tem pela frente um adversário instigado, Gabriel Medina, de apenas 19 anos e faminto pelas esquerdas clássicas que bombaram durante todo o dia em Fernando de Noronha (PE).

O final de tarde não poderia estar mais iluminado para o surfista natural de Joinville. Minutos antes, seu grande amigo Ricardo dos Santos havia despachado o norte-americano Damien Hobgood com 18.33 pontos e um show nos tubos da poderosa Laje da Cacimba, conquistando o seu melhor resultado na carreira até então, uma semifinal de QS 6.000, o mais valioso da temporada.

Ao lado de Ricardinho, Jean era o melhor do evento naquelas condições. No round anterior, o catarinense acabara de anotar 19.47 na vitória sobre o aussie Mitchel Coleborn, quebrando os recordes do evento. E o futuro campeão mundial também sentiria na pele como era Jean da Silva em um dia inspirado. Com direito a combinação de notas, Jean não deu chances a Gabriel Medina e partiu em busca do bicampeonato do lendário Hang Loose Pro.

O ano era 2012. Jean da Silva já estava consolidado como um dos melhores surfistas do Brasil. Um competidor nato, mas também um exímio tube rider em condições extremas.

Mas, como manda o figurino, por trás de um grande atleta sempre existe uma grande pessoa. Aparentemente tímido, Jean era um cara extremamente inteligente, dono de um enorme carisma e paciência necessária para responder as perguntas de um jornalista em início de carreira, incrédulo com o que acabara de testemunhar na Cacimba do Padre.

Assim como na Indonésia, Fernando de Noronha era um dos lugares onde o catarinense conseguia mostrar todo o seu talento.

“Fui abençoado, mantive a rotina dos últimos dias e consegui achar boas ondas. Essas vitórias aumentam bastante minha confiança, graças a Deus deu tudo certo para mim”, respondeu Jean em um final de tarde abençoado na Cacimba, e moído depois de avançar três baterias em um mar que não estava para brincadeira.

Sim, Jean foi uma pessoa abençoada, não só naquele evento, mas também durante os seus 32 anos, vividos tão intensamente como se fossem duas vidas para um ser humano comum. Como esquecer das suas performances na Cacimba? E em Desert Point, Mentawai? Esses e tantos outros mares clássicos que ele fazia questão de compartilhar em vídeos sempre muito bem produzidos. Mesmo para quem não o conhecia profundamente (como é o meu caso), Jean foi capaz de deixar ótimas recordações – e é isso que pessoas abençoadas fazem.

O campeonato em Fernando de Noronha não foi o meu único contato com Jean da Silva. Em outras oportunidades, ele sempre mostrou disposição para dar entrevistas e a conversa sempre rendia boas risadas. Aliás, foi aqui no Waves que Jean provavelmente deu a sua última entrevista, ao repórter Fernando Iesca durante o QS de 2017 em Maresias. Sempre solícito, ele levava esse estilo simples para dentro da água, talvez por isso era recompensado quando estava cercado pela mãe natureza.

Ah, em tempo. Jean acabou não conquistando aquele bicampeonato em Noronha. Perdeu na final para Miguel Pupo. Mas quem se importa? Além da aula de elegância nos tubos da Cacimba, ele foi mais uma vez campeão no quesito educação e gentileza com jornalistas e público que prestigiou o evento. E é isso que Jean fazia de melhor, tanto na vida profissional como na pessoal.

Se há tubos no céu, eles estão sendo muito bem surfados neste último ano que passou. Obrigado e descanse em paz, Jean!

My Happiness – a short film from Indonesia (2013):

Carreira – Jean da Silva obteve muitos resultados expressivos ao longo da carreira. Nas categorias de base do Circuito Brasileiro conquistou três títulos: Iniciante (1999), Mirim (2001) e Open (2002).

Além disso, venceu três etapas do QS – Fernando de Noronha (2006), Portugal (2008) e Virginia Beach (2012); foi terceiro no Mundial Pro Junior em 2006 e, no mesmo ano, faturou o título catarinense profissional.

No ano de 2010, Jean tornou-se o primeiro surfista de Santa Catarina a erguer a taça de campeão brasileiro profissional. Dois anos depois, foi coroado campeão sul-americano da Association of Surfing Professionals (ASP), hoje conhecida como World Surf League (WSL).

Por anos, foi apontado como sério candidato a uma vaga na elite mundial. Chegou a ficar entre 10 primeiros no ranking no decorrer de algumas temporadas, mas sem conseguir manter o ritmo até o fim do ano.

Seu último campeonato foi o QS 3.000 de Maresias em novembro do ano passado. Jean chegou até a quarta fase do evento, terminando na 25ª posição.

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