Gregório Motta

Arte funcional na água

Aerofish, do shaper Gregório Motta, fecha parceria com Powerlight e mescla tecnologia com tradição das pranchas alternativas.

0
Gregório Motta shapeia há 20 anos.

Gregório Motta é formado em Desenho Industrial,  apaixonado por pranchas e experiente shaper. Com uma trajetória que começou de forma orgânica em 2002. Oriundo de uma família de artistas, ele vem aprimorando suas habilidades e conhecimentos, inicialmente influenciado pelo shaper Akio e outros mestres no campo.

Com 20 anos de shape, sua jornada incluiu trabalhos em diversas marcas renomadas, como a Lightningbolt e Hang Loose, além de uma constante busca por inovação e qualidade em suas pranchas. Sua abordagem combina arte e funcionalidade, impulsionada pela sua paixão pelo surfe e pela observação atenta das necessidades e desempenho dos surfistas.

Confira uma entrevista com o shaper paulistano que recentemente fechou uma parceria com a Powerlight Surfboards e segue em busca de novos caminhos.

O quiver Powerlight-Aerofish: tecnologia com design.Divulgação.
O quiver Powerlight-Aerofish: tecnologia com design.

Como foi o início de sua carreira como shaper?
Eu comecei a shapear minha primeira prancha em 2002, de uma maneira bastante orgânica. Na época, já trabalhava na marcenaria com meu pai desde 2000. Foi quando o shaper Akio, japonês, que naquela época eu e meu pai encomendávamos pranchas, junto com o Paulo Rabelo, Thyola da Lightingbolt e Neco Carbone, passou pelo atelier do meu pai e disse: “Estou de volta do Japão e se vocês quiserem fazer pranchas, estou na área”.

Meu pai, naquele momento, não estava interessado, então sugeriu que Akio me levasse para trabalhar com ele, já que eu era o filho do patrão e ele queria que eu vivenciasse outras experiências. Akio gostou da ideia e me convidou para ajudar nas funções, como varrer a sala e arrumar as ferramentas.

A Linha Power Light-Aerofish atende a todos os gostos.

Esse foi o meu primeiro contato com a sala de shape. Eu chegava lá e ficava observando ele riscar os outlines, cortar com serrote, usar a plaina, desbarrar, enfim, todo o processo de shape. Com o tempo, é claro, quis encomendar uma prancha com ele e participar mais ativamente do processo: shape, pintura, laminação.

Ele fazia a prancha inteira. Depois, pedi para participar mais ativamente do processo de fabricação de outra prancha, pois já trabalhava com ele e tinha a mão firme devido ao trabalho de marcenaria que fazia com meu pai. Ele entendeu e curtiu a ideia. Quando cheguei com essa prancha em Camburi, a galera pediu para ver.

Eu falei que eu tinha shapeado, aí bateu aquela egotrip, tipo, eu shapeio, estou lá com o Akio. E aí eu cheguei nele com as encomendas para ele surfar e eu ajudar. Depois de estar tanto tempo na água, foram surgindo novas encomendas. Eu fazia a preço de custo só para treinar. Fiquei durante um ano com o Akio. O pessoal da Lightningbolt me chamou para trabalhar. Quando ele veio para São Paulo, eu falei: “Rola uma vivência na sua fábrica”.

Gregório pondo em prática o hand shape.

Ele concordou, e lá estavam o Neco Carbone e outros shapers. Fiquei nessa transição de estudar, fazer as pranchas no final de semana e logo em seguida fui convidado pelo Alfio para trabalhar na Hang Loose, que na época tinha nomes como Bernardo Pigmeu, Marcondes Rocha, Danilo Grilo e Fábio Gouveia na equipe. Minha função era cuidar dos atletas nas viagens de surfe. E nessa ele me mandou para o Havaí.

Fiz três pranchas e chegando lá, vi que muita gente fazia prancha, o que me deu ainda mais vontade de entrar nesse mundo. Então, o início foi realmente assim, bem orgânico. Fiquei uns dois anos nesse esquema mais simples, sem marca na prancha, sem nada. Foi quando decidi realmente pensar “poxa, estou para me formar, com 24 anos” e decidi alugar uma garagem na Lapa para montar uma salinha de shape, no estilo Havaí.

Shaper e surfista Gregório Motta, proprietário da marca Aerofish.Divulgação
Shaper e surfista Gregório Motta, proprietário da marca Aerofish.

Percebi que não precisava ter uma fábrica gigante, bastava ter uma sala. Quando fui fazer esse contrato, meu pai falou que tinha um recuo entre dois imóveis e propôs: “vou bater uma laje e você fica durante dois anos. Se der certo, você segue; se não der, você me devolve.” E assim foi.

E esse lugar onde estou até hoje, entre dois imóveis do meu pai, foi incrível porque fiquei aqui na Vila Madalena, num lugar bacana, e montei um atelier. A minha sala de shape era aqui na loja e as pessoas vinham me ver e viam a sala de shape. Começou a ser um lugar onde a galera vinha para se encontrar também. Comecei a fazer pranchas alternativas porque fazer pranchas de alta performance era muito difícil, com bico fininho, rabeta fininha.

Você sempre optou por fazer pranchas alternativas, fale sobre esse processo:

Então comecei a fazer pranchas diferentes, biquilhas, monoquilhas. Para onde eu ia, levava essas pranchas e as pessoas começaram a reparar. Eu surfava com elas e as pessoas viam que eu pegava bem. Sempre fui bem pescador, sempre tive essa relação com a pesca, e assim nasceu a Aerofish.

Quanto à combinação entre o lado artístico e a funcionalidade da prancha, eu acredito que minha experiência como surfista é fundamental. Quando eu fazia uma prancha e ela não funcionava bem, eu queria surfar com outra prancha. Comecei a observar por que a prancha de certa pessoa funcionava e a minha não.

Ângulo de quilha, curva, espessura. Estou sempre dentro da água, faço surf trips constantemente. Além disso, sou de uma família de surfistas; meu pai e meu irmão também surfam. Morei na Califórnia aos 14 anos e lá sempre encomendava pranchas com bons shapers. Também tenho uma ligação com a náutica, acostumado com embarcações, então consigo transferir isso para o design das pranchas.

Linha Gregório Motta para Deux Ex Machina.

Você tem uma verve artística em suas pranchas, como você introduz esse lado em suas pranchas?
Meus pais são artistas, sou formado em Desenho Industrial, então tenho muitas referências. No desenho industrial, fiz design de produto, e todo produto precisa ter um propósito e ser funcional, e aplico esse processo nas pranchas. Acho que algo que coloco no meu design é a psicologia do cliente, porque ele vem com algo que almeja na cabeça.

Às vezes, nós, shapers, inibimos isso, dizendo “não, isso não dá certo. A prancha certa é essa, com essas medidas”, e eu acho que o surfe não tem regra, ele é algo que desliza. A prancha boa é a prancha que funciona para você. Com 20 anos de experiência fazendo pranchas, a cada dia aprendo mais e entendo mais as necessidades de um surfista, para que a prancha leve essa felicidade, essa amplitude para ele.

Recentemente você fechou uma parceria com a Powerlight, como tem sido a experiência?
Hoje, a Aerofish tem 28 modelos de prancha, não para ter um número específico, mas para tentar atender a todos os gostos. Eu vejo o surfe como leitura, surfar é ler. Assim como você lê um romance, um gibi, um jornal, e cada leitura te traz uma vivência diferente. Surf é isso, às vezes você não está muito a fim de surfar, mas você tem uma prancha boa, que você sabe que vai funcionar naquele mar, e isso te estimula.

Naquele meio metrinho, maral, fraco, ela vai desempenhar. Ou em Desert Point, cavado, só tubo, ela vai te atender. Então, a Aerofish é muito eclética. Sobre a parceria com a Powerlight, no ano passado, eu já estava buscando algo a mais que não dependesse tanto de mim. Eu estava pensando em abrir isso e capacitar a Aerofish para ter mais produção. O Fábio da Magic Surf percebeu que a Powerlight, assim como a Firewire, poderia ter novos shapers.

Ele tem uma tecnologia muito boa e, agregando essa tecnologia aos novos designs, além dos que ele já tem, ele oferece um menu bem mais variado ao cliente dele, para o lojista, para o cliente final, para todo mundo que queira. Então, ter uma Powerlight shapeada pelo Guga, testada por ele, que é um atleta de alto nível, é muito legal. Mas só havia esse caminho.

E quando ele ampliou para o Zabo, Arenque, Fábio Gouveia, e agora a Aerofish, eu achei irado. Por um lado, fiquei enciumado porque eu ia licenciar alguns modelos, aquele esquema, pensei: “Poxa, passei 20 anos desenvolvendo e agora vou liberar?” Não, né. Coisa de pai… O mais importante é que essa junção do design funcional da Aerofish com a alta tecnologia da Powerlight gerou pranchas incríveis. Eu fiz uns protótipos para testar e as pranchas ficaram excelentes!

Quais são os modelos que mais fazem sucesso?
A Aerofish nasceu com quatro famílias de pranchas: fishs, alternativas, performance e clássicas. Desde 2002, a gente produz biquilhas. Nas fishs, também fazíamos triquilhas. Nas alternativas, quad e pranchas mais “freak”, clássicas monoquilhas e tal.

Ao longo da história, a Fish clássica me levava para uma atmosfera incrível, mas em alguns momentos ela deixava a desejar. No backside, ela tinha muita borda para quando o mar estava grande. Mas a sensação da biquilha eu queria manter. Então, eu pensei que a prancha performance é muito boa porque tem uma borda mais sensível.

Então, vou mesclar os conceitos de biquilha e performance. Desse conceito nasceu a Flipper. Depois, nasceu a Number 9, que é uma terceira geração de biquilha moderna. E essa Number 9 eu mandei para a Powerlight; ela é muito inspirada nas pranchas do Mark Richards, um cara que, na minha opinião, todo surfista, shaper, tem que se inspirar. Ele inventou as biquilhas, modernizou muita coisa.

E nesse meu processo, o Fábio Gouveia, que sempre shapeou, fez algumas pranchas comigo, biquilhas principalmente. Foi daí que ele se encantou e recomeçou a fazer as pranchas dele que ele já fazia no passado.

A outra prancha foi a Pro Fish, que faz parte da linha de performance, mas esse não é necessariamente meu público-alvo. O surfista que não é profissional geralmente não tem uma constância diária no mar, e o surfe é ingrato.

Por mais que você treine na academia, faça outra atividade, você só melhora surfando diariamente, ou constantemente. Você surfa direto durante uma semana, mas para por três, já era. Então, a Pro Fish é uma prancha que tem performance, mas ela te impulsiona, te ajuda a surfar bem mesmo sem estar no ritmo.

Ela te antecipa na remada, no drop, na leitura do que vai acontecer na onda, e isso te ajuda a voltar a surfar bem de novo. E, por conta de eu ser paulistano, tenho muitas pessoas nesse estilo.

No terceiro modelo, eu queria algo que o cliente iniciante, simpatizante, alternativo ou clássico, pudesse ter uma prancha da Aerofish na Powerlight. Não precisa ser a biquilha, que é difícil, ou a Pro Fish, que requer um surfe já apurado, então eu entrei com a midlenght. Esse tipo não é um funboard, nem uma evolution, que podemos dizer virou uma moda em um passado recente.

A mid está em alta porque realmente é uma prancha muito boa. Ela é aquela prancha que atende à atmosfera da satisfação, você se diverte e sai do mar com a sensação de ter pego umas ondas boas, de ter conseguido dropar. Essas pranchas têm 6’4″, 6’6″, 6’8″ e 7’0″. Uma peculiaridade dessa prancha é que ela tem um fundo como se fosse um veleiro, todo em V-Bottom. Ela é macia e bem manobrável.

Quanto às pranchas de alta performance, eu sou atleta de alta performance, fui campeão universitário, já corri WQS, já competi em algumas etapas do Paulista Profissional. Então, o lado da performance sempre esteve muito presente comigo. A dificuldade no início era shapear essa prancha pelo refinamento muito alto.

Detalhes das swallows Aerofish-Powerlight .Divulgação.
Detalhes das swallows Aerofish-Powerlight .

E como as pranchas chamadas alternativas influenciam seu trabalho?
Então, eu comecei a shapear pranchas alternativas, o que ampliou muito o meu entendimento sobre o que é surfar também. Eu nunca injetei dinheiro na Aerofish e nunca tive sócio… Então, nesses termos, é muito difícil você investir em um atleta no início. Quando eu comecei, em 2002, já tinham caras como Ricardo Martins, Lelot, Avelino Bastos, e as pranchas de fora estavam bombando.

Nessa época, o pessoal deu uma esquecida nessas pranchas alternativas e para mim era muito difícil competir com essa turma. Mas, depois de uns seis anos, eu fiz uma proposta para o Pedro Dib. Antes disso, o Fábio Gouveia, o Sávio Carneiro, chegaram a fazer pranchas comigo pagando o material.

Já fiz prancha para o Tanio Barreto, William Cardoso, Marcos Sifu, Marcondes Rocha, Danilo Grilo. Mas o Dib foi o cara que comecei quando ele era bem jovem. Ficamos uns seis anos juntos. E depois de um tempo, ele acabou recebendo propostas de outras marcas e eu disse para ele agarrar a oportunidade porque eu não iria conseguir cobrir essas propostas. E, na sequência, eu peguei o Luciano Bruller no Instagram.

Gregório finaliza as canaletas de um shape.Divulgação
Gregório finaliza as canaletas de um shape.

Ele é um cara que eu consigo mostrar para o público que a Aerofish também é uma prancha de performance, que faz aéreo, faz tudo. Mas uma prancha de performance não precisa, necessariamente, ser 5’9″ com 18 de meio e fininha.

Na sua opinião a evolução das pranchas está mais atrelada ao design ou aos materiais?
Em termos de evolução, acredito que ainda há muito espaço para o design evoluir. Muitas descobertas já foram feitas em relação ao posicionamento das quilhas, que é essencial. Acredito que a união da tecnologia das quilhas com as novas laminações e medidas trará várias novas descobertas e combinações.

A tecnologia está aí para ampliar a sensação do que é surfar, mas acho que ainda não acabou essa jornada de descobertas. Estou começando a misturar algo que é retro com leituras mais recentes. Tenho a “Back in the Days” com os logotipos maiores, meio fluorescentes, com um outline retro, só que com o fundo côncavo, que antigamente não tinha, com ângulo de quilha em ataque, com uma saída de água com quick tail.

Aerofish-Powerlight, carbono.Divulgação.
Aerofish-Powerlight, carbono.

Qual sua opinião sobre o papel das piscinas de ondas na evolução do surfe e consequentemente das pranchas?
E hoje em dia, essa mistura está sendo muito favorável ao novo design de pranchas. Sobre as piscinas, acho um pouco limitado porque a onda não passa de um metro. Mas ela tem a gorda, a média e a cavada. E tem público de todos os tipos. Mas você tem uma diminuição muito grande na amplitude do que é surfar na natureza.

Meio metro na maré seca, meio metro na maré intermediária, enfim, a amplitude do que é surfar na natureza exige muito mais de um shaper. Acho que vai ampliar a tecnologia mais do que o design. Porque a onda artificial está tentando imitar uma onda da natureza, e a tecnologia será muito necessária porque é uma onda que precisa de uma prancha leve, já que a onda não tem tanta energia.

Mas temos vertentes que precisam ser consideradas, porque o cara que vai aprender na piscina pode até não saber nadar, porque ali ele, teoricamente, não morre afogado. Então, acho que a piscina veio para mostrar uma nova tecnologia de prancha, talvez full carbon, sem longarina, super leve. A princípio, é uma pista de teste onde você pode explorar aquele modelo em ondas de, digamos, até 1 metro.

Gregório Motta para Deux Ex Machina.

Depois disso, as possibilidades, atualmente, se esgotam. Então, eu acho que a piscina te limita, mas amplia a tecnologia e os testes. É uma pista de testes para você fazer testes. Eu mesmo fui lá testar as pranchas e achei irado! Porque surfar no mar, comparando com o skate, é o cara que até hoje desce corrimão de skate, pula degrau, anda no asfalto ruim e esse cara é hardcore.

E quando ele vai pra uma pista, lisinha, ele arrepia. Um lance que a piscina trouxe para o surfe foi a camaradagem. Você chega na piscina e o cara fala: nossa, que irada sua onda, é a sua vez, vai lá, algo similar ao skate, mas que não acontece normalmente no surfe. Esse approach de receber, tanto faz se você é ruim ou não, é a sua vez de ir no bowl andar até você cair. Depois é o outro.

A galera fica toda com o skate, pronta pra descer, mas enquanto você tá andando a pista é sua. Na rua não, se você não consegue descer o corrimão o problema é seu, eu tô indo. E no mar é assim, tá clássico, veio a série, eu vou pegar a melhor que eu conseguir, se você vai pegar outra eu não sei.

Por que você encomendaria uma prancha na Aerofish? Por ser genuína, verdadeira, por ser um peixe que precisa ir para a água e por ser algo que a pessoa estará levando não só uma prancha, mas uma bagagem de algo que vai levá-lo para outra atmosfera.

Clique aqui para obter mais informações.