Paraíso cobiçado

0

Perfeição é a marca registrada de Macaronis, um dos picos mais famosos das ilhas Mentawai, Indonésia. Foto: Bruno Lemos / Lemosimages.com.

Quando ouvimos as palavras ?ilhas Mentawai? logo imaginamos ondas longas, perfeitas e tubulares.

 

Localizado na costa de Sumatra, Indonésia, o arquipélago é hoje em dia um dos lugares mais cobiçados por surfistas do mundo todo pela variedade e qualidade das ondas.

 

Por causa disso as ilhas se tornaram alvo de barcos fretados, que cobram fortunas para levar os amantes das ondas a um dos lugares mais bonitos do planeta com o máximo de conforto e comodidade.

 

Em 1999 tive a oportunidade de ir para Mentawai filmar um episódio do programa Surf Adventures, à época um dos programas de surf mais conceituados na TV a cabo no Brasil.

 

Bruno Lemos sai de trás das lentes para dentro dos tubos de Lances Rights. Foto: Arquivo Pessoal Bruno Lemos.
Junto de alguns profissionais experientes alugamos um daqueles clássicos barcos de pesca indonésios e partimos do porto de Benkulu atrás de ondas e aventuras. Acabamos encontramos os dois.

 

Para dar uma idéia, em algumas noites tive que dormir de roupa de borracha, pois as fortes chuvas, freqüentes na região, simplesmente invadiam o convés e molhavam tudo e todos que estavam no barco.

 

Por causa desse motivo e alguns outros, carinhosamente apelidamos o barco de “favela trades”. Depois de alguns dias no mar, o motor deu problema no meio da vigem entre Lances Rigths e Macaronis.

 

Resumindo a história, tivemos que alugar uma canoa até a vila mais próxima, onde conseguimos pegar o “ferry boat” até o porto de Padang, encerrando drasticamente nossa “viagem dos sonhos”.

 

Eu havia prometido a mim mesmo que um dia ainda voltaria àquele lugar, nem que fosse de “ferry boat”, pois bem ou mal tinha acabado de aprender o caminho e percebi que com um pouco de disposição dava pra ir sem problemas e poderia até ficar acampado numa boa.

 

Principalmente se fosse em Katiet, ou Lances Rigths, como também é conhecida a direita perfeita e tubular que nunca mais saiu da minha cabeça.

 

O tempo foi passando e vez ou outra eu ouvia falar de como estava caro ir para as Mentawai e que a cada ano o número de barcos na região aumentava mais. Assim a promessa que tinha feito a mim mesmo de surfar Lances Rigths novamente ficava cada vez mais distante.

 

Até o dia que recebi um telefonema. Na linha estava Rodrigo Amado Martins, conhecido também como “Lambari”, um dos meus melhores amigos. Não o via há quase dez anos.

Era ano novo e fiquei feliz pela lembrança e pela consideração, mas não poderia imaginar que antes de desligar iria receber um convite irrecusável.

 

“Fechamos um barco para a Mentawai em abril e tem uma vaga sobrando. Você gostaria de ir conosco, pegar umas ondas e rever os amigos?”, perguntou lambari. Aceitei na hora. “Se levar o equipamento fotográfico e tirar uma fotos nossas, além do barco ainda podemos pagar a sua passagem”, completou.

 

Na hora fiquei mudo. Mas logo o cérebro funcionou e topei sem titubear. O problema é que era reveillon e senti que o Lambari estava meio ?alegre?. Por via das dúvidas liguei alguns dias depois para confirmar o convite, pois não queria me iludir com algo tão sério para mim.
     
Alguns meses depois eu me encontrava com a turma em Jakarta, rumo ao porto de Padang e prestes a embarcar no “Sans Soucci 2”, um veleiro de 80 pés muito bem equipado. Sem dúvidas um verdadeiro contraste com a minha primeira visita ao arquipélago.

 

Além da notável diferença no nível da embarcação, nenhum dos integrantes da barca era surfista profissional, pelo contrário, eram advogados, publicitários, diretores de marketing, executivos e até um fotógrafo (de publicidade), todos surfistas fissurados.
             
A maioria eu conheço da infância, da época em que morava no Rio de Janeiro, mais precisamente no condomínio Nova Ipanema, na Barra da Tijuca, onde juntos aprendemos a surfar.

 

Clique aqui para ver a galeria de fotos da barca

 

 

##

 

Visual típico das ilhas: onda perfeita e barco ao fundo. Foto: Bruno Lemos / Lemosimages.com.
Estima-se que atualmente há cerca de 60 barcos registrados atuando na região. A indústria dos “charters boat” é sem dúvidas a principal responsável pelo aumento do crowd no local. Como se não bastasse, uma série de resorts está surgindo nas redondezas.

 

O primeiro deles foi inaugurado recentemente. Com investimento de US$ 2 milhões, o Macaronis Resort é simplesmente um espetáculo.

 

Muito bem localizado, o estabelecimento conta com infra-estrutura de primeira, telefone, internet, bar, restaurante, sala de jogos e um veloz catamarã que leva os hospedes para surfar os outros picos da região.

 

Galera esbanja alegria em Lances. Foto: Bruno Lemos / Lemosimages.com.

O próximo a aparecer é o Katiet Villas, que está em fase de acabamento e deve abrir as portas em julho.

 

O pico com certeza atrairá muita gente, principalmente os que gostam de direitas, pois os bangalôs, individuais e de luxo, ficam literalmente a um passo da areia da praia de Katiet.

 

Tudo isso deve aumentar ainda mais o crowd na Indonésia, que vê o esporte crescer rapidamente também entre a população nativa.

 

Muitos locais já pegam onda e o número de crianças aprendendo também e incrível. A maioria surfa com pranchas quebradas no meio e abandonadas por lá.

 

Interessante é que eles costumam juntar pedaços de pranchas diferentes, bico de uma com a rabeta de outra. Quando um dos integrantes da nossa barca deu apenas a rabeta da prancha para um garotinho, ele saiu feliz da vida, como se tivesse em casa um bico esperando para ser colado.

 

Mas, com ou sem crowd as ondas continuam quebrando. Às vezes chegávamos num pico sem ninguém por perto e víamos as ondas quebrando perfeitas.

 

São momentos como esses que “pagam” a viagem e nessas horas você não consegue pensar em outra coisa a não ser pular na água e aproveitar a ocasião antes que algum outro barco apareça para estragar a festa.

 

Porém, durante uma session em Rags Rigths ficamos felizes em ver um barco chegando.  Estavam nele nomes como Michael Ho, Matt Archbold, Jeff Hackman e Dino Andino, todos acompanhados pelos respectivos filhos e alguns cinegrafistas que captavam imagens para um documentário sobre pais e filhos. Sem dúvida um momento clássico que valeu a pena ser presenciado.

 

Depois de dois dias seguidos em Rags Rigsts, uma das bancadas mais rasas da região, surfamos também Macaronis, Thunders, Burger World, Nipusy e, para finalizar bem a trip, pegamos dois dias em Lances Rigths, onde consegui achar alguns tubos e encaixar manobras que estavam há algum tempo no meu subconsciente, mas que por algum motivo não conseguia executar.

 

Acho que talvez a atmosfera do lugar e o fato de estar surfando uma onda tão especial ajudaram a quebrar essas barreiras e a colocar em prática aquele surf que vem de dentro da nossa alma.

 

Depois dessa sessão comecei a entender melhor porque as Mentawai atraem tanta gente. Pude também ver a alegria estampada no rosto de todos os que estavam no barco comigo.

 

A maioria normalmente deve surfar no máximo cerca de quatro a cinco horas por semana e nessa trip muitas vezes surfava quase seis horas por dia, em ondas que só via em filmes.

 

Eles provavelmente pegaram mais onda em dez dias do que um ano inteiro de surf no Brasil e sei que, assim como eu, eles já devem estar planejando uma forma de voltar o mais rápido possível ao paraíso.

 

Clique aqui para ver a galeria de fotos da barca