Jornalista e surfista frequentador da Guarda do Embaú há 20 anos, Mário Estevam Malschitzky escreve na coluna Palanque Móvel sobre a triste morte do tube rider Ricardo dos Santos, falecido na terça-feira depois de ter sido baleado por um policial militar no dia anterior. Mário teve o prazer de ver Ricardinho enquanto criança, quando brincava com seu irmão e corria pelas trilhas da Guarda.
Surfistas em todo canto do mundo disputam ondas, espaço, muitas vezes de forma agressiva e voraz. Ainda assim, têm um sentimento de pertencimento a essa tribo, uma espécie de irmandade, de reconhecimento àquela pessoa que, assim como você, se realiza nas ondas. A percepção disso ficou muito clara quando a triste notícia da morte de Ricardo dos Santos ecoou pelo planeta. Os comentários de internautas nas matérias publicadas nos mais importantes websites especializados em surf tinham um ponto em comum: “We lost one of our own”, em português, “nós perdemos um dos nossos”.
Perdemos um brilhante integrante da nossa comunidade de uma forma assustadoramente ridícula. Ricardinho foi assassinado por uma triste alma que não dá valor à vida, seja a do nosso irmão, seja a sua própria, e de tudo que a palavra “vida” representa. A verdade é que nós, surfistas, bodyboarders, pescadores, mergulhadores, amantes da praia e da natureza, estamos perdendo espaço para pessoas como essa, que pouco se importam com qualquer coisa que seja.
Uma horda de infelizes que não sabem se divertir e se impõem através da violência. São, acima de tudo, disseminadores da poluição que existe em suas almas. Som absurdamente alto, lixo, drogas, ódio e desrespeito. Todos os resíduos tóxicos trazidos ao paraíso, contaminado o ambiente onde antes reinava a serenidade. E que fique claro: não faço qualquer distinção de raça, credo ou classe social. Estamos todos nesse barco.
O vazio na alma de uma pessoa capaz de um ato brutal como esse é facilmente preenchido pela poluição que paira sobre nós. Todos nós somos tocados e tentados por ela, mas quando temos nosso espírito preenchido pela presença de luz, encontramos equilíbrio. Caso contrário, podemos sucumbir e nos tornar mais um disseminador da poluição.
Onde vamos buscar nosso momento de paz, se já não podemos escutar o canto dos passarinhos, se não podemos sentir a mudança do vento, das marés, enfim, perceber o movimento da natureza? Talvez devamos ser mais ativos na luta pela preservação desse bem sagrado, não sei, mas definitivamente não podemos aceitar essa situação. Não podemos aceitar que um local tão belo como a Guarda do Embaú se torne alvo de gente tão mesquinha. Queremos as famílias nas praias, queremos harmonia.
Creio que Ricardinho, no fundo de sua alma, jamais aceitaria ver seu paraíso tomado por tanta sujeira. Assim, em uma ensolarada manhã de segunda-feira, o jovem campeão da Guarda do Embaú decidiu reagir e foi assassinado por isso. Corajoso nas ondas e na vida, ele deu o primeiro passo para retomarmos o que é nosso. Mais do que isso, foi até seus algozes para clamar o que todos almejamos: decência, paz e tranquilidade. Luis Paulo Mota Brentano tirou a vida de um garoto amado em todo mundo, mas provavelmente nem sabe o que é esse sentimento, o amor.
A tristeza e a falta de fé em relação a todo esse cenário são avassaladoras. O texto escrito por ele, denunciando os mal tratos à Guarda do Embaú, poderia muito bem servir para diversos outros lugares tão queridos por nós todos. Ainda, mais uma vez presenciamos um policial cometendo um crime. Começa a ficar difícil acreditar na corporação, ainda que muitas pessoas honestas nela trabalhem. Fica difícil acreditar que poderemos virar o jogo.
Entretanto, se formos tomados por esse sentimento, a morte de Ricardo dos Santos terá sido em vão. Se, ao invés disso, continuarmos na ofensiva pela defesa dos nossos locais sagrados, venceremos com certeza. Vamos vibrar positivamente e vamos cobrar de nossos governantes que tomem uma atitude. Não é fácil, eu sei, mas não podemos desistir. Afinal, a escuridão não é nada a não ser ausência de luz.
A comunidade mundial do surfe está em luto e sofre essa perda. A dor é ainda maior para aquela pequena comunidade à beira do Rio da Madre. À família, toda força e luz do universo. Perdemos um companheiro aqui nesse plano, mas ganhamos um santo protetor no céu. Um santo que irá proteger seu amado e belo cantinho. Um verdadeiro Anjo da Guarda.