Kiko, irmão mais velho do Pinguim, of the best Surf Racks, o Francisquinho da vovó, gerado numa travessa da Paulista e nascido na Maternidade de São Paulo, Chico Giannattasio Neto ou Ratazana, como era mais conhecido no Vocacional Oswaldo Aranha, cuja seleção de 1.800 candidatos para 120 vagas, quis enfrentar aos 8 anos de idade, quando seu melhor amiguinho no Pio XII do Morumbi, o hoje renomado fotógrafo Marcio Sacavone, filho do escritor premiado, Rubens Scavone, pioneiro da ficção científica no Brasil, presidente da Academia Brasileira de Letras, modernista, humanista, progressista, contou que seu pai intelectual, havia recomendado a experiência educacional púbica revolucionária da educadora de vanguarda Maria Nilde Mascellani, criadora dos ginásios vocacionais no Estado de São Paulo, três anos antes, em 1961.
Aluno mais jovem selecionado, com 9 anos recém-completados em setembro, ingressou na turma de 1964, em meio à crise política brasileira, que culminaria na tomada de poder pelos militares com o golpe de estado no final de março daquele ano, ao lado de Willian Waack, Tomas Roth e Guilherme Arantes, com quem iniciou sua carreira musical como baterista, amigos inseparáveis até sua entrada na FAU USP, em 1971, aos 17 anos.
Frequentador assíduo de Itanhaém, litoral sul de São Paulo, onde seu avô, dono do Bouticão Universal, na rua Florêncio de Abreu, maior distribuidora de equipamentos para dentistas da América Latina na época, amante da pesca em alto mar, ancorava sua enorme e possante traineira nas águas calmas do Rio, para encarar a barra rumo à Queimada Grande, com sua arrebentação sinistra.
Ali nascia o amante das ondas, estimulado pela maravilhosa oficina de “artes industriais”, uma de suas matérias preferidas no currículo alternativo, altamente pragmático, do Vocacional.
Do seu trabalho de semestre, construindo sua primeira “prancha havaiana” de madeira, cópia das de seus primos mais velhos em Itanhaém, trazidas de viagens aos EUA, ao choque de prazer como espectador de Endlles Summer, no Cine Graúna, na Avenida Santo Amaro, em Sampa, foi um pulo de gato.
Tornou-se o precursor do surfe na Prainha dos Pescadores, com sua primeira prancha de fibra, laminada por ele mesmo sobre um bloco da Gasplac com shape de forma, comprada com lucro obtido pela fabricação de sua primeira encomenda para um primo e parceiro nas ondas desde os primórdios até hoje, seu querido amigo e xará Kiko Gallucci.
A encomenda foi entregue com sucesso e o Kikão, como todos os amigos da época o conhecem, por ser mais velho que o Gallucci, vingou com sua hoje legendária Kiko Surfboards.
Eu tive o privilégio de ter uma Kiko Surfboards em 1975. Comprei minha primeira prancha de um certo Gabriel, morador do Pombal, conjunto de edifícios localizado entre a avenida São Gabriel e a 9 de Julho, nos Jardins, em São Paulo.
Por coincidência, também comecei a surfar em Itanhaém, justamente na Prainha, ao lado do Claudio Martins de Andrade, o Claudjones, fundador da Fluir e do Waves, seu irmão Eduardo e o indefectível Corvo, o Nelsinho Rizzo. Lembro que o Claudio também tinha uma Kiko Surfboards, swallow como a minha. E uma vez que eu estava com o Claudio no Arpoador, em 1976, vimos um cara com uma Kiko e pensamos que a prancha seria roubada.
Muitos anos mais tarde eu viria, enfim, conhecer o Kiko pessoalmente. Eu era editor-assistente da Fluir e o Claudio pediu para que eu preparasse uma campanha publicitária de rádio para a revista. Fui ao encontro do Kiko numa agência super descolada no Morumbi e nascia ali uma grande amizade.
De cara, criamos uma peça para a edição de agosto, acho que em 1987, e que foi ao ar pela rádio 89 FM, a Rádio Rock.
O texto era mais ou menos assim:
“Estou com medo, este mar está gigante!
Desencana, bundão, o mar está perfeito!
Fluir de agosto traz o mar do ano. E você ainda leva desgraça, um adesivo!”
Cheguei à redação, mostrei a fita e só não fui demitido na hora porque eu estava com todos os textos da tal Fluir de agosto já em linha de montagem. O editor-chefe, Alexandre Andreatta, ficou putaço, achou o anúncio uma merda e ficou vários dias sem falar direito comigo.
O fato é que aquela Fluir de agosto vendeu muito e nunca mais o editor tocou no assunto da publicidade que dava um adesivo da revista.
Anos mais tarde, já no comando do Waves, o Claudio me chama na sala e me apresenta um audio. Era um jingle que o publicitário Kiko havia preparado sobre o nosso Ueivis, como diz o Fabinho Gouveia.
Bem, antes, o Kiko já tinha formado sua banda Lord K e tinha se tornado celebridade nacional ao cantar pelado no programa da Hebe Camargo, um escândalo na época. O show peladão foi repetido depois no China Club, em Nova York, confiram no YouTube.
Atualmente, com 70 anos, Kiko é um jovem senhor envolvido com um trabalho social bastante relevante no Rio de Janeiro. Trata-se do Projeto de Núcleo de Interesse Social Educacional, Cultural e Turístico Nectur, Coopertaeis, que tem empolgado a ponto de deixar o shape em segundo plano.
Shaper, músico, publicitário, arquiteto, cartunista, Kiko joga nas 11, bate escanteio e corre na área para cabecear, sempre com talento, alegria e uma vibe de outro mundo. Nesta entrevista exclusiva ao canal Anarquilha, ele fala um pouco disso tudo.
Como surgiu a história de shapear?
Eu desenho desde 6 anos de idade, estimulado pelo meu pai que era muito bom nisso e ficava comigo no colo, me dando altos toques de mestre, enquanto traçava aquele mundo mágico com lápis no papel, para meu êxtase de aprendiz.
Apareceram as hot-dogs na Surfer Magazine, às quais logo tive acesso pelo meu primo Kiko, assim que entreguei sua primeira encomenda e parti na mesma hora, para a aventura de tentar fazer o que via nas fotos.
Como era o mercado em sua época?
Eram os primos e amigos próximos de Itanhaém, que me adotaram como fazedor de pranchas e uma loja de produtos para remendo de carros de fibra na Santo Amaro, a Reforplas.
Quem eram os grandes shapers e quais foram os caras que te influenciaram?
Logo entrei na FAU – Arquitetura da USP, que tinha uma oficina para maquetaria, ainda mais espetacular do que a do colégio Vocacional, era tudo que eu queria e me ajudou muito em mais algumas encomendas e com uma quilha linda de acrílico feita nela, fui com uma prancha mal laminada, mas impressionante pela beleza do detalhe em acrílico transpa muito bem shapeada e polida, amarrada na capota de uma Sinca azul-marinho, conhecer o Pier de Ipanema bombando como point alternativo de artistas, gatinhas, hippie chiques mostrando tudo e surfistas cabeludos, amantes de vagabundagem de praia, que amavam o Led Zepellin, Pink Floyd, Yes, Milton, Tim Maia e Mutantes como eu.
Não deu outra, a quilha quebrou na primeira onda, mas a praia estava ótima e eu dando bandeira com minha pinta de hippie urbano black power, placa de SP, tanto que no final da tarde, enquanto, pedia um maionese de ovo no Bobs original, ali de Ipanema, com a gentileza paz e amor imperante na época, me surge o já intelectual descolado Ricardo Bravo, que eu nunca havia visto mais carioca e torrado de Pier na vida, sensibilizado pelo meu fracasso de prancheiro paulista da isolada Itanhaém. Ali mesmo me ensinou todos os pulos de gato de laminação que o amigo dele, Tito Rosemberg, havia aprendido trabalhando na Gordon & Smith da Califa e com a mesma gentileza hippie, lhe havia passado. Tempos de paz e amor, bicho!
E eu continuei minha viagem solitária de shaper auto didata em Sampa, já com algumas referências fotográficas de salas de shape oriundas de revistas especializadas, mas com a qualidade de laminação bem aprimorada pelos toques do Bravo e shapes inspirados nas fotos da Surfer.
Quais surfistas usavam suas pranchas?
Os pioneiros da Prainha dos Pescadores eram os meus clientes e juntos fomos aprimorando os shapes, pelo resultado nas ondas, conhecendo pranchas importadas por amigos e pelas minhas viagens para Imbituba, em que fui um dos pioneiros e onde conheci feras como Fedoca, Daniel Sabá, Bento, Mudinho. Tudo acontecia muito rápido e então aluguei um terreno com uma casinha no fundo em Monções, Brooklin, onde hoje é conhecido como “Aguas Espraiadas” e ali a evolução como shaper foi meteórica na minha primeira oficina, fora de casa.
Fui um dos patrocinadores do primeiro Campeonato Brasileiro de Surf de Ubatuba, acompanhando a equipe que formei com os melhores surfistas do meu círculo de clientes de Itanhaém, incluindo os excelentes irmãos Wolthers, de Santos, que frequentavam a Prainha, Christian e John (Os Vikings), caras fora da curva na época. Então acabei conhecendo o Tito e a Lorraine, morando numa Kombi na Praia Grande e eu, que já era o Kiko da Kika, voltando com ela de uma trip hippie como marinheiro gaiato pela Europa, hitch hiking e vendendo artesanato pelas ruas de Berlin, Roma e Paris, demos match imediato.
Lá atrás você já era um visionário, com shapes incomuns, de onde saía tanta inspiração?
Tito Rosemberg nos convidou para passar um tempo com ele e a Lorraine na sua oficina no Recreio, fim do mundo na época, me passando todos os segredos que sabia e o muito aprendido, trabalhando em grandes oficinas renomadas com G&S na Califórnia.
Foi meu grande mestre e voltei desta experiência revolucionado como shaper and glasser e como arquiteto em progresso da FAU, desenhista e fundador da revista de quadrinhos Balão, amigo de grandes jovens cartunistas, todos amantes da contracultura californiana, Zap Comics, Robert Crumb, Rick Griffin e por aí afora. Não poderia ter dado um shaper convencional, a inventividade sempre foi meu forte.
Como vê o mercado na atualidade?
Como um arquiteto sênior e shaper legendário, agradecendo todos os dias o advento dos PCs e dos melhores programas de modelagem em 3D que domino com fluência e faz dos meus 70 anos, uma alegria sem fim de viver em plena criatividade, privilegiado pelo conforto de ter me tornado um modelador digital que me foi conferido pelo 3DMax e o Shape 3D, que são minhas ferramentas de arquiteto e shaper, respectivamente.
Não faço mais serviço bruto, modelo o que quero com muita facilidade na tela dos meus computadores e ponho as máquinas para fazer o serviço pesado nos blanks e nas obras.
Por opção, moro a 150 metros das ondas do Canto do Recreio/Macumba, no final da Rua das Pranchas, em frente ao Beco do Base, e meu super amigo e parceiro, shaper genial de plaina elétrica de queixo mole, como sempre usei, enquanto não me pesava, e hoje tenho o privilégio de tê-lo como hand finisher dos meus shapes e glasser das minhas atuais hibridas Lord’s Classic Kiko Surfboards, Pure Shape!
Qual a maior dificuldade para viver de shape no Brasil?
A usinagem computadorizada, transformou em designers os shapers com domínio de computação gráfica em 3D, como eu que sempre combinei arquitetura com pranchas de surfe.
Quem não correu atrás, ficou prejudicado pelo avanço tecnológico inevitável.
Mas, amantes da contra-cultura de espírito anarquista e libertário, como eu, honrado por estar sendo entrevistado pela coluna Anarquilha, sempre estarão mais interessados na liberdade de expressão e avanço da humanidade do que em questões de mercado. O mercado é a expressão do sistema de domínio e não dos reais avanços e mais nobres valores da divina raça humana em seu avanço em humanidade!
E como surgiu o lance de virar radicalmente e se tornar músico profissional?
Sempre atuei multidisciplinarmente. Por exemplo, fiz vários jingles famosos para o surf world, Fluir, Star Point, Skating e, por o último Waves, quando fui produtor musical, arranjador, compositor da música e letra, canto, toco tudo, edito o vídeo e adoraria que mais outras milhares de pessoas o assistissem, 16 anos depois de ter sido publicado pela primeira vez no maior site se surf do Brasil. É só digitar Waves, Lord K no browser do Google, que quem estiver curioso pode conferir no YouTube.
Mas, quando apareci pelado na Hebe Camargo sendo entrevistado pelo Faustão, a bagaça explodiu na mídia e recebi o convite para turnê nacional, que não dava pra recusar. Então, saí fazendo 280 shows pelo Brasil até chegar ao Canecão, quando deu poliça. E a HBO me contratou para gravar um episódio do Real Sex 8, quando passei dois anos fazendo shows na Broadway em Nova York, nas melhores casas underground.
Gravei com uma banda de músicos nova yorquinos do primeiro time, meu CD – Lord K, back from USA, e a Rebel TV gravou um show meu no China Club, que quem quiser conferir é só dar um Google em Rebel TV Lord K, que está publicado no site deles no YouTube.
A banda do Lord K ainda está na ativa com sua levada suingada?
Boa pergunta e oportunidade para esclarecer que Lord K é meu nome artístico como cantor performático e compositor.
Faço shows tanto com bandas formadas pra eles, como só com minha amada DJ Dani e percussionistas convidados em versão Live P.A., ou acústicos como meu show Mini Orgasmo Confidencial, dirigido pelo cartunista Angeli, que foi um acústico de trio pós-moderno, com o qual rodamos o Brasil e NY.
Hoje estou trabalhando como arquiteto criador e produtor artístico do Projeto de Núcleo de Interesse Social Educacional, Cultural e Turístico NECTUR, com seu primeiro núcleo no Vidigal, para PPP, tendo como objetivos a parceria PÚBLICA com a Prefeitura do Rio e a parceria privada um Fundo Privado Misto Socialmente Orientado, onde tenho trabalhado com todas as linguagens audiovisuais que domino atualmente, deixando para retornar com A Noite da Levada, como case exclusivo e no máximo quinzenal, quando ela será residente nos espaços de show que projetei para o Nectur Vidigal, depois de prontos.
Estou com 70 anos e sempre canto uma música que eu adoro do Ed Motta: “Eu não nasci pra trabalho, Eu não nasci pra sofrer”.
Mas estou plenamente ativo em todas as minhas artes, com total liberdade de expressão!
Sem isso, não vale a pena viver. Estou neste lindo planeta à passeio.
Qual tipo de som você realmente aprecia?
Todo aquele com uma levada que resgate a pulsação primal de nossa ancestralidade rítmica ou que remeta às deusas levadas da insubordinação feminina pela imposição da sua liberdade e beleza naturais e do seu amor maternal infinito, que tão bem cuidou da nossa multiplicação, povoando a grande tribo da irmandade inter-racial planetária.
Voltando ao surfe, como você vê essa geração de surfistas campeões e de que maneira você entende que essa tempestade impacta no mercado?
Acho um puta avanço no esporte do ponto de vista técnico e olímpico, mas não tem nada a ver com minhas raízes de hippie naturalista, ambientalista paz e amor, desbravador de praias desertas e corações solitários.
Mas como são nossos espetaculares campeões, os que precisam de tratamento psiquiátrico para suportarem a pressão do mercado e o super stress de surfistas objeto em que se transformam para cumprir as expectativas dos patrocinadores, quando estou folgado e o mar da etapa está show, deito na frente da minha TV Android, e pelo YouTube assisto e torço para os meus heróis da Brazilian Storm, comendo pipoca e me entretendo a valer.
Como as pessoas devem agir para encomendar uma Kiko Surfboards de sonho??
A má notícia é que eu não aceito mais encomendas, só de amigos muito próximos, que permanecem em contato comigo regularmente pelo zap, bem poucos, como Vossa Senhoria, Dom Alceu Toledo Junior. E vez ou outra produzo estoques e lanço o inventário no blogspot Lords’s Classic Surfboards, para venda pelo blog. O próximo estoque disponível, informarei em primeira mão para o Anarquilha.
Você tem surfado muito aí na Macumba?
Saravá!
O que diria para a nova geração que tem vontade de fabricar pranchas e viver este sonho de trabalhar no segmento do surfe?
Se sentir amor pelo que fazem, bem como pelos semelhantes, sempre existirão boas pessoas dispostas a compartilhar conhecimentos graciosamente, como tantos que me ajudaram, em especial pela internet atualmente.
Mas um bom domínio de computação gráfica e modelagem digital em 3D são ferramentas indispensáveis para se chegar ao topo do profissionalismo contemporâneo, em termos de modelagem de surfboard shapes, arquitetura, escultura e artes afins.
Portanto, para quem se apaixona pelo ofício, sempre vale a pena trabalhar forte, dando seu melhor. Ser feliz e amar a felicidade do próximo é o que interessa. Sempre dá certo por este caminho!
Recomendo: Coopertaeis. Este é o meu shape de vida atual. Let´s surf together in this project. A nobreza agrade, Aloha!