Por muito pouco não vimos ao vivo a maior tragédia do surf competição.
Tragédia anunciada, diga-se de passagem, pois no passado alguns pequenos sustos já foram protagonizados. Dirigentes e atletas tiveram tempo de sobra para tomar alguma atitude preventiva, mas nada (ou muito pouco) foi feito até então.
Já há tecnologia de sobra para evitar situações como essa. A empresa Shark Shield, por exemplo, já oferece um leash repelente que pode ser perfeitamente usado por surfistas em bateria e, até mesmo, é um tipo de tecnologia que pode ser aprimorada. Acredito que de agora em diante, usar materiais desse tipo, deva ser obrigatório em etapas como as da África, Austrália e Califórnia, lugares em que se sabe que os locais do pico são grandes seres marinhos e, muitos deles, predadores fatais.
Ontem foi o dia em que muitas mães ficaram assustadas, algumas pranchas foram e serão confiscadas por elas. Muitos surfistas repensarão atitudes de estar no lugar errado na hora errada. E, sobretudo Mick Fanning e, consequentemente a WSL, estão agradecendo por estarem (ambos, cada um a seu modo) vivos!
Quem não tem culpa é o tubarão, ou os tubarões, como alguns entendidos estão dizendo. Ataque ou não, o que se viu foi chocante, uma cena de pânico, que deu frio na barriga até do mais cético biólogo. Ninguém queria ver aquilo. Por sorte, não tivemos algo muito pior. Esse aviso não pode e, certamente, não será ignorado daqui pra frente.
Muitas piadas foram feitas e esse tipo de reação descontraída é comum acontecer, principalmente porque não houve nada mais sério com a integridade física de nenhum atleta.
Indo na onda das brincadeiras, já desencorajo a dizer que o tubarão era brasileiro, pois sabemos que no Brasil não existem tubarões-brancos. Então, Adriano de Souza nada tem a ver com isso. A melhor teoria é que ele foi contratado por Julian Wilson, que além de alguns juízes, estaria agora usando até ajuda do reino animal para aumentar suas notas e sensibilizar os juízes com suas notas infladas.
Calma, pessoal, só para respirarmos aliviados, pois, dos males os menores. Mick não se feriu, Julian nada tem a ver com isso e o topo do ranking continua nosso.
Contudo, assim como o alerta do tubarão serviu para repensarmos algumas medidas que devem ser tomadas para evitar situações como essa, o alarme do ranking está mais alto do que nunca. Não gostaria de dizer isso, mas realmente nos momentos em que o mar se apresentou em melhores condições e os adversários de maior gabarito vieram contra nós, voltamos a mostrar alguma inércia e descontrole em situações limite. Não tanto quanto no passado recente, mas algumas situações foram cruciais para o não avanço de nossos atletas na competição. Perdemos no surf.
Adriano mesmo, falou certinho ao dizer que perdeu para ele mesmo, pois na melhor onda da bateria deu uma senhora atolada no lip e perdeu a chance de ratificar-se na ponta do ranking, já que tiraria Julian do evento. O australiano está surfando muito e com alguns scores turbinados, tem grandes chances de ser campeão mundial do circuito.
Apesar de ser uma onda perfeita, as condições variam bastante com a maré, intensidade do vento e tamanho das ondas. Na maré seca e início da enchente em Jeffreys Bay, o surf é muito pra frente em praticamente toda onda e, tanto Mineiro, como Medina, apanharam para acertar os momentos corretos em que deveriam manobrar sem correr o risco de perder a onda que continuaria a correr rápida pela bancada.
Leituras perfeitas fizeram Slater e Julian nas quartas, que pegaram as ondas certas, passaram as primeiras seções com manobras limpas e funcionais, para pegar a parte mais clean da onda e estraçalhá-las até o final. Mick então, nem se fala, desnorteou Alejo!
Gabriel veio numa crescente no evento, ganhando confiança e mostrando que está reencontrando o melhor de seu surf em baterias. Não venceu, mas já convenceu bem mais do que vinha fazendo até então. Ganhou cinco posições no ranking e igualou seu melhor resultado no ano (Bells Beach). O paulista tem surfado muito bem com o fundo da prancha, jogando muita água e desferindo pancadas fortíssimas.
Wiggolly Dantas vem nessa mesma pegada, mostrando power extremo e muita fluidez. Vem se firmando, junto com Ítalo Ferreira, como os estreantes mais cascas-grossas do tour. Gostaria muto que Teahupoo esteja extremo, pois tenho certeza de que ele se destacará nesse tipo de condição.
Alejo definiu bem também, em uma de suas entrevistas, seu espírito no evento: “Não tenho nada a perder, então é só ir lá e surfar”. Essa declaração materializa o que é surfar com e sem pressão. Vencedor em Baliito, com passaporte carimbado para o próximo ano, nada melhor do que treinar competindo com seus adversários do próximo ano. O lance é aproveitar para corrigir erros e lapidar os acertos. Uma outra piadinha que se faz nos bastidores é que Alejo, quando ganha é brasileiro, quando perde é por culpa do sangue argentino. Quanta bobagem.
Filipe ficou no round 3, mais uma vítima do “tô nem aí” de Alejo, que esmigalhou uma onda da série e ofuscou o ataque aéreo de Filipe. Uma pena para o ranking, pois custou ao surfista de Ubatuba a vice-liderança na corrida do título. Vale apostar num treininho antes em Teahupoo, principalmente para se reencontrar com as ondas e acertar o equipamento.
Miguel não surfou mal, mas quando colocado “pau a pau” com o “backside black power nervoso” de Guigui Dantas, deixou a desejar. Precisa acordar para não ter que suar na segunda divisão. Dá tempo de sobra, varamos agora a metade do circuito.
Independente de suas alfinetadas nos brasileiros, é bom ver Slater voltando a dar uma encostada nas primeiras posições e protagonizando seus momentos geniais. Não dá pra cobrar muito de quem já deu espetáculo de todos os tipos, em todas as condições. Só dele estar ali ainda botando calor na molecada, já é a maior pimenta que o esporte precisa no momento.
O surf não precisa de espetáculos negativos que podem ser evitados, como esse do tubarão. Emoção negativa não faço a mínima questão de ver. Os protagonistas são os surfistas, o surf, o público, o esporte. a tragédia não vai virar piada.
Nosso esporte já não é mambembe faz tempo, mas vez ou outra fatos como esse nos mostram como a transição ao profissionalismo ainda não está completa.
*Colaborador: Maurício Piza (biólogo)