Sou do Mar

Bruno Lemos em foco

Documentário Sou do Mar retrata trajetória do fotógrafo e cinegrafista Bruno Lemos, com pré-estreia no North Shore da ilha de Oahu, Havaí.

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Sou do Mar é um documentário que retrata a história de mais um amante do surfe. O documentário de 75min teve sua pré-estreia na ilha de Oahu nesta semana no North Shore da ilha de Oahu, Havaí, mas deve chegar ao Brasil em breve.

A impressão é a que estamos vendo gotas de água salgada em cada frame de um filme que conta a história do carioca Bruno Lemos, um surfista, que para continuar perto das ondas virou cinegrafista e fotógrafo de surfe.

Radicado no Havaí desde 1991, Bruno construiu sua reputação nas ilhas com um trabalho incrível. Ele costuma reunir em seu estilo de fotografia uma pegada jornalística, mas ao mesmo tempo artística, sempre mostrando detalhes às vezes não percebidos, em um trabalho que envolve paixão, técnica e talento.

Era fim dos anos 80, quando Bruno, ainda era um “menino do Rio”. Na época, ele se deparava com a realidade de que o “Havaí não era ali” onde ele morava. Algo bem diferente da famosa música de Caetano Veloso, inspirada no surfista Petit, um “soul surfer” do Arpoador e um mito da era romântica do Píer de Ipanema.

E a ideia de tentar remar para praias distantes começa a ganhar força na cabeça e na alma de Bruno, uma mistura de sonho de adolescente, com a necessidade de se entregar de corpo e alma a um projeto de vida onde o foco era apenas o esporte.

“Surfe é uma atividade muito especial, diferente de qualquer outro esporte”, explica Lemos, que consegue passar exatamente isso nas cenas de ondas perfeitas e tubulares registradas ao longo do filme, que também vem recheado de imagens de uma natureza exuberante, mostrando o lifestyle apaixonante num dia a dia de contemplação, admiração, gratidão e respeito à obra inspiradora do criador do universo.

“Quando você conhece o que é estar dentro de um tubo, a sua vida muda”, ele narra. “Tem pessoas que depois deste primeiro contato com o surf, descobrem e tem a convicção de que é aquilo que querem fazer pelo resto da vida. E acabam dedicando toda a vida para o surfe. Acho que foi isso que aconteceu no meu caso também”, resume Lemos.

O jornalismo já fazia parte de sua vida desde antes de ir ao Havaí, quando no início da década de 90, trabalhou como repórter na edição brasileira da revista Surfer, que era comandada pelo fotógrafo brasileiro Carlos Lorch, que detinha os direitos da revista americana no Brasil.

Foi enquanto Bruno trabalhava na Surfer que ele entrou em contato com grandes nomes da fotografia internacional, como Jeff Divine, Dick Meseroll entre outros e, sem saber, passou a assimilar o que no futuro viria a ser parte de seu DNA.

O filme retrata parte dessa jornada de Bruno, que queria ir ao Havaí não para passear, mas para ficar. Quando a revista fechou diante das dificuldades crônicas da economia brasileira, com pouco dinheiro no bolso e uma passagem comprada pela revista Surfer, Bruno partiu para o sonho de tentar viver no Havaí.

A grana evaporou logo no primeiro dia. Mas, isso não foi motivo para dissipar o projeto e a missão de perseverar nas ilhas. Ele dormia na praia, dormia nos arbustos, no ponto de ônibus ou na casa de amigos.

Enquanto isso, continuava a sonhar, afinal, estava no Havaí, sorriso no rosto, altas ondas todos os dias, amigos dando uma força. Foi quando o verão chegou e Bruno começou a frequentar a casa do Relson Gracie, em Honolulu, sul da ilha de Oahu. Relson, o disseminador do “Brazilian Jiu-Jitsu” no arquipélago, acabou lhe amparando.

De tanto ver pranchas de surfistas profissionais quebradas na lata de lixo, Bruno passou a recuperar e consertar várias delas e, graças às noções de conserto de pranchas que tinha ainda dos tempos de Rio de Janeiro, aos poucos estava com um quiser completo de pranchas clássicas e caras.

E como lá também jogam muita bicicleta fora, passou a montar as bikes para alugar e vender. Era um negócio meio Frankenstein, pegava roda de uma, corrente de outra, guidão de outra, e via que dava pra fazer uma grana, a ponto de poder alugar seu próprio canto em Velzyland.

Foi nessa fase que Bruno conhece a bodyboarder profissional Claudia Saboya, sua futura esposa e mãe de seu filho Keale. Precisando sustentar a família, Bruno começa a trabalhar primeiro num camelódromo, depois em construção civil e acabou se confrontando com o contraste e a dura realidade de sair do Brasil imaginando se tornar um surfista conhecido e acaba ganhando a vida como “peão de obra”.

Mas, o trabalho enobrece e “desempobrece” e fortalece o homem. Bruno aos poucos foi adquirindo um poder aquisitivo melhor e conseguiu alugar um quarto em uma casa em V-land.

Por acaso, o vizinho de frente era o cinegrafista Larry Haynes, que já fazia uns filmes de surfe e usava pequenas câmeras de Hi-8 com caixa-estanque para filmar dentro da água. Ao notar que Haynes vendia um clipe por um valor que variava entre US$ 200 a US$ 300, enquanto ele tinha que trabalhar duro para ganhar uma fração daquele valor, Bruno achou que se entrasse para a fotografia de surfe também conseguiria fazer essa grana.

Trabalhando muito durante um verão, ele economizou para comprar sua primeira câmera, e fazer uma caixa-estanque. Mas já nas primeiras tentativas com o equipamento não se saiu muito bem. Deu tudo errado, relata Bruno. “Foi uma experiência muito difícil, eu não consegui filmar nada. Não conseguia ficar no canal, não conseguia me estabilizar, pé de pato apertando, começou a dar câimbra, a câmera ficou toda embaçada, saí da água frustrado!”.

Foi quando entendeu e caiu na real do porquê ser um trabalho caro, pois se trata de um serviço muito difícil de realizar. Mas, passou alguns dias e deu um mar em Pipeline, 6 a 8 pés.

“Entrei lá fora, tubão na cara, sensação de vitória!”. Logo depois, mar grande em Waimea, começou a ouvir sirene de ambulância e saiu do mar. Ao chegar na areia, um repórter de TV local perguntou se tinha imagem da série monstra.

Pegou o filme e correram para Honolulu. O big rider Todd Chesser tinha se afogado em Marijuana’s, ao lado de Waimea e aquela era a notícia do dia. Sim, era uma notícia triste para a família de Chesser, mas Bruno Lemos, enfim, tornava-se um camera man, numa época em que havia muitos fotógrafos, mas poucos caras fazendo vídeo.

Bruno passou a entender melhor como funcionam as ondas de Waimea, Pipeline e a carreira deslanchou. Começou a contribuir com TVs no Brasil. “O Bruno se tornou muito cedo um videomaker completo”, diz Ricardo Bocão, mito da mídia do surfe, criador do Realce e do canal Woohoo, juntamente com o parceiro Antônio Ricardo, precursores da cobertura do esporte no canal Sportv.

Mais ou menos nesta época, lá pelo início dos anos 2000, estreitou sua participação no porta lWaves e pôde, enfim, dedicar-se integralmente às imagens, deixando de vez a dura vida de trabalhador braçal.

Lemos também fechou contrato com o canal Woohoo e tinha um programa próprio, o Kaunala Road, que nada mais era que o seu próprio endereço no North Shore. Estava pavimentada a belíssima carreira desse fotografo de surfe, que iria evoluir para a produção do premiado longa- metragem Além da Visão, baseado na vida do surfista cego Derek Rabelo, um sucesso dentro e fora do ambiente do surfe, assim como imagens premiadas no prêmio XXL, o Oscar de ondas grandes, bem como tantos outros projetos grandiosos no canal OFF e imagens publicadas nas principais revistas e emissoras de TV de todo o  mundo.

Tendo como grande influência o cinegrafista americano Jack McCoy, autor de Storm Riders (1982), Occy the Occumentary (1998) e A Deeper Shade of Blue (2011), entre tantos outros clássicos da cinematografia do surfe; Don King e o já citado Larry Haynes, Bruno Lemos se estabelece entre os grandes nomes da mídia em todo o planeta.

“Eu aprendia vendo o trabalho destes caras”, admite, “tentando fazer parecido”, explica, afinal não tinha tempo nem grana para fazer um curso de fotografia.Warren Bolster, Jim Russi e Vince Cavataio foram grandes fotógrafos de “still”, que serviram de inspiração na “universidade” a céu aberto de fotografia do North Shore.

Com o tempo, ele vai assimilando toda a informação para eventualmente também vir a ser um dos caras influentes e transformadores. O resultado disso, Bruno explica: “Quando você mora no lugar que tem algumas das melhores ondas do mundo, e alguns dos melhores surfistas do planeta, a chance de você também estar fazendo algumas das melhores imagens do mundo é grande.

A facilidade para fotografar e filmar era nítida, e esse dom acabou levando Bruno ao redor do mundo, África, Taiti, Portugal, Fiji, e tantos outros epicentros das ondas. Humilde, Bruno Lemos atribui o sucesso da sua carreira à ajuda de Deus. “Aqui é tudo muito difícil, competimos com os melhores do mundo, os caras com os melhores equipamentos, com revistas e TVs apoiando”, avalia Bruno Lemos.

Mas, as dificuldades jamais são um entrave na vida dele. Ao contrário, mesmo sem ter os investimentos de grandes nomes da imagem do surfe, ele não deixa de estar entre os melhores fotógrafos ou cinegrafistas que moram no North Shore.

Mas o legado de Bruno não pára por ai. Um belo dia, o filho Keale decide entrar no Backdoor com uma câmera Go Pro. E estava completa a transição de pai para filho de uma paixão pelo mar, pelas ondas e pela fotografia. Apesar de no início ser contra o filho se tornar fotógrafo, Bruno Lemos acaba por admitir que o “moleque leva jeito”.

O filme também revela cenas emocionantes da luta entre a necessidade de fazer a foto perfeita, sob condições bem adversas de uma onda atrás da outra, sem ter tempo de recuperar o fôlego e fugir das rasas bancadas de pedra ou de coral. No fundo, a discussão toda é: vale a pena?

A resposta é sim, vale e muito a pena! Segundo o veterano fotografo Fred Rozário, um dos personagens do documentário: “Você não vai ficar milionário”, diz Fred. Mas nem tudo na vida é dinheiro. Viver feliz, amar o que faz, fazer com que faz com alegria, dá um importante significado para a vida.

É mais ou menos isso que Bruno Lemos quer dizer com Sou do Mar. “Você não compra a felicidade. Isso vem das coisas simples, das coisas que você gosta”, sintetiza o surfista Diego Santos.

“Para uma pessoa viver do que ela gosta, primeiro ela tem que ter humildade e energia para fazer o que ela gosta bem feito”, ensina Ricardo Bocão. Para finalizar, “Sou do Mar” parece mais uma lição de vida, acompanhada de uma espécie de mensagem de amor e de filosofia de vida.

Acima de tudo, o protagonista do filme demonstra gratidão pela carreira, pelas ondas e pela oportunidade que a vida lhe deu. Entre altos e baixos, vitórias, derrotas e conquistas, diz Bruno Lemos.

“Temos que passar por tudo isso e manter a mente positiva, seguir os sonhos e fazer o que te deixa feliz ̃.

Sou do Mar conta com depoimentos de algumas personalidades do surfe como Binho Nunes, Rodrigo Resende, Ricardo Bocão, Fred Rozário, Antônio Ricardo, Sebastian Rojas, André Rei, Keale Lemos (filho) Claudia Lemos (esposa), Alba Lemos (mãe), Pedro Tojal entre outros.

Surfistas que aparecem no filme: Bruno Lemos, Keale Lemos, Binho Nunes, Rodrigo Resende, Albee Layer, Shayden Pacarro, Kiron Jabour, Diego Santos, John Florence, James Jones, Kalani Robb, Johnny Boy Gomes, Eddie Rothman, Kalani Chapman, Liam McNamara, Braden Dias, Keone Downing, Daniel Skaf, Carlos Burle, Nainoa Surrat, Pancho Sullivan, Derek Ho, James Labrador, Andy Irons, Pedro Scooby, Kelly Slater, Garrett McNamara, Bruce Irons, Shane Dorian, Laird Hamilton, Rodrigo Resente, Romeu Bruno, Sylvio Mancusi, Danilo Couto, Dan Moore, Bobo, Makua Rothman, Yuri Soledade, Márcio Freire, Keanu Asing, Pedro Calado, Adriano de Souza, Gabriel Medina, Tyler Newton, Hizunomê Bettero, Shane Dorian, Tom Doosland, Aaron Gold, entre tantos outros não identificados.

Sou do Mar, filme de Bruno Lemos.

Ficha Técnica

Direção: Bruno Lemos

Fotografia principal: Bruno Lemos, Keale Lemos, Mateus Werneck e Kleber Pires.

Colorização e Finalização: Eduardo Barbetta.

Edição: Bruno Lemos e Leo Lemos.

Designer Gráfico: Moyses Levy.

Imagens adicionais: Rosaldo Cavalcanti , Marcelo Dias, Paulo Magulu, Paloma Marchetti, Yana Vaz, Claudia Lemos.

Fotos: Wagner Ziguelmeyer, Paulo Zardo, Gustavo Malheiros, Timothy Won, Scott Hartvigsen, Frank Faro, Fernando Cazaes, Paulo Barcellos, Renato Tinoco e Alceu Toledo Junior.